ARTIGO: Tempos incertos, tempos de escolha

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Por Katyna Argueta em Nações Unidas Brasil | O documento detalha a mais grave crise sistêmica da era global, impulsionada pelos impactos da pandemia de COVID-19, como a redução no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede a situação de saúde, educação e condições de vida das pessoas em seus países. Pela primeira vez nos mais de 30 anos desde que foi publicado, o IDH diminuiu globalmente por dois anos consecutivos.

Neste contexto, Argueta defende que a saída para a crise está em boa liderança, ação coletiva e confiança, mas principalmente no desenvolvimento humano não apenas como um objetivo, mas como o caminho a seguir em tempos incertos. “O herói e o vilão na história atual de incertezas são um só: a escolha humana”, argumenta. 

Legenda: Mulheres faz biscoitos usando barro e água, no Haiti. Foto: ABr/ Marcello Casal Jr.

Por Katyna Argueta*

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançou recentemente o 31º Relatório de Desenvolvimento Humano 2021/2022, intitulado “Tempos incertos, vidas instáveis: moldando nosso futuro num mundo em transformação”. Esse lançamento marca o terceiro relatório de uma trilogia de relatórios iniciada em 2019, cuja responsabilidade consiste em fundamentar as bases para que as agendas de desenvolvimento humano e sustentável continuem a fazer a diferença no século 21.

O relatório apresentou um cenário mundial de desassossego sem precedentes. Perto de 1,2 bilhão de pessoas vivem em áreas afetadas por conflitos – e esses números devem aumentar à medida que as tensões climáticas crescerem (PNUD Relatório Especial sobre Segurança Humana, 2022); as turbulências econômica e social, reforçadas pelos múltiplos efeitos da guerra na Ucrânia em curso, ampliam a crise; e os aumentos nos preços dos alimentos e combustíveis empobreceram 71 milhões de pessoas nos primeiros três meses desde o início do conflito.

Entre 2020 e 2021 registrou-se a mais grave crise sistêmica da era global. A crise da pandemia de COVID-19, além de ceifar milhões de vidas humanas, derrubou o nível geral do bem-estar das pessoas, limitando suas oportunidades e atingindo o coração do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede a situação de saúde, educação e condições de vida das pessoas em seus países. Pela primeira vez nos mais de 30 anos desde que foi publicado, o IDH diminuiu globalmente por dois anos consecutivos e, em 2021, 90% dos países retrocederam, fazendo a média global voltar, num flashback, aos patamares de 2016.

O golpe foi generalizado, mas seus efeitos foram assimétricos. Países e regiões com maiores desafios estruturais tiveram maiores impactos. No caso do Brasil, como em quase todos os países, entre as três dimensões do IDH, a que apresentou um recuo mais significativo foi a dimensão da longevidade, com a expectativa de vida ao nascer de homens e mulheres em 2021 recuando por dois anos consecutivos, para 72,8 anos – colocando o país em patamares registrados em 2009.

Esperemos que os declínios no IDH do Brasil sejam temporários e o reflexo de um momento no tempo de uma situação que ainda está evoluindo. Os impactos e a sobreposição de crises globais no país ainda estão se desdobrando.

Modo de vida – O relatório também mostra que a crise sistêmica motivada pela COVID-19 alterou para sempre o modo de vida das pessoas. Em todas as partes do planeta, a pandemia, a polarização política e social, a crise alimentar e a emergência climática se instalaram e expuseram a vida humana a cadeias de instabilidade que se retroalimentam. Muitos desses desafios perfilam- se como manifestações preocupantes de um novo e emergente complexo de incertezas. Uma crescente sensação de insegurança se instalou e a capacidade de tomar decisões foi corroída.

Neste contexto de crises interligadas e incertezas, o relatório explicita abordagens e instituições necessárias para navegar por elas, propondo opções de políticas e ações urgentes de curto prazo, focadas na recuperação das crises; e orientando a necessária transformação sistêmica, de longo prazo, ancorada no conceito-chave de sustentabilidade. De forma direta, o relatório deixa pouco espaço para o futuro, a menos que o mundo mude de rumo e acerte o compasso em temas comuns à governança global.

União – A comunidade global precisa investir e proteger os mais vulneráveis; construir resiliência contra as adversidades, principalmente as crises sociais e climáticas; e promover a pesquisa científica e social na busca por soluções tecnológicas para os problemas globais. É necessário conectar investimento, proteção e inovação, adotando quatro princípios motivadores: flexibilidade, solidariedade, criatividade e inclusão. Esses princípios – que se podem reforçar mutuamente – contribuirão para alinhar as políticas e instituições aos fins a que se destinam.

Os desafios presentes no Antropoceno e as transformações sociais e tecnológicas são enormes, globais e assustadores, especialmente para os países e as comunidades que lutam contra as mais dramáticas e injustas privações. A insegurança e a polarização pioram o cenário. No meio de tanta incerteza, nenhuma quantidade de magia tecnológica substitui uma boa liderança, ação coletiva e confiança.

O relatório “Tempos incertos, vidas instáveis: moldando nosso futuro num mundo em transformação” posiciona firmemente o desenvolvimento humano não apenas como um objetivo, mas como o caminho a seguir em tempos incertos, lembrando que as pessoas – em toda sua complexidade, sua diversidade e sua criatividade – são a verdadeira riqueza das nações.

Estamos a viver tempos incertos. O herói e o vilão na história atual de incertezas são um só: a escolha humana. 

*Katyna Argueta é representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil.

Este texto foi originalmente publicado por Nações Unidas Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Equipe eCycle

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