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PL 1459/2022 conta com forte apoio no Congresso, inclusive de políticos aliados de Lula ligados ao agronegócio. Docente da Unesp participou de audiência em comissão do Senado e defende nova legislação. Mas iniciativa enfrenta oposição de diversos pesquisadores e ambientalistas.

Por Marcos do Amaral Jorge em Jornal da Unesp | Agrotóxicos ou pesticidas? A polêmica de décadas quanto ao termo que melhor identifica o vasto arsenal de substâncias que a moderna agroindústria emprega no controle de pragas pode estar próxima de terminar – pelo menos, oficialmente.

A substituição do primeiro termo pelo segundo – e também pelas expressões “defensivos agrícolas” e “produtos fitossanitários” – nos documentos de autoridades e agências oficiais e nas embalagens dos produtos é uma das modificações previstas pelo PL 1459/2022, que está tramitando no Senado desde fevereiro. A votação do relatório do PL 1459/2022 na Comissão de Agricultura do Senado estava prevista para o dia 29/11, e havia grandes chances de aprovação. O presidente da Comissão, o senador Acir Gurgacz (PDT – RO), já havia se pronunciado a favor. “Esse projeto é bom para o país”, declarou em entrevista à rádio Senado. Outro que expressou seu apoio foi o deputado Néri Geller (PP – MT), liderança do agronegócio no Congresso e um dos principais aliados de Lula durante a campanha para dialogar com o setor. “O relatório do projeto vai ajudar o meio ambiente e vai aumentar o rigor dos exames toxicológicos”, declarou em entrevista à Folha de São Paulo. Geller foi ministro da Agricultura do governo Dilma e está cotado para ocupar o mesmo posto no próximo governo Lula. Porém, na véspera da votação, Acir Gurgacz adiou após debate com integrantes da equipe de transição do próximo presidente, e não foi marcada uma nova data para a votação na Comissão. 

Durante o ano, a Comissão de Agricultura realizou audiências públicas, inclusive com a participação de especialistas convidados, para analisar as alterações e inovações propostas pelo PL 1459/2022. Um dos especialistas convidados foi o agrônomo Caio Carbonari, vice-diretor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, campus de Botucatu. Em seu depoimento junto aos senadores, que ocorreu em junho, ele se posicionou a favor da aprovação do projeto de lei. “O projeto traz importantes atualizações e segue boas práticas que já são adotadas em outros países. É importante para assegurar a competitividade de nossa agricultura, que é prejudicada pela atual legislação”, explica.

Uma controvérsia de 20 anos

Atualmente está em vigência a lei 7.802, de 1989, conhecida como Lei de agrotóxicos – que inclusive estabeleceu o uso do termo para identificar esta categoria de produtos. Uma década depois da promulgação da lei 7.802, chegou ao Senado o PLS 526/1999, que sugeria apenas duas alterações, a título de atualização.  Aprovada no Senado, a proposta de legislação chegou à Câmara dos Deputados por meio do PL 6299/2002, que começou a ser discutido em março daquele ano. Sua aprovação, porém, ocorreu apenas em fevereiro de 2022. Foram 20 anos de debates, o que dá bem a medida da controvérsia que o projeto de lei suscitou, opondo apoiadores e detratores.

Ao longo dessas duas décadas, o PL 6299/2002 foi intensamente combatido por uma coalizão que envolveu ambientalistas e acadêmicos. Para os críticos, as muitas alterações propostas teriam como objetivo beneficiar as atividades do agronegócio brasileiro às custas de um rebaixamento dos mecanismos vigentes de proteção à saúde humana e ao meio ambiente.  “Não se sabe ao certo os danos que esses produtos podem causar, e por isso o projeto recebeu a dura alcunha de ‘PL do veneno’ ”, diz o geógrafo Raul Borges Guimarães, pró-reitor de Extensão Universitária e Cultura da Unesp e professor do Departamento de Geografia da Unesp, campus de Presidente Prudente.

Para Guimarães, que coordena o Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde, “os resultados imediatos, de médio prazo e de longo prazo do PL-6299 condenarão os trabalhadores, os solos, o ar, as águas superficiais e aquíferos, as comunidades e o ambiente em geral a patamares de contaminação e diferentes situações de perigo e de risco constantes”. “E sua adoção levará também a consequências previsíveis e imprevisíveis, que podem envolver adoecimento, mutilações, aposentadorias precoces, descarte, desemprego etc. Tudo isso  sem que a comunidade científica, a Anvisa, o Ministério do Meio Ambiente ou  os órgãos protetivos e  de representação política  disponham de mecanismos legais para decidir em oposição às ações e decisões do Ministério da Agricultura”, diz.

Após a aprovação na Câmara de Deputados, que ocorreu em fevereiro, o projeto seguiu para apreciação pelo Senado, na forma do PL 1459/2022. Pouco depois, a Fiocruz emitiu um comunicado manifestando preocupação quanto aos efeitos das alterações sobre a saúde e o meio ambiente, e se comprometeu a repassar aos senadores um dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) elaborado exclusivamente para atacar a iniciativa. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência divulgou nada menos do que um manifesto público, no qual expressou “de forma contundente sua posição contrária”. Por seu turno, a Embrapa, ainda em 2018, tornou público seu posicionamento oficial. O texto analisava de forma crítica o conteúdo do projeto, tal como estava articulado à época, e concluiu que, embora contivesse pontos que deveriam ser mais bem debatidos, ele proporcionava “avanços em relação à legislação atual” e que o país vive a necessidade de “tornar os regulamentos e procedimentos mais eficientes, modernos e eqüitativos” nesta área.

A abrangência e a alta complexidade do texto do PL 6299/2002, que, em seus 67 artigos, trata da pesquisa, experimentação, produção, comercialização, importação, exportação, embalagens, destinação final e fiscalização envolvendo esses produtos, somadas ao ambiente de oposição e enfrentamento que se formou em torno da temática no país nos últimos anos, tornou extremamente desafiador conduzir este debate em uma esfera técnica.  

Esse foi um dos desafios da participação de Caio Carbonari junto à Comissão de Agricultura do Senado, em junho deste ano.

Uma nova forma para avaliar os riscos

Carbonari considera que uma das propostas mais relevantes do PL é contemplar no texto a análise de risco na avaliação das substâncias. O professor da Faculdade de Ciências Agronômicas argumenta que houve, nas últimas décadas, consideráveis avanços científicos nas Ciências Agronômicas, em áreas como biotecnologia e nanotecnologia, que não são mencionados ou contemplados na Lei dos agrotóxicos, uma vez que esta foi criada há mais de trinta anos. Alguns desses avanços se relacionam ao tema da avaliação de risco, etapa obrigatória no processo de análise e registro dos agrotóxicos. Este seria um exemplo de defasagem científica a ser corrigida pelo novo projeto de lei.

Atualmente, a Lei dos Agrotóxicos não menciona em seus mais de vinte artigos o conceito de análise de risco, mas define em seu artigo 3, parágrafo 6 que “fica proibido o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins” para os quais, por exemplo, não existir antídoto ou tratamento eficaz no Brasil, que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica”. A lei determina, ainda, a proibição de substâncias cujas características causem danos ao meio ambiente, entre outros pontos.

“O conceito de análise de risco avalia a exposição a determinada substância na situação real de uso. Isso não existia em 1989 quando foi estabelecida a nossa legislação, mas é adotado pelas agências regulatórias de todo o mundo há pelo menos 20 anos”, diz Carbonari. “É o conceito mais adotado no mundo, e do ponto de vista cientifico o mais adequado e que faz mais sentido”, diz.

Em sua apresentação à comissão do Senado, Caio apresentou dados de um estudo que conduziu    empregando o conceito de análise de impacto ambiental para comparar alguns agrotóxicos já em uso no Brasil com outros produtos de fabricação mais recente, que ainda não receberam registro. A comparação entre as moléculas registradas entre 1990 e 1999 e aquelas cujo uso foi autorizado do ano 2000 para cá  registrou uma queda média de 29% na dosagem média empregada do produto. Quando se avaliavam os impactos para trabalhadores rurais, consumidores finais e o ambiente, as reduções no risco de impacto ambiental eram de 28%, 29% e 40% respectivamente. Na comparação dos produtos mais recentes com aqueles cujo registro se deu nos anos 1970, a redução na dosagem do produto alcançava 88%. A dosagem é um dos elementos constantes nas avaliações de risco. “Já há novos produtos de menor impacto para o ambiente e para a saúde humana disponíveis no mercado. Mas é preciso atualizar a legislação para que o acesso a eles possa ser facilitado”, diz o docente da Unesp.

Quem pode avaliar?

Segundo a lei em vigor, a análise dos impactos dos agrotóxicos para a saúde humana e para o meio ambiente é feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), respectivamente. Nessa avaliação, o primeiro passo é a identificação do perigo que a substância pode causar. Em seguida analisam-se a dosagem, as condições de exposição humana e se há caracterização de risco. Entretanto, se a avaliação apontar alguma das condições que são expressamente enunciadas na lei, “o processo é interrompido já na primeira etapa”, diz a biomédica Karen Friedrich. Professora do Departamento de Saúde Coletiva da Unirio e servidora da Fiocruz, doutora em Saúde Pública, com ênfase em Toxicologia e Saúde, pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), da Fiocruz, ela é assessora técnica do Ministério Público do Trabalho para a questão dos agrotóxicos.

 “A indicação para proibição dos agrotóxicos que causem os danos mencionados na Lei dos agrotóxicos se justifica. São efeitos graves, muitas vezes irreversíveis e cujas doenças, na grande maioria das vezes, não têm tratamento”, explica a pesquisadora, que também é professora da Unirio. “Soma-se a isso a estrutura de saúde brasileira, que em muitos casos é precária para dar suporte a esses doentes”, diz.

As atribuições do Ibama e da Anvisa descritas na nova lei são motivo de crítica por parte dos opositores. Quando descreve as atribuições dos órgãos federais, na Seção I do Capítulo 3, o texto afirma que compete às duas agências analisar e, quando couber, homologar a avaliação de risco toxicológico e do risco ambiental apresentada pelo requerente dos agrotóxicos e demais produtos que envolvem o controle das ameaças da lavoura.

Para Karen Friedrich, embora o texto aponte que, no momento do registro do produto exige-se a avaliação do risco por parte das agências, a participação de ambas não é mencionada nos casos em que o fabricante demande uma alteração no uso do produto, o que pode envolver, por exemplo, um aumento da dose na aplicação. “Uma alteração como essa vai implicar maior exposição humana e ambiental. Mas quem vai fazer essa análise será apenas o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Por haver essa maior exposição, Anvisa e Ibama deveriam, também, deliberar sobre isso, mas são retirados do processo pela nova lei”, lamenta a pesquisadora. Ela também critica a exclusividade que o MAPA passa a ter quanto ao monitoramento laboratorial que fiscaliza a presença de agrotóxicos na água e em alimentos in natura e ultraprocessados, o que avalia como uma perda da competência dos órgãos.

O protagonismo do MAPA na tramitação dos processos de avaliação de novos produtos é visto como natural por Caio Carbonari. É este órgão que atua diretamente junto ao setor agrícola e conhece suas demandas relacionadas a pragas e ameaças a lavouras de interesse econômico. “De acordo com a proposta, o MAPA passa a disciplinar o processo, definir o que é prioridade e alinhar a avaliação entre os três órgãos, isso é, ele irá secretariar o processo. Mas não indica qualquer ingerência sobre o resultado. As agências não vão perder sua total autonomia para barrar o avanço do registro se o produto não for seguro”, explica.

Agilizar o processo

A proposta de um maior protagonismo do MAPA no processo de análise de novos produtos busca solucionar diretamente um ponto sensível para os produtores rurais e que está no centro do debate da nova lei: a demora na liberação de novos agrotóxicos.

Segundo Caio Carbonari, os prazos atuais para a análise e liberação de novos produtos têm levado os produtores a recorrerem a produtos mais antigos e tecnologicamente inferiores que seriam, portanto, mais agressivos. Em sua apresentação na audiência do Senado, o professor do câmpus de Botucatu comparou o tempo de aprovação desses produtos no Brasil e em outros países. “Nossos principais concorrentes acessam, analisam e liberam essas ferramentas de forma muito mais ágil. Países como os EUA, o Japão ou a Europa levam em média dois a três anos para avaliar um novo produto. No Brasil, a demora é de oito a 12 anos”, afirma. “Isso tira competitividade da nossa agricultura porque a proteção de plantas é extremamente importante e afeta diretamente a produtividade das culturas agrícolas. Além disso, com a demora, nós estamos impedindo acesso do produtor a produtos mais seguros.”

Uma proposta incluída no projeto de lei para tentar atacar a demora na liberação de novos agrotóxicos estabelece um mecanismo que prevê a conclusão da análise dentro do prazo de dois anos. Caso isso não ocorra, aqueles produtos que já tiveram seu registro aprovado em pelo menos três países da OCDE receberão um registro temporário de uso, até que a análise seja concluída pelos órgãos brasileiros. “São países com sistemas regulatórios bastante criteriosos, mas é claro que o registro temporário não é o ideal. O ideal é analisar dentro de dois anos. Se isso não ocorrer, o atraso não impedirá acesso aos produtos e a agricultura não será penalizada”, diz Carbonari.

Para os grupos que se opõem ao PL, entretanto, a proposta de uma liberação emergencial baseada em análises realizadas por agências de outras nações tenta driblar um problema do país que é o déficit em recursos humanos e em investimentos nas agências nacionais que atuam nas análises para registro de agrotóxicos. “É injusto comparar a estrutura dos órgãos de regulação do Brasil com a de outros paises”, diz Karina. “A demora ocorre principalmente porque existem poucos profissionais nesses órgãos.” Para efeito de comparação, segundo o Portal da Transparência, do Governo Federal, o Ibama tem 4.961 funcionários em exercício, enquanto a Anvisa tem 2.171. A Environmental Protection Agency (EPA), dos Estados Unidos, que pode ser apontada como um equivalente ao Ibama no Brasil, por sua vez, possui pouco mais de 17 mil funcionários. Cabe mencionar que nem todos esses funcionários, seja do Ibama, da Anvisa ou da EPA, são responsáveis pela análise e registro de agrotóxicos. “Talvez [a possibilidade do registro temporário de uso] não seja propriamente um problema”, diz Raul Guimarães. “Mas esse dispositivo protetivo, ao nivelar por baixo a permissividade para obtenção de registro provisório, ou seja, [indicar] a regras normativas de apenas três países da OCDE, é o horizonte para facilitar o uso e, antes disso, a produção, comercialização de agrotóxicos de interesse da indústria químico-famacêutica”, pondera.

Ainda que os órgãos brasileiros demorem a analisar novos produtos, as aprovações têm ocorrido. “Somente entre 2016 até 2021, foram aprovados 2.659 novos produtos. E nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, o total chegou a 1.529”, diz Raul Guimarães. “Na verdade, temos visto uma intensificação nas aprovações”, diz. Carbonari, porém, chama a atenção para o fato de que, embora os números sejam altos, apenas uma pequena parcela deles realmente resulta em produtos novos nas prateleiras. Com base em dados do MAPA, ele disse ao Senado que 43% das aprovações feitas nos últimos anos trataram de novos produtos comerciais cujos princípios, na verdade, já estavam registrados. E 52,2% se enquadram na categoria de produtos genéricos, que também trazem em suas fórmulas princípios já em circulação. “Por isso nesses casos a tramitação é mais célere”, diz. Apenas 4,4% das aprovações estão relacionadas a novos produtos com novos ativos na formulação, disse ele. 

Para Karina Friedrich, um ponto a ser criticado no PL 1459/2022 é a proposta de dispensar de estudos agronômicos, toxicológicos e de impacto no meio ambiente agrotóxicos que são fabricados no Brasil, mas cuja produção seja destinada exclusivamente à exportação. Ela lembra que nem todos os riscos suscitados por esses produtos estão ligados exclusivamente ao seu uso em atividades agrícolas: o próprio processo de fabricação também demanda medidas de segurança a fim de preservar a saúde do trabalhador que atua na linha de produção, ou mesmo para avaliar casos em que algum acidente no transporte possa resultar em uma emergência ambiental, por exemplo.

“Essa dispensa gera preocupação quanto ao que pode ocorrer no caso de um acidente na fábrica, ou de algum vazamento do produto no meio ambiente. Como as autoridades deverão responder a essas emergências? Que tipo de EPIs deverão ser usados?”, questiona. “O que notamos é uma tentativa de incentivar a fabricação desses produtos no Brasil. Mas isso não pode ocorrer ao custo do adoecimento das pessoas”, diz.

Carbonari diz que o projeto de lei facilitará o acesso a novos produtos mais seguros e menos tóxicos que estão em uso em diversos países. Na audiência no Senado ele apresentou um levantamento relacionando 29 novas moléculas que estão na fila para registro no Brasil. Deste total, 17 moléculas já estão em uso nos Estados Unidos, 16 no Canadá, 15 na Austrália, 14 na União Europeia e 13 na Argentina. “A questão central não é se o produto é antigo ou novo, mas sim se o risco envolvendo seu uso é maior ou menor. Existe uma tendência clara dos produtos mais modernos a apresentarem menor risco. E, no momento atual, não estamos sendo eficientes em dar acesso a produtos novos de menor risco na mesma velocidade de outros países que são nossos principais concorrentes em termos de agricultura.”

Foto acima: Deposit photos.

Este texto foi originalmente publicado pela Jornal da Unesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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