Aplicativos ajudam a monitorar queimadas e risco de fogo em áreas indígenas

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Apesar de não contar com apoio do governo federal, povos indígenas estão se organizando para monitorar focos de calor

Imagem editada e redimensionada de Raissa Azeredo/Mídia Ninja, está disponível no Flickr e licenciado sob CC-BY 2.0
Os massivos incêndios na Amazônia chocaram o mundo em 2019 e seguem em ritmo acelerado em 2020. Para os povos indígenas isolados, no entanto, foi ainda pior. Os incêndios dentro de terras indígenas com registros de povos isolados aumentaram 259% no Brasil em 2019, em comparação ao ano anterior.

É o que revela um relatório feito pela organização Land is Life. Segundo Antenor Vaz, que trabalhou com povos isolados durante três décadas na Fundação Nacional do Índio (Funai) e coordenou o relatório, o estudo é resultado de uma cooperação internacional que foi orquestrada nos últimos anos.

Foram 31.438 focos de incêndio identificados no Brasil e só duas terras indígenas não tiveram queimadas detectadas dentro de seu território: Piriti, em Roraima, e TI Tanaru, em Rondônia.

A terra mais afetada foi a Inawabohona, no Tocantins, com mais de 8.199 focos. Isso equivale à soma dos incêndios das outras duas terras com mais queimadas, a Yanomani, em Roraima, com 4.652 focos, e o Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, com 4.169.

No total, foram analisados 99 territórios indígenas e 32 unidades de conservação no Brasil, Paraguai e Bolívia. O estudo deixa claro que os incêndios são provocados por pessoas ligadas ao agronegócio e às indústrias extrativas, muitas vezes de forma criminosa. O Brasil tem hoje 122 registros de povos indígenas isolados, que já enfrentam a pressão da mineração, do garimpo, de madeireiros, de pecuaristas e da pandemia de covid-19.

Segundo Antenor Vaz, o cenário brasileiro, crítico, já é resultado das políticas do governo Bolsonaro e do sucateamento de órgãos como a Funai. De fato, o governo tem inclusive tentado maquiar dados de incêndios na Amazônia. Um erro de satélite corrigido, no entanto, mostra que agosto foi na verdade o pior mês de queimadas na região em uma década.

“Mas é impossível esconder a realidade da comunidade internacional”, afirma Vaz. Para o sertanista, a tentativa do governo federal é confundir a sociedade brasileira. A situação da Funai hoje, responsável pela proteção dos povos indígenas, é “absurda”.

“É impossível trabalhar na Funai atualmente. Existe uma lógica do governo Bolsonaro de saquear as instituições. Este saque está sendo feito pelos militares, os evangélicos e por quem segue a cartilha dele. Hoje a Funai está nas mãos dos ruralistas e dos evangélicos. A Coordenação Geral de Indígenas Isolados é comandada por um missionário”, critica.

Aplicativos para indígenas

Diante da incapacidade do governo federal em cumprir com a sua obrigação constitucional de proteção aos povos indígenas e a pouca disponibilidade em dialogar para buscar soluções, os indígenas têm se organizado por conta própria para entender e combater ameaças como os incêndios.

Uma das soluções encontradas foi a criação do aplicativo Alerta Clima Indígena, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) com apoio do governo da Noruega. O aplicativo registra a média mensal de focos de calor e o risco de fogo nos próximos dias, além de permitir o avanço do desmatamento dentro e no entorno de cada terra indígena.

Já a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) irá lançar em breve um aplicativo com o objetivo de mapear diariamente os focos de incêndios em terras indígenas da Amazônia e fazer com que os usuários indígenas possam registrar em tempo real as queimadas observadas diretamente em seu território.

Esses dados serão compilados por uma consultoria contratada e usados pela própria Coiab e a sua rede de organizações e parceiros para uma resposta mais rápida ao problema.

A ideia é que o aplicativo seja o mais leve possível, que os mapas baixados possam ser usados offline e as informações disponibilizadas assim que o usuário encontre uma conexão de internet próxima, já que a oferta de internet dentro das terras indígenas é precária, explica Kleber Karipuna, liderança da Coiab.

“Estamos em fase de finalização do aplicativo e devemos disponibilizar ainda em setembro para as comunidades indígenas”, afirma Kleber. O app recebeu o nome de “Cô”, que significa água na língua do povo Timbira, família linguística Jê, e em cada mapa será representado o acumulado das queimadas detectadas desde o dia 1 de junho de 2020 (início da estação seca na Amazônia) até o dia anterior à liberação do mapa.

O desenvolvimento do aplicativo se soma a um Plano de Ação que está sendo elaborado pela Coiab, provocado pela situação crítica dos incêndios em 2019. Agora, a rede de organizações indígenas quer construir um planejamento estratégico para os próximos anos que atuará não só no combate aos incêndios, mas também na prevenção.

“Queremos aumentar o diálogo institucional com diversos atores, realizar oficinas, cursos, apoiar a formação de brigadas contra os incêndios, usar as plataformas que estamos criando para um intercâmbio de informações e captar apoio para as nossas ações”, afirma Kleber Karipuna.

As terras indígenas com a presença de povos isolados é uma das preocupações principais, lembra a liderança. “Nosso cuidado com esses parentes é maior ainda porque eles sobrevivem única e exclusivamente da floresta. Ter a floresta — seu habitat de subsistência — queimada faz com que esses grupos saiam para se proteger e buscar alimentos e água, o que gera conflitos evitáveis”, destaca.

Embora não contem com o apoio do governo federal, os indígenas seguirão tentando o diálogo. “Nossa esperança para construir algo conjunto é quase zero. Embora o governo esteja sentado com o lado que quer a destruição do meio ambiente, nós iremos tentar o diálogo mesmo assim. Iremos fazer as nossas ações de todo jeito. Na ausência do Estado, nós literalmente apagamos incêndio”, finaliza Kleber Karipuna.


No vídeo acima, liderança Karipuna registra, em primeira mão, a fumaça dos incêndios no céu de seu território, em Rondônia


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