Aquecimento global pode chegar a 1,5 ºC em nove anos

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Por Marcos Pivetta, em Pesquisa Fapesp | Nove anos. Este é o prazo para que a temperatura média da atmosfera do planeta se torne 1,5 grau Celsius (ºC) mais quente do que era em meados do século XIX, período considerado como base de comparação para o cálculo do valor do atual aquecimento global, que provoca crises climáticas em várias partes do mundo. A previsão tem 50% de chance de ocorrer se as emissões globais de dióxido de carbono (CO2), o principal gás de efeito estufa, mantiverem-se nos níveis de 2022, segundo estudo publicado em novembro na revista científica Earth System Science Data pelo grupo internacional de cientistas que coordena o Global Carbon Project. Criada em 2001, a iniciativa atualiza anualmente as projeções de emissão e de absorção de CO2 e também de outros gases de efeito estufa (GEE), como o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). O trabalho estima que, mantidas as tendências atuais, a temperatura do planeta vai subir 1,7 ºC em 18 anos e 2 ºC em 30 anos.

Vencida a fase mais aguda da pandemia, o cenário que volta a dominar não é significativamente diferente do mundo pré-Covid-19. Os dados não são animadores no primeiro ano em que a emergência sanitária esteve relativamente controlada e a economia mundial voltou a funcionar praticamente sem restrições. As emissões globais de 2022 atingiram 40,6 bilhões de toneladas de CO2. É quase o mesmo valor do ano em que a produção do gás foi recorde, em 2019, ainda antes da emergência do vírus Sars-CoV-2. Naquele ano, foram liberados para a atmosfera 40,9 bilhões de toneladas de dióxido de carbono.

De acordo com o estudo, as emissões de CO2 decorrentes da queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) atingiram em 2022 cerca de 36,6 bilhões de toneladas, aumento de 1% em relação ao ano anterior. O montante equivale a quase 89% de todo o dióxido de carbono liberado por atividades humanas no planeta. Os 11% restante do gás vieram de mudanças do uso do solo, sobretudo da derrubada de florestas e vegetação nativa (que, se preservadas, geralmente mais captam do que liberam CO2) para o estabelecimento de atividades da agropecuária, que tendem a produzir mais gases de efeito estufa.

“Em 2022, vimos outro aumento nas emissões globais de CO2 derivadas da queima de combustíveis fósseis quando precisávamos de um rápido declínio”, comentou, em comunicado de imprensa, o cientista do clima francês Pierre Friedlingstein, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, autor principal do artigo. “Há alguns sinais positivos, mas os líderes mundiais terão que tomar medidas significativas se quisermos ter alguma chance de limitar o aquecimento global a algo próximo de 1,5 °C.” É certo que a situação já foi pior. No início deste século, as emissões de CO2 por queima de combustíveis fósseis cresciam a uma taxa anual de 3%. Desde a década passada, elas se elevam cerca de 0,5% ao ano. É um avanço, mas insuficiente para frear o aumento crescente da temperatura média do planeta.

Firmado em dezembro de 2015 no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) por 195 países, inclusive o Brasil, o Acordo do Clima de Paris tem como principal meta limitar o aquecimento global nos próximos anos a menos de 2 ºC em relação aos níveis da sociedade pré-industrial. O ideal seria que a elevação da temperatura não ultrapassasse 1,5 ºC, nível considerado elevado, mas com potenciais impactos socioeconômicos considerados ainda administráveis.

A julgar pelo ritmo atual das emissões, esse objetivo é virtualmente impossível de ser alcançado. A temperatura da Terra já se encontra hoje cerca de 1,2 ºC mais quente do que em meados do século XIX. A concentração de CO2 atualmente na atmosfera é de 417 partes por milhão (ppm), cerca de 50% a mais do que nos anos 1850. Aliás, o Observatório de Mauna Loa, no Havaí, que é a fonte de referência para o registro da concentração desse gás desde a década de 1960, interrompeu temporariamente suas atividades no fim de novembro em razão de uma erupção vulcânica (ver quadro abaixo).

Foto de Alexandre Affonso

O estudo mais recente do Global Carbon Project, que reúne cerca de 100 cientistas, lista os países que mais liberam dióxido de carbono na atmosfera. Sozinha, a China responde atualmente por 31% das emissões por queima de combustíveis fósseis, pouco mais do que o dobro dos Estados Unidos, o segundo colocado. A Índia, cujas emissões devem ter crescido 6% em 2022, passou a União Europeia e é o terceiro país que mais despeja CO2 no ar. É responsável por quase 8% do total do gás advindo do uso de combustíveis fósseis. Historicamente, quando se calcula a quantidade acumulada de dióxido de carbono liberada para a atmosfera, os Estados Unidos e a União Europeia lideram o ranking com folga em relação às grandes economias atuais da Ásia.

A colocação exata do Brasil entre os países emissores de CO2 não é especificada no estudo. Usualmente, o país é listado entre os cinco ou 10 maiores produtores de dióxido de carbono liberado na atmosfera do planeta. No entanto, o artigo destaca que o país, a Indonésia e a República Democrática do Congo responderam em 2022 por 58% da liberação desse gás de efeito estufa em razão de mudanças no uso do solo. Essas três nações abrigam, respectivamente, grandes áreas de florestas tropicais na América do Sul, Ásia e África, cuja vegetação é alvo de processos de desmatamento.

“O perfil das emissões de gases de efeito estufa no Brasil é diferente do dos países mais ricos, onde quase 90% da liberação vem da queima de combustíveis fósseis”, comenta a geógrafa Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma organização não governamental (ONG) dedicada à pesquisa do desenvolvimento sustentável nesse bioma.

De acordo com dados divulgados em novembro passado pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), uma iniciativa do Observatório do Clima, cerca de metade das emissões brasileiras desse tipo de gás decorre do desmatamento da vegetação nacional (alterações no emprego da terra) e um quarto das atividades agrícolas. “Aqui o peso das emissões decorrentes das mudanças de uso do solo é muito maior”, diz Alencar, que coordena esse setor dentro do Seeg. O restante vem das atividades industriais, da produção de energia e da gestão de resíduos.

O Observatório do Clima é uma ONG que reúne universidades, empresas de tecnologia e entidades da sociedade civil brasileira (como o Ipam). Desde 2013, a entidade mantém o Seeg, que funciona como um complemento dos dados oficiais do país sobre as emissões de gases de efeito estufa. Diferentemente do levantamento internacional do Global Carbon Project, que era específico sobre CO2, o relatório do Seeg engloba esse e os demais gases que promovem o aquecimento da atmosfera. Em 2021, as emissões totais de gases de efeito estufa no Brasil, considerando todas as fontes, chegaram a 2,4 bilhões de toneladas, aumento de 12% em relação a 2020, segundo o Seeg. Se forem descontadas as absorções de GEE realizadas em solo nacional – basicamente por meio do processo de fotossíntese das plantas, que consomem CO2 atmosférico –, o balanço de carbono a favor da liberação desses gases na atmosfera cai para 1,8 bilhão de toneladas.

A sexta edição da estimativa anual de emissões de GEE, divulgada em junho de 2022 pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações (MCTI), aponta um número semelhante: uma emissão líquida (já descontadas as absorções) equivalente a 1,7 bilhão de toneladas de CO2 em 2020. “A metodologia do Seeg tem por referência o inventário anual de emissões de GEE e apresenta resultados parecidos com os nossos”, diz Márcio Rojas, coordenador-geral de Ciência do Clima e Sustentabilidade do MCTI.

Para o climatologista Marcos Heil Costa, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), de Minas Gerais, que estuda as interações do clima com a agricultura, o perfil de emissões do Brasil, com um peso maior da produção de CO2 associada aos processos de mudança de uso do solo, pode representar uma vantagem na hora de fazer a lição de casa. “Demonstramos que em apenas sete anos, entre 2005 e 2012, quando houve queda considerável do desmatamento na Amazônia, conseguimos reduzir em 85% as emissões associadas ao desflorestamento”, comenta Costa, um dos autores brasileiros do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). “Podemos conseguir resultados semelhantes ou ainda maiores até o final desta década.” Por outro lado, diz o climatologista, os países que têm suas emissões dominadas pela queima de combustíveis fósseis precisariam trocar sua matriz energética para obter processos significativos. Esse é um processo que pode demorar décadas.

Erupção interrompe registro de CO2

Lava do vulcão Mauna Loa, no Havaí, corta energia e acesso por estrada a observatório de referência. Considerado o maior vulcão ativo da Terra, o Mauna Loa, que fica na grande ilha do arquipélago do Havaí, no Pacífico Norte, estava quieto há 38 anos. Em 27 de novembro passado, a cratera situada em seu topo, a cerca de 4.200 metros de altitude em relação ao nível do mar, começou a expelir lava. Desde setembro, o monte dava sinais de que iria entrar em ação. O Mauna Loa é um dos vulcões mais estudados pela comunidade científica e a explosão, embora forte, não pegou ninguém totalmente desprevenido nem provocou vítimas humanas. Mas uma fatalidade foi registrada em 29 de novembro: a estrada que dá acesso ao Observatório de Mauna Loa foi bloqueada pela lava e a eletricidade do local cortada.

Observatório da Noaa na ilha havaiana. Carly Menker / NOAA

Desde 1958, o observatório, mantido atualmente pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (Noaa), dos Estados Unidos, é o responsável por registrar diariamente a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera terrestre, usada como medida de referência para estudos climáticos. Essa taxa também é denominada Curva de Keeling, em alusão ao geoquímico norte-americano Charles Keeling (1928-2005), que documentou, pela primeira vez, o aumento crescente dos níveis atmosféricos de CO2 com o emprego de registros coletados na ilha do Pacífico Norte.

Vulcão Mauna Loa, no Havaí, em atividade em novembro de 2022. Andrew Richard Hara / Getty Images

Devido à sua remota localização, o ar de Mauna Loa é bastante puro, sujeito a uma influência mínima de atividades humanas e de emissões provocadas pela vegetação. Isso torna o lugar ideal para monitorar continuamente os constituintes da atmosfera. Esse tipo de medida também é tomada em outros pontos da Terra, como no polo Sul, mas os dados do Havaí são, em geral, o parâmetro internacionalmente usado. Até 19 de dezembro, os registros não haviam sido retomados, embora os vulcanólogos tenham evidências de que a atividade vulcânica parece ter se encerrado em 13 de dezembro.


Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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