O grande colapso de nutrientes está cada vez mais próximo e quase ninguém está prestando atenção. A atmosfera está literalmente mudando nossa comida – e para pior. Irakli Loladze, biólogo e matemático de formação, foi o primeiro a alertar para os possíveis impactos que o aumento da concentração de CO2 na atmosfera poderia causar na alimentação humana.
Em 1998, enquanto estava em um laboratório de biologia pesquisando para o seu PhD na Arizona State University, Loladze teve contato com um experimento com zooplânctons que comem algas. Os cientistas envolvidos jogaram mais luz para ver se as algas cresciam mais rápido. Isso funcionou, mas os zooplânctons começaram a ter problemas para sobreviver, apesar de terem mais comida.
Depois de analisadas, eles chegaram à conclusão de que, ao lançarem luz para as algas crescerem mais rápido, elas acabavam contendo uma menor quantidade dos nutrientes necessários ao zooplâncton. O que os cientistas fizeram, basicamente, foi transformar as algas em junk food, fazendo com que os zooplânctons passassem fome.
Loladze usou seu treinamento em matemática para ajudar a mensurar e explicar a dinâmica do zooplâncton com as algas. Ele e seus colegas desenvolveram um modelo que captura a relação entre uma fonte de alimentos e um grupo de animais que depende deles. O estudo foi publicado em 2000 e, então, Loladze voltou o olhar para uma questão mais ampla levantada pelo experimento: até onde esse problema poderia se estender?
Ele começou a pensar na nutrição humana. Será que esse problema poderia afetar a grama e as vacas? E o arroz e os humanos?
No mundo real, o problema não é que as plantas de repente recebem mais luz, mas que, por anos, elas têm recebido mais dióxido de carbono. Como as plantas precisam de luz e CO2 para crescer, se uma maior exposição à luz resultou em algas que cresceram mais rápido, porém com menos nutrientes e com a proporção entre açúcar e nutrientes desequilibrada, parecia lógico assumir que potencializar o gás carbônico poderia fazer o mesmo. E isso poderia estar acontecendo com plantas do planeta todo. O que isso poderia significar para as plantas que as pessoas comem?
Loladze percebeu que havia poucos estudos sobre como o aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera afeta a qualidade dos alimentos ingeridos por humanos. Nos 17 anos seguintes, ele foi coletando dados sobre a questão e todos pareciam apontar para o mesmo sentido: cada folha ou pedaço de grama do planeta produz mais açúcar a medida que os níveis de CO2 continuam subindo. Estamos testemunhando a maior injeção de carboidratos na biosfera na história da humanidade. Essa injeção dilui os outros nutrientes no nosso estoque de comida.
Ele publicou suas descobertas alguns anos atrás, em 2014, se juntando às preocupações de um pequenos porém crescente grupo de pesquisadores que estão levantando questões desconcertantes sobre o futuro do nosso suprimento de comida. Os estudos indicam que o CO2 pode ter mais um efeito nocivo para a saúde humana.
As pesquisas na área de agricultura já constataram há algum tempo que a maioria dos alimentos importantes estão ficando menos nutritivos. Medições com frutas e vegetais mostram que seus minerais, vitaminas e proteínas caíram nos últimos 50 a 70 anos. Os pesquisadores acreditavam que a razão era simples: estamos preferindo grandes colheitas e produções em larga escala e essas tendem a ser menos nutritivas.
Mas Loladze e um grupo de outros cientistas suspeitam que não são apenas as espécies cultivadas em grandes campos as responsáveis por essas quedas, mas a própria atmosfera pode estar mudando nossa comida. Como é sabido, o nível de dióxido de carbono na atmosfera está crescendo. Antes da Revolução Industrial, a atmosfera terrestre tinha 280 partes por milhão de CO2. No ano passado, o planeta ultrapassou 400 partes por milhão – e a previsão dos cientistas é de que provavelmente alcançaremos 550 partes por milhão no próximo meio século. Esse número é praticamente o dobro de quando os americanos começaram a cultivar com tratores.
Alguns políticos dizem que o aumento do CO2 será benéfico para as plantas, portanto não precisamos nos preocupar tanto com ele. Mas, diferente do que supõe o senso comum, um maior volume da energia necessária à fotossíntese (o CO2) e o aumento de qualidade dos alimentos podem não andar lado a lado, como mostra o experimento realizado com o zooplâncton.
Na verdade, eles parecem ser inversamente proporcionais. A melhor conclusão a que os cientistas chegaram até agora é que o aumento do CO2 acelera a fotossíntese, o que faz com que as plantas cresçam, mas também faz com que elas sintetizem mais carboidratos, como a glicose, ao invés de outros nutrientes dos quais nós dependemos, como proteínas, ferro e zinco.
Loladze continuou reunindo estudos sobre o assunto, mas sempre com poucos dados sobre a queda de nutrientes provocada pelo excesso de CO2, e procurando financiamento para pesquisá-lo mais a fundo, porém com muita dificuldade. Os departamentos de biologia diziam que a pesquisa teria muita matemática e os de matemática que teria muita biologia. Vários nutricionistas procurados pelo Jornal Politico não sabiam do assunto ainda hoje, apesar de o considerarem interessante. Muitos quiseram ver papers e pediram mais informações a respeito.
Uma das professoras consultadas alertou que é preciso tomar cuidado: não está claro se o empobrecimento nutricional dos alimentos causado pelo CO2 poderá ter um impacto significativo na saúde pública. Ainda é preciso estudar muito mais.
Já Kristie Ebi é uma das pesquisadoras que alerta para a questão. Ela acredita que os pesquisadores demoraram para olhar para as relações entre o clima e a saúde humana. A relação entre CO2 e nutrição, para ela, é algo que terá efeitos antes das mudanças climáticas ou do aquecimento global – e mesmo assim é menos estudado.
As perguntas levantadas por Loladze em seus estudos iniciais são de difícil resposta, mas não impossíveis. Como o aumento de CO2 na atmosfera afeta o crescimento das plantas? A longo prazo, quanto da queda de nutrientes é causado pela atmosfera e quanto por outros fatores, como a respiração?
Comandar estudos sobre os impactos do CO2 sobre as plantas não é impossível. Os pesquisadores usam uma técnica que transforma fazendas em laboratórios. São espaços ao ar livre em que o gás carbônico pode ser coletado e injetado nas plantas de uma determinada área. Pequenos sensores monitoram os níveis de CO2. Depois, os cientistas comparam essas plantas com outras que crescem normalmente em terrenos próximas.
Esses e outros experimentos mostraram que as plantas mudam significativamente quando expostas a altos níveis de dióxido de carbono. Na categoria conhecida como “C3”, que inclui 95% das espécies vegetais da Terra, inclusive trigo, arroz, cevada e batata, foi observado que o CO2 em alta diminuiu em média 8% a concentração de minerais importantes como cálcio, potássio, zinco e ferro. Já o nível de proteínas caiu entre 6 e 8%.
Em agosto de 2017, um grupo de pesquisadores publicou o primeiro estudo que tenta estimar o que essas mudanças podem significar para a população mundial. As plantas são uma fonte de proteína crucial para as pessoas nos países em desenvolvimento e, até 2050, eles calculam, 150 milhões de pessoas correm o risco de sofrer deficiência proteica, especialmente em países como a Índia e Bangladesh.
Os pesquisadores encontraram perda de zinco, que é especialmente importante para a saúde maternal e infantil e poderia colocar 138 milhões de pessoas em risco. Eles também estimam que mais de 1 bilhão de mães e 354 milhões de crianças vivem em países onde a proporção de ferro na dieta deve cair significativamente, o que poderia agravar o já preocupante problema da anemia na saúde pública. A crescente proporção de açúcar nas plantas também pode aumentar as já elevadas taxas de obesidade e problemas cardíacos, em especial nos países desenvolvidos.
Outra importante vertente de pesquisa sobre CO2 e composição nutricional das plantas está agora chegando ao Departamento de Agricultura dos EUA. Lewis Ziska, um fisiologista vegetal do Serviço de Pesquisa em Agricultura, sediado em Maryland, está se aprofundando em uma série de questões que Loladze levantou 15 anos atrás. São vários estudos focados em nutrição.
Ziska centrou seus estudos na alimentação das abelhas. Ele observou as flores do solidago, uma planta selvagem conhecida como vara-de-ouro, muitas vezes considerada uma erva daninha, que é uma importante fonte de proteína para as abelhas, especialmente no inverno. Por ser uma espécie selvagem, o ser humano não cultivou novas espécies dela, nem causou mutações ao longo do tempo, como no caso do milho ou do trigo. Além disso, o Smithsonian Institution colocou à disposição do pesquisador um acervo com centenas de amostras da planta, datando desde 1842.
Assim, eles descobriram que o conteúdo proteico do solidago caiu um terço desde a Revolução Industrial – mudança que coincide com o aumento do CO2. O estudo de Ziska sugere que essa queda proteica pode ser uma razão a mais para a queda da população mundial de abelhas. O pesquisador também alerta para o fato de que os efeitos do CO2 nas plantas das quais dependemos não estão sendo estudados com a devida urgência, especialmente se considerarmos que reverter esses efeitos levaria muito tempo. Pode demorar de 15 a 20 anos para que uma espécie saia do laboratório para os campos.
Outro pesquisador preocupado com o tema é Samuel Myers, professor de Harvard especializado em clima. Em 2014, ele e um grupo de cientistas publicaram um estudo no jornal Nature que observou colheitas no Japão, Austrália e Estados Unidos e também encontrou que o aumento de CO2 causou diminuição das proteínas, ferro e zinco. Foi a primeira vez que o assunto atraiu atenção real da mídia.
No mesmo dia, Loladze publicou seu estudo, resultado de mais de 15 anos reunindo dados sobre o tema. Foi o maior estudo já publicado sobre o CO2 e seus impactos sobre os nutrientes das plantas. O que ele descobriu, depois de reunir e observar uma enorme quantidade de dados, confirmou sua teoria de 2002. Em cerca de 130 variedades e mais de 15 mil amostras coletadas em experimentos ao longo das últimas três décadas, a concentração geral de minerais como cálcio, magnésio, potássio, zinco e ferro caiu em média 8%. Já a proporção de carboidratos subiu. As plantas, como as algas, estavam virando junk food.
O que isso significa para os humanos, cuja alimentação é majoritariamente baseada em plantas, está começando a ser investigado agora. Os pesquisadores interessados na área terão que enfrentar obstáculos como o pouco prestígio e o ritmo lento de avanço das pesquisas na área, bem como uma política ambiental que dificulta o financiamento. Também será necessário construir caminhos totalmente novos no mundo da ciência – o próprio Loladze sofreu rejeições quando finalmente publicou seus estudos.
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