Estudo com participação de professor do ICB indica efeitos como a perda de qualidade das células reprodutoras
Nos últimos 50 anos, diversos países industrializados vêm registrando drástico decréscimo na taxa de natalidade, com média inferior à considerada sustentável para a humanidade, que é de 2,1 filhos por mulher. Mais que uma mudança comportamental, associada a fatores econômicos, como vem sendo informado pelos relatórios demográficos, esse fenômeno também pode estar relacionado com o aumento da infertilidade de homens e mulheres, cada vez mais expostos à poluição e ao consumo de produtos derivados de combustível fóssil — um dos principais motores da industrialização. Essa tese é validada por estudo revisional recente, que foi capa da Nature Reviews Endocrinology, e tem participação do professor da UFMG Luiz Renato de França. A pesquisa foi liderada por Niels Erik Skakkebaek, professor da Universidade de Copenhague (Dinamarca).
No Brasil, a média de seis filhos por mulher, registrada na década de 1960, veio decrescendo significativamente, especialmente a partir de 2005, e chegou a 1,8. E a estimativa é de que o declínio no número de nascimentos seja uma tendência mundial, como verificado em alguns países industrializados, que já registram cerca de 10% de todas as crianças nascidas por meio da reprodução assistida — fertilização in vitro, injeção intracitoplasmática do espermatozoide no óvulo e outras formas de reprodução artificial.
Luiz Renato de França explica que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a taxa de natalidade global vem sofrendo redução exponencial e contínua. E em países industrializados e com bons registros públicos, como a Suécia e a Dinamarca, de 1970 pra cá, mais de 20% dos homens em idade fértil não têm filhos.
Outra evidência, segundo França, que é aposentado e voluntário no Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, é o número cada vez menor de gêmeos nascidos na última década, o que indica que tanto a qualidade dos espermatozoides quanto a dos ovócitos (células masculinas e femininas que garantem a reprodução em humanos) tem regredido nas regiões industrializadas. “Respirar o ar poluído pela queima de combustíveis fósseis e consumir, cotidianamente, produtos como cosméticos, materiais de construção, roupas, brinquedos e fármacos derivados desses combustíveis representa risco constante para a desregulação do sistema endócrino, com comprometimento dos testículos, ovários e da tireoide”, afirma o professor do ICB.
Na revisão de 250 publicações científicas, a equipe do professor Skakkebaek considerou as tendências da reprodução humana, comportamento e saúde que estão associadas à infertilidade (a falha em estabelecer uma gravidez clínica após 12 meses de relações sexuais regulares e desprotegidas), incluindo perda da qualidade do sêmen, aumento da incidência de câncer testicular, atrasos no planejamento da gravidez dos casais, entre outras. Os pesquisadores concluíram que as mudanças ocorreram no período de apenas duas gerações, o que é forte indício de participação importante dos fatores ambientais na saúde reprodutiva.
Hormônios mimetizados ou inibidos
O professor Luiz de França explica que “as substâncias químicas que vazam dos produtos industrializados, como o bisfenol A e os ftalatos, ambos derivados dos combustíveis fósseis, entram em contato com o corpo e mimetizam ou inibem hormônios como estrógenos e a testosterona, que são muito importantes para os tratos reprodutores masculino e feminino e que muitas vezes têm funções diferentes nos dois sexos”.
O bisfenol A (BPA), composto químico que funciona como solvente pouco solúvel em água, pode ser encontrado em plásticos que apresentam em sua composição o policarbonato (de óculos de sol a acessórios de automóveis) e também em revestimentos internos de latas que condicionam alimentos. Os ftalatos, por sua vez, são derivados do ácido ftálico, utilizado como aditivo para deixar o plástico mais maleável, e podem ser encontrados em cosméticos, brinquedos e aparatos médicos, como as bolsas. Tal grupo de compostos é tido como cancerígeno e pode causar danos ao fígado, aos rins e aos pulmões, além de anomalias no sistema reprodutivo.
Segundo o professor da UFMG, único brasileiro e representante das Américas na equipe de 16 pesquisadores – outros 11 são da Dinamarca, um da França, um do Reino Unido, um da Austrália e um de Israel –, muitas das alterações são definitivas. “Essas alterações podem causar, por exemplo, a síndrome da disgenesia testicular, cujos sintomas são, entre outros, baixa qualidade do sêmen, câncer testicular e anormalidades congênitas dos órgãos genitais, como testículos que não desceram para o escroto ou ficaram retidos na cavidade abdominal ou no canal inguinal. Nessas condições, a temperatura mais elevada que a do escroto altera a espermatogênese e a qualidade e quantidade de espermatozoides”, afirma o professor.
Questões em aberto
Luiz Renato de França comenta que o colega Skakkebaek vem alertando sobre a queda da fertilidade humana desde 1990, com base em seus estudos em setores da Universidade de Copenhague, como os departamentos de Clínica Médica e de Crescimento e Reprodução, e o Centro Internacional para Pesquisas e Treinamento em Desreguladores Endócrinos da Reprodução Masculina e Saúde da Criança.
O pesquisador ressalta que são poucos os estudos que consideram o impacto da industrialização sobre a saúde reprodutiva, até mesmo entre os programas mais avançados de monitoramento dos desreguladores endócrinos, como os organizados pela União Europeia. Ele e seus colegas sugerem mais pesquisas transdisciplinares, que incluam as ciências da vida e as ciências sociais, para responder a diversas questões ainda em aberto. França exemplifica com algumas questões que pedem respostas: “É possível que as taxas de fecundidade humana retornem a níveis sustentáveis nos países e regiões onde estão abaixo desses índices há décadas? Por que existem vários relatórios sobre tendências adversas na saúde reprodutiva masculina, mas não documentos semelhantes sobre a reprodução feminina? É possível que a exposição a produtos químicos desreguladores endócrinos industriais sejam mais prejudiciais para os órgãos reprodutores masculinos do que para os femininos, devido à ação antiandrogênica e propriedades estrogênicas de muitos desses produtos? Por que a espermatogênese humana é muito mais pobre do que a espermatogênese da maioria dos outros mamíferos?”
Este texto foi originalmente publicado pela UFMG de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.