A negativa é mais uma importante sinalização de que a preservação ambiental será fator determinante na política internacional e para os negócios globais daqui em diante
Por Rosana Villar em Greenpeace Brasil — O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) negou definitivamente um pedido de empréstimo de US$ 43 milhões (cerca de R$ 215 milhões) à Marfrig, devido aos riscos ambientais relacionados à operação da empresa na Amazônia. Em outubro do ano passado, mais de 275 organizações, incluindo o Greenpeace, assinaram uma carta pública ao BID Invest denunciando que o empréstimo poderia contribuir para o desmatamento e a apropriação de terras.
O empréstimo estava originalmente programado para votação da diretoria em dezembro de 2021, mas foi adiado para maio de 2022 e, agora, segundo o BID Invest, o empréstimo não está mais sendo considerado para aprovação devido a considerações ambientais.
Entre os argumentos, a carta enviada ao banco ressalta que, segundo estudo publicado pela Academia Nacional de Ciências, entre 2015 e 2017, as compras de gado feitas pela Marfrig estavam vinculadas a aproximadamente 26 mil hectares em risco de desmatamento.
Além disso, de acordo com uma investigação da Global Witness, entre 2017 e 2019, a Marfrig comprou gado de um total de 89 fazendas responsáveis por mais de 3.300 hectares de desmatamento ilegal. A Marfrig reconheceu publicamente que comprou gado de fazendeiros localizados no epicentro da queima deliberada da floresta amazônica em 2019.
Mesmo depois que isso foi amplamente divulgado, a empresa continuou comprando de fornecedores diretamente ligados a grandes violações de direitos humanos e trabalhistas na região, além de atividades madeireiras ilegais em ecossistemas ameaçados, contrariando os Padrões de Desempenho do BID Invest’s Performance Standards 6 em Biodiversidade e Conservação. Em 2020, a Marfrig esteve ligada a um esquema de pecuaristas que criam gado ilegalmente em terras indígenas na Amazônia. O fracasso da empresa em rastrear as violações em sua cadeia de abastecimento resultou na compra de gado de fazendeiros acusados de grilagem de terras e violações dos direitos humanos de povos indígenas e ativistas do direito à terra.
Esta não é a primeira organização financeira a fechar as portas para a Marfrig. Em dezembro de 2021, o maior fundo público soberano do mundo – o Fundo de Pensão do Governo Norueguês – colocou a Marfrig “sob observação”, “devido ao risco inaceitável de que a empresa contribua para graves danos ambientais”.
Promessas não cumpridas
Há mais de uma década, a Marfrig promete desenvolver ferramentas para eliminar o desmatamento ilegal e o trabalho escravo de toda a sua cadeia de fornecedores, porém, como documentado nesse relatório de 2021 do Greenpeace, o frigorífico ainda não possui “procedimentos fundamentais” em vigor para garantir que o gado proveniente de fazendeiros vinculados à destruição ambiental seja excluído. Em 2020, uma outra investigação do Greenpeace mostrou que a empresa comprava e comercializava carne de animais criados no Parque Estadual Serra Ricardo Franco, área de rica biodiversidade.
Em 2020 a Marfrig anunciou que continuará tolerando o desmatamento em sua cadeia produtiva por pelo menos mais dez anos, até 2030, mesmo depois de ter se comprometido a bloquear animais originados de áreas desmatadas em compromisso assumido em 2009. Atualmente, a empresa participa de um esforço, através do Consumer Goods Forum, para mudar os “Critérios Mínimos para operações com gado e produtos bovinos em escala industrial no bioma Amazônia”., em especial a linha de corte do desmatamento de 2009 para 2019, assumido no compromisso. Faz uma década que Marfrig, JBS e MINERVA, os três maiores frigoríficos do Brasil, não cumprem a promessa que assumiram de ter outubro de 2011 como data limite para eliminar fornecedores indiretos envolvidos em desmatamento de suas cadeias produtivas.
Em 2009, esses três frigoríficos, os maiores em atuação na Amazônia, assinaram junto ao Ministério Público Federal um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Na prática, eles se comprometeram a desenvolver sistemas de monitoramento para excluir de suas listas de fornecedores as fazendas que continuavam desmatando, que usavam mão de obra escrava ou que tivessem invadindo áreas protegidas. Até hoje, nenhuma das companhias foi capaz de implementar e demonstrar de forma inequívoca que implementaram completamente os critérios do compromisso.