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Mathias Pires, da Unicamp, é um dos pesquisadores brasileiros que participam do estudo liderado pela Universidade do Arizona

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Mais de 90% das espécies estudadas na Amazônia, muitas ameaçadas de extinção, tiveram sua área de distribuição impactada pelo fogo desde 2001, sendo que os incêndios têm ocorrido cada vez mais na sua região central, que possui a floresta mais bem preservada e maior número de espécies endêmicas. Estes são os principais resultados de um estudo publicado pela revista Nature neste 1º de setembro e que é liderado pela Universidade do Arizona. O professor Mathias Mistretta Pires, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, participa da pesquisa com mais dois brasileiros, Paulo M. Franco (IPAM) e Danilo M Neves (UFMG).

Segundo os autores, as análises confirmam que os incêndios estão relacionados com a intensidade dos períodos de seca, mas também indicam que a área impactada depende da política de monitoramento, fiscalização e combate ao desmatamento e incêndios. “Nosso artigo identifica padrões que estão associados a diferentes fases de relaxamento da fiscalização de desmatamento e combate a incêndios”, diz Mathias Pires. “Não tratamos diretamente do contexto político, mas as próprias declarações dos membros deste governo deixaram claro que o combate ao desmatamento, garimpo, fiscalização e aplicação de multas não seriam prioridades. Outros estudos apontam que o número de operações de fiscalização e de multas ambientais aplicadas e pagas reduziu drasticamente desde 2018.”

Utilizando imagens de satélites, os pesquisadores estimaram a área florestal atingida pelo fogo, e calcularam quanto dessa área se sobrepõe às áreas de ocorrência de mais de 11 mil espécies de plantas e 3 mil espécies de animais. O estudo aponta que centenas de espécies ameaçadas já tiveram entre 5% e 10% de suas áreas impactadas nessas duas décadas, mas que para algumas delas os valores chegam a mais de 60%. “Ano após ano, novas áreas de floresta são atingidas pelo fogo, impactando áreas maiores e espécies cuja distribuição não havia sido impactada em anos anteriores”, afirmam os pesquisadores.

Ainda conforme o artigo na Nature, até 2008, período em que se iniciam medidas mais concretas de fiscalização, a área anual atingida pelo fogo era muito maior do que o esperado pela intensidade das secas anuais. “Entre 2008 e 2018 o endurecimento da fiscalização reduziu os incêndios, mesmo em anos mais secos. Já em 2019, quando decisões políticas relaxaram a fiscalização, viu-se um aumento na área impactada pelo fogo, que foi maior do que seria esperado pelo efeito da seca no período”, atestam os autores. 

Eles seguem explicando que na região amazônica predominam florestas úmidas, com espécies que não possuem adaptações que permitam sobreviver a incêndios frequentes. “Os incêndios vão degradando a qualidade do habitat e reduzindo a área de ocorrência das espécies e suas populações. Somente com medidas efetivas de fiscalização e combate ao desmatamento e incêndios será possível conter a deterioração desse ecossistema, especialmente considerando que as projeções de mudanças do clima preveem a intensificação das secas na Amazônia.”

Fogo pelas beiradas

Segundo Mathias Pires, a Amazônia tem uma capacidade de regeneração devido à sua dimensão, havendo muitas áreas que podem funcionar como refúgios para espécies animais e que podem oferecer sementes para regenerar áreas degradadas.”No entanto, o que vemos é que a floresta vai sendo consumida pelas beiradas. É muito comum ouvir o argumento de que ainda restam 80% floresta amazônica e que isso é bastante. Acontece que a ocupação e exploração em larga escala da região começou somente na década de 1970, ou seja: em pouco mais de 540 anos, o que não é nada do ponto de vista biológico, conseguimos perder 20% de uma área gigantesca de floresta. Segundo o Mapbiomas [iniciativa que monitora o uso da terra], a perda foi de mais de 40 milhões de hectares entre 1985 e 2020, o que é praticamente o tamanho da Alemanha.”

Pires reitera que as projeções de mudanças climáticas indicam que a região vai ser particularmente impactada por um aumento da frequência e intensidade das secas. “Isso, por si só, já é uma má noticia. A biota da Amazônia é adaptada ao clima úmido e as secas causam aumento na mortalidade das árvores maiores, o que vai desestruturando a floresta. A pressão internacional é um ponto importante. Há várias sinalizações de que os compradores e investidores estão insatisfeitos e pressionam por um comprometimento maior com a política ambiental. Porém, hoje temos um cenário muito favorável à impunidade, o que estimula desmatamento, garimpo e grilagem, também em outros biomas.”


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