Por Diretoria de Comunicação da UERJ — A vendedora ambulante Dayana Coqueiro, de 39 anos, viveu grande parte de sua existência nas ruas, mas encontrou no nascimento do filho, hoje com 14 anos, a motivação para transformar a vida. Agora, ela está prestes a iniciar uma nova e desafiadora etapa: aprovada no último vestibular da Uerj (que, devido à pandemia, utilizou a nota do Enem para preencher vagas remanescentes de alguns cursos), Dayana começará em fevereiro as aulas de Letras – Português / Literaturas da Faculdade de Formação de Professores (FFP).
A sua trajetória não foi fácil. Desde nova, precisou enfrentar a dureza das ruas. Alternando entre abrigos e centros de detenção juvenil, não teve uma base estruturada que pudesse chamar de lar. Mas sempre gostou de estudar e encontrava na escrita uma fuga das dificuldades diárias, uma forma de ser ouvida – por isso, tinha o sonho de cursar uma graduação e contar sua história.
Ainda no início da vida adulta, a ambulante se envolveu com drogas e foi parar nas ruas. “Eu já não me reconhecia como gente. Não podia ir para abrigo, pois já tinha mais de 18 anos. Não tinha vínculo familiar e não era bem vista pela sociedade, então só me restava a rua”, recorda.
Dayana expõe como pessoas em situação de rua são invisíveis em nossa sociedade. “É difícil porque você depende dos outros para tudo. E quando se é uma mulher preta, é vista como carne. Era uma sucessão de agressões que meu corpo sente até hoje, você precisa se proteger de todos, a todo momento. Eu queria conversar e não me davam ouvidos, me chamavam de drogada mesmo sem eu ter usado nada”.
A partir do nascimento do filho, a vendedora decidiu mudar seu caminho. “Cheguei a perdê-lo para a Vara da Infância e fiquei desesperada. Tive um ano de decadência nas ruas, mas lutei muito para conseguir me reerguer e tê-lo de volta comigo. Consegui trabalho em um abrigo para população de rua, como monitora, e depois virei educadora social”, conta Dayana. “Aos finais de semana, vendia doces na rodoviária para complementar a renda e alugar uma casa. Assim, pude dar um novo rumo para a minha vida e recuperar meu filho. As coisas não são fáceis, mas encontro nele a força para seguir. Quero que realize seu sonho de se tornar um grande jogador de futebol, da mesma forma que estou realizando o meu”.
Sobre a aprovação no vestibular, Dayana lembra a importância do apoio que recebe de uma amiga, que a auxilia a pagar o aluguel, além de seu plano de internet. “Quando perdi meu emprego, consegui trabalhar em outros locais com telemarketing e como auxiliar de serviços gerais. Na hora do almoço, em vez de ficar conversando ou usando redes sociais, eu estudava. Não tinha tanto tempo livre, mas usava as brechas que encontrava para isso”, relembra. “Hoje, trabalho como vendedora ambulante de queijo em Copacabana e conto com a ajuda da minha amiga para conseguir suprir as despesas do mês. Eu entrei na Uerj pelo Enem. Lia bastante no meu tempo livre, baixava provas antigas e resolvia. Olhava redações que tiveram notas boas, ia atrás dos livros indicados e também contei com a sorte. Você precisa estar sempre tranquilo, calmo e focado para fazer uma boa prova”, recomenda.
A vendedora estranha a reviravolta em sua vida, depois que correu a notícia sobre a aprovação no vestibular. Ela, que por tantos anos foi invisível aos olhos da sociedade, agora é apontada como modelo positivo – uma raríssima exceção à regra das desigualdades que rege a vida dos marginalizados, nas ruas das grandes cidades do país. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), a população brasileira em situação de rua já passava de 222 mil pessoas em março de 2020 – em sua maioria, desempregados e trabalhadores informais como guardadores de carro e ambulantes.
“Agora estou podendo contar a minha história, mesmo que tardiamente, e sei que hoje sou inspiração para muita gente. Estou recebendo diversas mensagens de pessoas que fizeram o vestibular e não passaram, mas disseram que minha história as motivou a não desistir. E isso para mim é o que importa”, diz ela.
E se engana quem pensa que Dayana Coqueiro já alcançou o que queria. Os sonhos da vendedora parecem tão gigantes quanto sua força. Ela ainda quer cursar Educação Física e Serviço Social, além de se tornar uma autora. “Quero mudar a minha história com a escrita, porque sempre acreditei no poder da educação. Quero escrever sobre como é ser pessoa, quando você não é vista como pessoa. Passei minha vida toda assim e, de repente, na última semana, passei a ser vista como pessoa”, conclui.
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