Artigo de opinião alerta sobre riscos de novas hidrelétricas na Amazônia

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Todos os anos, o Ministério de Minas e Energia do Brasil publica um “Plano Decenal de Expansão de Energia”, que inclui as grandes usinas hidrelétricas (definidas, desde 2004, como as que têm pelo menos 30 MW de capacidade instalada) a serem concluídas em um prazo de dez anos.

 

O número de usinas hidrelétricas previstas na Amazônia tem diminuído constantemente nos últimos planos, o que, segundo tais documentos, deve-se à “incerteza” sobre as atuais políticas de licenciamento, que restringem impactos sobre o meio ambiente e os povos indígenas. O plano mais recente, para o período 2020-2029, inclui apenas três usinas: Tabajara (Rondônia), Bem Querer (Roraima) e Castanheiras (Mato Grosso). Há uma lista mais longa de usinas a serem concluídas após 2029, mas ela também não inclui as mais polêmicas.

No entanto, um parágrafo aterrador do plano (página 264) deixa claro que poderiam ser construídas usinas sem mencionar os nomes, a depender do “tratamento” dado a Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Em outras palavras, podem ser construídas usinas cada vez mais prejudiciais se a legislação for alterada, como proposto em projetos de lei que tramitam em comissões no Congresso Nacional.

 

Não se trata de uma possibilidade remota, já que a legislação ambiental brasileira vem sendo desmantelada desde meados dos anos 2000 e esse processo foi o intensamente acelerado desde a posse do atual presidente, Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019. Vários projetos de lei propõem eliminar, na prática, o licenciamento ambiental. E existe ainda uma proposta, apresentada por Bolsonaro, que abriria terras indígenas à exploração de terceiros. O aproveitamento hidrelétrico é um dos usos especificamente mencionados e pode prescindir do consentimento dos grupos indígenas impactados.

Além dos planos decenais, o Brasil também tem “Planos Nacionais de Energia” periódicos. O mais recente, que completou seu período de consulta pública em 13 de outubro, vai até 2050. Esse plano também omite as usinas mais polêmicas, como a de Babaquara (rebatizada de “Altamira”), no rio Xingu, a montante de Belo Monte. No entanto, a lista de hidrelétricas potenciais do relatório inclui a Usina de Chacorão, no rio Tapajós, que inundaria parte da TI Munduruku, além de outras situadas no Tapajós e seu afluente, o rio Jamanxim, que inundariam parte da Sawré Mubyu, uma área Munduruku cujo status oficial de “terra indígena” foi bloqueado justamente para dar lugar a essas usinas hidrelétricas.

Omissões no Plano Nacional de Energia 2050

O mapa das linhas de transmissão planejadas omite a linha de Manaus à Boa Vista, capital de Roraima (página 191), que está incluída no plano decenal para 2029 (página 105). Essa linha passaria pela TI Waimiri-Atroari e requer consulta. Ainda assim, a usina Bem Querer, em Roraima, avança rapidamente. Ela usaria a linha para transmitir a Manaus a maior parte da energia gerada, e o plano decenal 2020-2029 (página 57) prevê sua conclusão para 2028.

 

Os projetos de usinas hidrelétricas podem surgir do nada, como no caso da Barão do Rio Branco, anunciada logo após a posse de Bolsonaro. Esse projeto prevê a construção de uma usina de 2.000 MW no rio Trombetas, além de uma estrada ligando o rio Amazonas à fronteira com o Suriname, em uma rota que é quase inteiramente composta por Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas.

Peru, Bolívia e Equador também têm grandes planos para usinas na Amazônia. O acordo de 2010 entre Brasil e Peru especificou seis grandes usinas na parte amazônica daquele país, a serem construídas por empreiteiras brasileiras com financiamento do BNDES, principalmente para exportar eletricidade ao Brasil. Desde 2010, o escândalo da “Lava Jato” atingiu a principal empreiteira que construiria as barragens (Odebrecht), bem como várias figuras políticas no Brasil e nos outros países amazônicos. Além disso, a economia brasileira não está indo bem e o BNDES tem menos dinheiro do que antes para investir. No entanto, muitas dessas usinas estão previstas no Plano Nacional de Expansão de Energia 2050 como possíveis fontes de eletricidade nas próximas décadas, conforme a tabela abaixo, extraída do documento:

As usinas que o Brasil planeja construir no Peru e na Bolívia teriam muitos impactos sobre o meio ambiente e as populações ribeirinhas desses países. Ironicamente, também teriam impactos no próprio Brasil. Um estudo de Bruce Forsberg e colaboradores mostrou que a retenção de sedimentos pelas usinas seria suficiente para reduzir em muito o transporte desse valioso material para a parte brasileira da bacia. Os nutrientes contidos nesses sedimentos ou associados a eles são a base da cadeia alimentar dos peixes. Como resultado, a produção pesqueira seria reduzida em toda a extensão do rio Amazonas.

 

O fato de que o Brasil estaria “dando um tiro no próprio pé” ao construir essas barragens não significa que elas não venham a ser construídas. Afinal, o país represou o rio Madeira com as hidrelétricas de Santo Antônio, em 2011, e Jirau, em 2013, sacrificando grande parte do que fora a segunda maior pescaria fluvial do mundo, atrás apenas do rio Mekong, na Ásia (que também está ameaçado por hidrelétricas). Devido ao bloqueio das migrações de peixes pelas duas barragens do Madeira, a captura despencou, não apenas no Brasil, mas também na Bolívia e no Peru.

Na Bolívia, o mesmo tipo de mecanismo se aplica a pelo menos outras duas usinas planejadas. O Brasil também cogitou a construção de uma usina na Guiana, que poderia ser conectada à planejada linha de transmissão Boa Vista-Manaus. Todas essas usinas teriam grandes impactos ambientais e humanos, e os outros países amazônicos geralmente têm proteções legais ainda mais frágeis do que a brasileira. Esse fato parece ser um dos motivos da construção de barragens no exterior, como o secretário de Planejamento do Ministério de Minas e Energia do Brasil praticamente confessou em 2012, ao admitir que as hidrelétricas em outros países tinham prioridade porque seriam mais rápidas de aprovar e construir.

Em comparação com os anteriores, uma melhoria nos atuais planos é que eles preveem um aumento substancial da utilização de energia eólica. Enquanto os planos para essa energia ainda se concentram na geração terrestre, o plano para 2050 inclui cálculos sobre o enorme potencial para a geração na plataforma continental ao longo da costa brasileira. O plano admite que “[a] capacidade instalada total esperada de eólica em 2050 pode ser ainda maior do que 200 GW … desde que não seja permitida a expansão de [usinas hidrelétricas] com interferência em áreas protegidas.” (página 101). Em outras palavras, o Brasil poderia atender toda a sua demanda de eletricidade aproveitando esse recurso eólico sem precisar autorizar a construção de hidrelétricas em Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

 

O Plano Nacional de Energia 2050 mostra que, nesse prazo, o Brasil poderia instalar 89 GW de energia solar fotovoltaica “centralizada” (ou seja, sem contar os painéis “distribuídos” em telhados de casas) e que isso ajudaria a compensar a energia que seria perdida se não fossem eliminadas as restrições em terras indígenas e áreas protegidas (páginas 111-112). Se essas restrições forem relaxadas, será instalada a energia solar fotovoltaica menos centralizada (42 GW). Essas cifras referentes à energia solar pressupõem que a energia eólica seja instalada em grande escala. Se alguma restrição impedir isso, a energia solar fotovoltaica centralizada pode ser expandida a mais de 100 GW (página 112).

Para efeito de comparação, o potencial total de capacidade instalada de energia hidrelétrica não explorada do Brasil é de apenas 52 GW, dos quais apenas 12 GW (23%) não interferem em terras indígenas e outras áreas protegidas (página 79). A inclusão repetida de cenários com inundações em terras indígenas e unidades de conservação no plano para 2050 certamente reflete a expectativa das autoridades brasileiras do setor de eletricidade de que a proteção dessas áreas contra inundações causadas por barragens será de fato eliminada.

O plano para 2050 pressupõe que a energia hidrelétrica seja a opção mais barata e, portanto, a mais desejável, seguida pela eólica e, depois, pela solar. No entanto, as usinas não representam, de forma alguma, energia barata, como mostrado por uma pesquisa mundial sobre centenas delas, que concluiu que a maioria não é economicamente vantajosa porque elas quase sempre custam muito mais do que a estimativa original e costumam levar mais tempo do que o esperado para começar a gerar eletricidade. A Usina de Belo Monte, no Brasil, é um bom exemplo: custou mais do que o dobro da expectativa original e a conclusão demorou mais do que o planejado. Além disso, o alto custo financeiro das usinas hidrelétricas perde importância diante dos seus impactos humanos e ambientais, que são muito maiores do que os das energias eólica e solar.

 

Os planos poderiam ser mais ambiciosos na área de conservação de energia. O Plano Decenal 2020-2029 calcula que 4,8% do uso de eletricidade projetado para o Brasil em 2029 poderia ser evitado por meio de medidas de conservação (página 220). O Plano Nacional de Energia 2050 faz muitos apelos à eficiência energética, mas não apresenta nenhum cálculo de quanto uso de eletricidade poderia ser evitado. Desde o Plano Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC) de 2008, o objetivo do governo é acabar com o uso dos chuveiros elétricos que, segundo o PNMC, consomem 5% de toda a energia elétrica do país (página 58), mas basicamente nada tem foi feito. Nenhum desses planos faz menção a interromper a exportação de eletricidade na forma de alumínio e outros produtos de alto consumo de energia (7% do consumo do país).

Philip Fearnside é um biólogo americano radicado no Brasil, onde fez carreira e ganhou ampla notoriedade nacional e internacional. Esta postagem é um comentário que expressa opiniões do autor, e não necessariamente da eCycle.

Equipe eCycle

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