Aprimorar cobrança do estacionamento em vias públicas pode promover equidade no transporte

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Por Júlia Hartmann Mozetic, Guillermo PetzholdFrancisco PasqualVirginia Tavares e Fernando Corrêa em WRI Brasil – Quando parte das ruas é dedicada ao estacionamento, opta-se por dar uma destinação privada a um dos ativos mais valiosos da cidade. De ciclovias e faixas dedicadas para ônibus a calçadas mais espaçosas, parklets ou mesmo faixas de tráfego veicular misto, o cardápio de usos mais benéficos à coletividade é vasto. Mais do que nunca, é preciso repensar a mobilidade em nome de cidades mais prósperas e inclusivas. E a cobrança do estacionamento rotativo é um bom ponto de partida.

O transporte coletivo, a bicicleta e a caminhada são as opções mais sustentáveis na mobilidade urbana. Porém, enquanto sistemas de ônibus definham em meio à falta de recursos e à queda na demanda, e ciclistas e pedestres dispõem de infraestrutura precária em seus deslocamentos, cidades investem recursos vultosos na manutenção das vias – e ainda reservam parcela significativa para motoristas armazenarem um bem privado.

Trata-se de um investimento na mobilidade às avessas, já que um automóvel permanece até 95% do tempo estacionado. E de um incentivo a um modo de transporte que não pode ser a prioridade em um momento em que cidades buscam, além de eficiência e inclusão, a transição para o desenvolvimento de baixo carbono.

Mais carros nas ruas significam mais emissões, poluição, congestionamentos, sinistros e mortes no trânsito. Em São Paulo, por exemplo, os carros ocupam 88% das vias públicas e transportam somente 30% das pessoas. Para transportar um passageiro, um carro emite cerca de 4 vezes mais poluentes locais e 2 vezes mais poluentes de efeito estufa do que um ônibus.

A cobrança pelo estacionamento em vias públicas incentiva a migração para os modos sustentáveis. Como a maioria dos clientes do comércio local usa a mobilidade ativa, trata-se também de uma forma de estimular a economia.

Atualmente, talvez o motivo mais urgente para aprimorar as políticas de estacionamento em áreas públicas no Brasil seja a crise no transporte coletivo. É que, além de permitir a gestão da mobilidade, os valores arrecadados podem ser reinvestidos nos sistemas de ônibus urbanos.

Bons exemplos no Brasil e no Exterior

Algumas cidades estão redesenhando as suas políticas de estacionamento rotativo para que se tornem, de fato, instrumentos de gestão e apoiem a construção de uma mobilidade mais sustentável e justa para todas as pessoas.

São José dos Campos

São José dos Campos é uma cidade pioneira na implementação de novas tecnologias e uma referência em inovação. Em 2020, a cidade paulista licitou seu estacionamento rotativo com uma sinalização clara de preocupação ambiental e de valorização do transporte coletivo e de qualidade. A outorga inicial de R$ 9,2 milhões da concessão foi revertida para a aquisição de ônibus elétricos e a cidade garantiu o repasse mensal de 38,5% da receita do estacionamento rotativo para o Fundo Municipal de Transportes.

Zona Azul Eletrônica conta com mais de 5 mil vagas de estacionamento distribuídas pela cidade e utiliza um sistema moderno de monitoramento. A ocupação das vagas é monitorada por sensores instalados no pavimento que retornam ao sistema a taxa de ocupação em tempo real.

A informação do número de vagas é disponibilizada em sete painéis espalhados nas principais avenidas da cidade e por um app para smartphone, o que contribui para a eficiência e fluidez do tráfego, já que motoristas passam menos tempo procurando vagas ou parados em fila dupla. A fiscalização é realizada por quatro carros elétricos que capturam a imagens dos veículos estacionados, enviam para o sistema de retaguarda e permitem a autuação de veículos infratores sem necessidade de fiscais nas ruas. Recentemente, a cidade também reformulou os contratos de concessão do transporte coletivo.

São Francisco, Estados Unidos

A cidade de São Francisco implementou em 2011 o programa SFpark com um grande diferencial: a tarifa dinâmica, regulada pela demanda da hora e do local. Viabilizada por sensores que monitoram a disponibilidade de vagas, a tarifa é reajustada periodicamente com base nas taxas de ocupação. No geral, os preços são menores no período da manhã, mais caros entre meio dia e três da tarde e menores após esse horário.

A agência de transporte da cidade tem como meta estipular preços que levem a uma ocupação de 60% a 80% das vagas por quarteirão, de forma que não haja escassez nem excesso de oferta. Quando a taxa de ocupação se enquadra nessa faixa, o preço não é alterado. As receitas de estacionamento são geridas pela agência de transporte e uma parte significativa é destinada à operação do transporte coletivo na cidade.

Após ser testado em 7 mil das 28,8 mil vagas da cidade, o programa foi expandindo em 2018 para a totalidade das vagas. Os impactos são muito positivos. Nas áreas onde vigora o SFpark, houve uma redução de 8% do tráfego e de 30% nas emissões de gases de efeito estufa. A arrecadação anual é da ordem de US$ 1,9 milhões.

Lisboa, Portugal

Lisboa conta com mais de 90 mil vagas de estacionamento pagas, geridas pela Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL). A tarifa horária do estacionamento varia de acordo com o local, contemplando cinco zonas tarifárias: verde, amarela, vermelha, castanha e preta – da mais barata para a mais cara. A diferenciação busca adequar a oferta à demanda e atender as diferentes realidades socioeconômicas da cidade.

A zona verde corresponde a locais predominantemente residenciais e permite um maior tempo máximo de permanência – até quatro horas. No outro extremo, estão as zonas castanhas e pretas. Por estarem localizadas em áreas mais centrais e de caráter mais comercial, onde há o maior desequilíbrio entre a procura e a oferta de vagas, estão sujeitas às maiores tarifas – 3€ por hora – e permitem permanência máxima de duas horas. Residentes em áreas de cobrança têm gratuidade para uma vaga, sendo necessário pagar por um passe anual caso possuam mais de um veículo.

valor arrecadado em 2015 foi de cerca de 21 milhões de euros – antes da criação das zonas castanha e preta, em 2021. A EMEL investe parte do valor arrecadado no estacionamento na gestão da mobilidade integrada em Lisboa e em formas mais saudáveis de deslocamento, como o sistema de bicicletas compartilhadas GIRA.

Estacionar nas ruas brasileiras ainda é muito barato

Para o incentivo ao transporte sustentável ser efetivo, o valor pago para estacionar um carro em via pública não pode ser meramente simbólico. A tarifa de estacionamento tem de contribuir para a competitividade, mas também para a qualificação do transporte coletivo e da mobilidade ativa.

São Francisco e Lisboa são exemplos dessa prática: nos horários de maior demanda (ou nas zonas, no caso de Lisboa), o valor do estacionamento por hora chega a ser algumas vezes o preço de uma passagem de transporte coletivo. Nas capitais brasileiras, à exceção de São Paulo, é mais barato pagar pelo estacionamento rotativo do que pela passagem.

É uma distorção que, se não endereçada, tende a se agravar. Enquanto as tarifas do transporte coletivo são reajustadas anualmente, as tarifas das zonas azuis pouco aumentam com o passar do tempo.

O quanto cobramos pelo estacionamento em comparação com o transporte coletivo também pode ser um indicador de equidade no transporte urbano. O fornecimento gratuito – ou a preços módicos – de armazenamento ilimitado de carros nas vias públicas é concedido às pessoas com renda suficiente para ter carros.

O caminho para uma mobilidade mais justa e sustentável passa pela cobrança do estacionamento em vias públicas. No Brasil, ainda há muito espaço para melhorias – e modos sustentáveis são as escolhas óbvias para receber os recursos gerados por essa gestão aprimorada.

Conteúdo licenciado sob Creative Commons Attribution-NoDerivatives 4.0 International License 

Equipe eCycle

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