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De acordo com IBGE, a população idosa no Brasil irá compor cerca de 29% da população, contudo, falta de políticas públicas para promover amparo ao idoso pode afetar a qualidade de vida dessa parcela da população

A pandemia de covid-19 trouxe um aumento nos casos de violências contra a população idosa. Sendo parte do grupo de risco, essa parcela da população foi forçada a mudar seus hábitos adotando a quarentena para garantir sua saúde. No entanto, essa medida de isolamento, por mais efetiva que seja para diminuir o contágio do vírus, acabou aumentando o número de casos de violência contra o idoso no ano de 2020. 

De acordo com dados disponibilizados pelo Disque 100, canal de atendimento que recebe, analisa e encaminha denúncias de violação dos direitos humanos para os órgãos competentes, de 2019 para 2020 o número de chamadas para reportar algum tipo de violência contra o idoso foi de 48,5 mil para cerca de 77 mil denúncias; houve um aumento de 53% no número de denúncias. Até o primeiro semestre de 2021, o número de denúncias registradas ultrapassou 30 mil. 

“Alguns fatores que contribuíram para esse cenário foram a restrição de convívio social, a maior convivência entre os milhares que residiam na mesma casa, favorecendo assim um acúmulo de tensões”, contou em entrevista Deusivania Falcão, professora e pesquisadora na área de Gerontologia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. De acordo com ela, as incertezas em relação ao futuro, somadas a possíveis situações familiares anteriores aos casos de violência tiveram papel importante nessa crescente.

A violência

O Estatuto do Idoso, promulgado pela lei no 10.741, de 1º de outubro de 2003, descreve a violência contra o idoso como qualquer ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico. 

“Lembrando que a negligência, o abandono é o primeiro caso, é o primeiro tipo de violência mais frequente”, afirma Bibiana Graeff, também professora do curso de Gerontologia da EACH. De acordo com a professora, esse tipo de caso é mais comum devido à codependência que a pessoa idosa pode vir a desenvolver com o tempo, precisando de determinados apoios para realização de funções básicas, como ir ao mercado, ou um acompanhante para poder deslocar-se, por exemplo.

De acordo com os números do relatório divulgado em 2019, a negligência é o tipo de violência contra o idoso mais comum, representando 41% do total das denúncias. Após ela, as principais violações sofridas por idosos são: a violência psicológica, com 24% das denúncias; o abuso financeiro, com 20%; a violência física, com 12% e a violência institucional, com 2%.

“Se a gente bem observar, além da violência propriamente dita, o próprio distanciamento social de alguma maneira também pode provocar problemas de saúde mental”, comenta  Deusivania sobre os impactos psicológicos que a agressão pode vir a ter no idoso e completa: “Não só da pandemia, mas também desse membro da família que agride o idoso é muito grande”. Para a professora, os profissionais de saúde que realizarem o atendimento da vítima não devem limitar-se a procurar somente sintomas físicos decorrentes da violência, mas também sintomas psicológicos para prevenir quadros de doenças mentais. 

Ambiente familiar

De acordo com o relatório anual divulgado em 2019 pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), existe uma relação de convívio familiar entre o suspeito de violência e a vítima. Em torno de 65% dos suspeitos são filhos da vítima. De acordo com Bibiana, esse envolvimento afetivo entre o agressor e a vítima é um fator que leva a casos de violência passarem despercebidos pela vítima que, por conta do laço, não reconhece a agressão ou passa por um processo de internalização da agressão por não querer gerar implicações negativas contra o agressor.

“Muitas vezes, quando o idoso faz a denúncia, depois ele imediatamente quer retirar essa denúncia, porque gostaria apenas que o filho ou a filha levasse um susto, mas não gostaria que realmente houvesse uma consequência mais séria”, relata Bibiana.

Deusivania comenta alguns relatos que ouviu de idosos que diziam preferir ser violentados pelos filhos ou até mesmo por outros parentes do que vê-los em uma prisão. Não só medo que a punição que o parente possa sofrer, mas também de retaliações ou abandono do agressor. “Há também aqueles que cresceram em um sistema familiar violento com relações abusivas e isso de algum modo acaba naturalizando as agressões que eles sofrem”, ela diz.

Políticas públicas

Segundo o estatuto do idoso, qualquer pessoa acima de 60 anos tem acesso a direitos básicos como a vida, a saúde, a liberdade, ao lazer, à dignidade, entre outros que seguem a mesma premissa de gozo à vida. No entanto, outras políticas públicas e infraestruturas de apoio ao idoso são necessárias para manutenção ou garantia desses direitos. 

Deusivania, ao avaliar as infraestruturas, ressaltou que órgãos do sistema de saúde — como as Unidades Básicas de Saúde e os hospitais — e órgãos de assistência social devem estar capacitados para identificar sinais de violência e informar as autoridades. Do ponto de vista comunitário, ela destaca a importância da manutenção e da ampliação dos equipamentos sociais da rede de proteção formal e informal ao idoso citando, como exemplo, as delegacias do idosos.

“Em termos de política pública”, diz Bibiana, “uma das coisas que me deixaram muito preocupada este ano foi saber que a ONDH não vai mais publicar o relatório dos casos de denúncias”. Para ela, é muito importante a produção deste relatório, porque informação é a primeira coisa necessária para construção de qualquer política pública, assim como dificultar o acesso e divulgação sobre o assunto para a sociedade, impedindo a conscientização sobre o tema. Outra consequência, que virá com a não produção do relatório, é a possibilidade de realizar comparativos entre os relatórios produzidos em anos anteriores para entender o cenário em que vivemos e entender quais medidas são ou não efetivas para diminuir os casos de violência: porque senão, a gente vai ficar no escuro”, ressalta ela.

Segundo Bibiana, é necessária a adoção de outras medidas e equipamentos para diversificar os moldes de moradias para idosos no País. Entre elas, a moradia para a vida independente, focada em um perfil de idoso que tem autonomia para morar sozinho e não precisa de tanta assistência. Ela comenta também a importância da manutenção das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), ambientes governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinados ao domicílio coletivo de pessoas idosas, destacando que é preciso políticas públicas para investir nas versões públicas dessas residências, devido à dificuldade de acesso dos idosos em custear uma ILPI privada. “Então, a gente precisa melhorar tanto em termos de qualidade como também em quantidade porque as que existem hoje são insuficientes”, conclui ela.

Uma população em envelhecimento

De acordo com uma projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa no Brasil irá chegar na casa dos 76 milhões em 2050, algo em torno de 29% da população. Para Deusivania, o envelhecimento da população revela como muitos familiares e setores da sociedade não sabem como lidar com pessoas idosas. Não só isso, mas como os profissionais também não possuem o preparo necessário para lidar com esse tipo de situação de violência. “Nós não temos, por exemplo, na maior parte das nossas universidades, disciplinas focadas na velhice ou até mesmo no envelhecimento e isso é algo que deve ser de alguma maneira modificado rapidamente”, afirma ela. 

Segundo a especialista, é necessária a promoção de medidas educativas em torno da questão do envelhecimento saudável, mobilizando, tanto individualmente quanto coletivamente, a sociedade assim como os especialistas em cuidados gerontológicos de forma a contribuir para um ambiente familiar saudável e sem violência. “Porque, daqui a pouco, nós vamos ter um grande número de pessoas idosas e não vamos saber lidar com elas”, conclui ela.


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