Qual é a função da arte? Educar, informar e entreter? Essa é talvez a mais polêmica questão que envolve o tema – e não há respostas fechadas. A arte pode ser entendida como a atividade humana ligada às manifestações artísticas, seja de ordem estética ou comunicativa, realizadas por diversas formas de linguagens.
Talvez a pergunta mais pertinente seja: qual o potencial da arte? Umas das respostas possíveis se dá na relação entre arte e meio ambiente, em que a arte exerce o papel de questionar ações e exigir mudanças de comportamento.
A arte impulsiona os processos de percepção, sensibilidade, cognição, expressão e criação. Tem o poder de sensibilizar e proporcionar uma experiência estética, transmitindo emoções ou ideais. A arte surge da necessidade de observar o meio que nos cerca, reconhecendo suas formas, luzes e cores, harmonia e desequilíbrio.
Ela pode propagar e questionar estilos de vida, preparar uma nova consciência por meio da sensibilização, alertando e gerando reflexões. As manifestações artísticas são representações ou contestações oriundas das diversas culturas, a partir do que as sociedades, em cada época, vivem e pensam.
Nesse contexto, podemos inserir a importância da arte como mais uma ferramenta do ativismo ambiental. Ao confrontar o público com informações desagradáveis, muitas vezes difíceis de serem digeridas (como as mudanças climáticas), convergidas em uma experiência estética, a sensibilização ultrapassa a barreira do racional e realmente toca as pessoas. Além disso, é mais fácil ignorar estatísticas do que ignorar imagens e sensações. Quando a arte representa a relação perturbada da sociedade com a natureza, fica explícita a urgência de ação.
As mudanças ambientais já são há muito tempo objetos da arte. Por trás do verde idílico que os impressionistas pintavam, havia a fumaça negra das chaminés das fábricas. Uma das marcas da obra de Monet era o estudo da luz difusa, nessa busca se deparou com o Smog de Londres. Isso originou obras que mostram a fumaça de carvão cuspida pelas chaminés e trens na cidade.
Em um contexto contemporâneo, o movimento que junta arte e meio ambiente, a chamada arte ambiental, surgiu a partir da turbulência política e social dos anos 60 e início dos anos 70. Artistas foram inspirados pela nova compreensão das questões ambientais, a grande urbanização e a ameaçadora perda de contato do homem com a natureza, bem como pelo desejo de trabalhar ao ar livre em espaços não tradicionais.
A arte ambiental se insere na arte contemporânea não como um movimento fechado, mas como um modo de fazer, uma tendência que perpassa diversas criações artísticas. A dialética entre o hedonismo e a sustentabilidade cada vez mais tem sido abordada, e é uma contraproposta às ordens sociais vigentes. Criticar publicamente o consumismo, o curto ciclo de vida dos produtos e a exploração de recursos é fazer ativismo ambiental, por mais que muitas vezes não esteja explícito no trabalho.
Reverenciar a beleza da natureza, mesmo que pareça sem maiores preocupações ideológicas, também é um processo que reforça a necessidade de ações de preservação do meio ambiente.
Diversos artistas têm a preocupação de expor ao público uma arte voltada para as questões ambientais. A prática artística dá visibilidade a temas que muitas vezes são abordados pela mídia por uma perspectiva distanciada. Com um enfoque distinto, temáticas como as mudanças climáticas ou exploração animal, que sequer ganha destaque na mídia tradicional, têm um potencial transformador de fazer refletir sobre questões ambientais.
O campo da arte ambiental é tão vasto como o mundo natural que o inspira. A arte é uma lente através da qual é possível explorar todos os aspectos da sociedade – desde a produção urbana de alimentos, a política climática, gestão de bacias hidrográficas, infraestrutura de transporte e design de roupas – a partir de uma perspectiva ecológica.
“Arte ambiental” é um termo genérico que se refere a uma ampla gama de trabalho que ajuda a melhorar a nossa relação com o mundo natural. Seja informando sobre as forças ambientais, ou demonstrando problemas ambientais, e até com uma participação mais ativa, reaproveitando materiais e restaurando a vegetação local.
Muitas práticas artísticas, como a land art, eco-arte, e arte na natureza, bem como os desenvolvimentos relacionados em prática social, ecologia acústica, slow food, slow fashion, eco-design, bio-art e outros podem ser considerados como parte desta mudança cultural maior.
O terreno natural é objeto e se integra à obra nesse tipo de arte. Conhecida como land art, Earth art ou Earthwork, esses trabalhos são grandes arquiteturas ambientais, transformam a natureza e são por ela transformados. O espaço físico dessas obras são desertos, lagos, planícies e cânions, e os elementos da natureza, como vento ou relâmpagos, podem ser trabalhados para integrarem a obra.
A land art se relaciona com o ambiente de forma harmônica e com um respeito imenso à própria natureza. O conceito se estabeleceu numa exposição organizada na Dwan Gallery, em Nova Iorque, em 1968, e na exposição Earth Art, promovida pela Universidade de Cornell, em 1969.
Esse conceito de arte contemporânea ao ar livre atrai muitos artistas, pela possibilidade de se deslocar do campo das galerias. Por suas características, essas obras não podem ser expostas nesses ambientes, a não ser por meio de fotografias. Essas obras têm caráter efêmero, pois a ação dos eventos naturais consome e destrói os trabalhos. Uma forte influência para esse estilo são os geoglifos (grandes figuras feitas no chão em morros ou regiões planas), como as linhas de Nazca e os crop circles.
Os principais artistas dessa tendência são Jeanne-Claude e seu esposo Christo Javacheff, Walter de Maria e James Turrell.
Semelhante à land art, a art in nature tem caráter ainda mais efêmero. Considerada uma vertente da land art, essa produção artística também tem seu local deslocado para a natureza. Esse tipo de obra é construída com materiais orgânicos encontrados no ambiente rearranjados em formatos geométricos. Essas belíssimas esculturas normalmente são feitas com folhas, flores, galhos, areia, pedras etc. O foco é geralmente na criação de objetos ou mudanças sutis na paisagem, que destacam características geográficas, ou explorar as formas naturais dos próprios materiais.
A documentação apresenta papel central nesse tipo de trabalho. Assim como a land art, esse tipo de obra só pode ser exposto fora do ambiente natural por meio de fotografias. Esta forma de arte pode celebrar a beleza da natureza. Os artistas que criam obras nesse estilo normalmente têm uma forte reverência pela preservação da natureza e um desejo de criar um impacto mínimo sobre o solo na produção de seu trabalho.
Alguns artistas ainda alegam que devolvem os objetos ao local que encontraram após a documentação. O britânico Andy Golsworthy tem diversos trabalhos nesse campo.
A arte ecológica leva em consideração que toda atividade humana afeta o mundo em torno dela. Por esse motivo, ela analisa o impacto ecológico da construção, exposição e efeitos a longo prazo da obra. As questões ambientais são mais aparentes no discurso desse tipo de arte – ela envolve toda uma metodologia eco-friendly.
Muitos projetos envolvem uma restauração local, ou emergem diretamente de uma função de serviço a ecossistemas ou comunidades. Essa prática artística busca estimular carinho e respeito pela natureza, propiciando diálogos e incentivando mudanças estruturais a longo prazo. Muitas vezes os projetos envolvem ciência, arquitetos, educadores, etc.
Um artista que segue essa perspectiva é o brasileiro Vik Muniz, que cria diversas obras utilizando lixo. O documentário “Lixo Extraordinário” mostra o trabalho do artista e apresenta seu processo criativo e sua relação com uma comunidade próxima de um aterro sanitário do Rio de Janeiro.
Outro artista muito importante no cenário brasileiro é Frans Krajcberg. Uma marca de sua obra são esculturas com árvores calcinadas, que são recolhidas de locais que sofreram com queimadas e desmatamento. A obra denuncia a violência do homem com a natureza e tem forte caráter ativista.
A noção de adotar uma postura semelhante ao ativismo nas artes teve como um de seus principais defensores o artista Joseph Beuyes. Ele incorporou essa conduta como parte essencial de sua produção. Beuys já abordava questões ecológicas em suas esculturas, performances, entre outros suportes artísticos, de maneira revolucionária.
Foi um dos fundadores do Green Party na Alemanha e protagonizou, em 1982, uma ação impactante no cenário: realizou o plantio de 700 mudas de carvalho marcadas por colunas de basalto, em frente à sede da Documenta, exposição de arte contemporânea periódica que ocorre na cidade de Kassel, na Alemanha.
As preocupações mundiais com temas como o desmatamento, aumento de epidemias, poluição, aquecimento global, esgotamento de espécies, novas tecnologias genéticas, novas e velhas doenças, são reflexos de um novo mundo. Junto com tudo isso surge a demanda de atribuir à arte a função de destacar as questões da natureza.
O movimento cultural global em função de uma vida voltada para consumo consciente expandiu o papel da arte e dos artistas em nossa sociedade. Independente de uma classificação fechada, percebe-se nos museus e galerias do mundo todo que a questão ecológica e as mudanças climáticas estão determinando muitas atividades artísticas.
Ao artista é creditada a função de ativista, para expor a demanda pela urgência de mudanças que a sociedade precisa. A arte ambiental é uma arte engajada. Ela busca a construção de novos valores e jeitos de se viver.
Um exemplo de como o ativismo através da arte pode ser significativo é o trabalho da artista Aviva Rahmani. Em 2002, ela conseguiu chamar atenção para um estuário degradado em Vinalhaven Island, no Maine, com o projeto Blue Rocks. Com a repercussão, o departamento de agricultura dos Estados Unidos (USDA) decidiu investir 500 mil dólares para restaurar a região.
As mudanças cultural e social devem emergir de mãos dadas. Para curar nossa relação com a terra, e construir formas de conscientização, qualquer paixão e criatividade que pudermos reunir é bem-vinda. Todos têm um papel a desempenhar nessa mudança: artistas, empresas e cada um de nós.
Cada expressão com esse discurso é um passo, cada obra é uma inspiração potencial para trabalhos futuros. As obras de arte propiciam a abertura de um diálogo, provocam ideias e são capazes de mudar o pensamento das pessoas ao longo do tempo.
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