Historicamente, recursos compartilhados – como florestas, estoques pesqueiros e pastagens – muitas vezes têm sido administrados com o objetivo de evitar as “tragédias dos bens comuns”, sob a crença de que elas são resultado da exploração descontrolada e egoísta desses recursos. Em artigo para o periódico científico BioScience, um grupo de pesquisadores norte-americanos critica esse modelo, argumentando que, com frequência, esses esforços de conservação não são capazes de reconhecer as complexas interações socioecológicas que sustentam a saúde dos recursos.
Os autores, que se descrevem como “blackologistas” (“não apenas estudiosos que são negros, mas, sobretudo, estudiosos que deliberadamente alavancam e cruzam a negritude para o avanço da produção de conhecimento”), elucidam um modelo no qual as experiências de vida dos pesquisadores fornecem “perspectivas únicas para examinar criticamente os processos socioecológicos e os desafios e soluções que surgem deles”.
Os autores explicam que, como enfrentam racismo sistêmico e um conjunto de barreiras profissionais, “os estudiosos do BIPOC (sigla em inglês que significa ‘negros, indígenas e pessoas de cor’) têm empatia e uma relação pessoal com as comunidades indígenas em todo o mundo, que são desafiadas simplesmente pelo desejo de preservar sua cultura e laços sagrados com o meio ambiente”.
Através desta lente, eles ressaltam que algumas estruturas de conservação, como o modelo de fortress conservation (ou “conservação como fortaleza”, em tradução livre), que excluem comunidades locais, “ocorrem em regiões do mundo com alta biodiversidade (por exemplo, os trópicos) e onde comunidades de negros e pardos estão lutando por subsistência e igualdade”.
Em vez de cumprir seu objetivo de preservar os recursos para o bem público, essas táticas incorrem no risco de prejudicar as próprias populações locais, cujos conhecimentos e valores podem ser mais valiosos para o combate à degradação ecológica. Em particular, dizem os autores, elas dificultam o cumprimento das metas de conservação, porque dependem de um manejo, frequentemente inadequado, levado a cabo por “estranhos” – ou seja, pessoas que não têm a mesma familiaridade com a região.
Os autores defendem uma prática de gestão holística e colaborativa, que explique totalmente a complexa dinâmica humano-ambiental. “Em particular, feedbacks negligenciados entre processos sociais e ecológicos, muitas vezes destacados por nossas experiências como estudiosos BIPOC, podem lançar luz sobre a remediação eficaz da tragédia”, acrescentam.
Por meio desse modelo interdisciplinar, afirmam os autores, “os usuários de recursos, a natureza e manifestação do conflito em si e os papéis dos seres humanos como usuários de recursos e mediadores de conflito fornecem percepções sobre a tragédia e sobre as maneiras pelas quais ela pode ser superada”.
Os autores encerram o artigo com um apelo por maior inclusão e diversidade nas ciências, afirmando que as experiências dos blackologistas fornecem uma perspectiva única crucial para abordar o esgotamento de recursos em escalas espaciais e temporais: “Como blackologistas, argumentamos que a marginalização de nossas identidades entre disciplinas avança a própria tragédia que as comunidades científicas esperam evitar”.
O artigo foi publicado em 19 de junho, em homenagem à data em que é celebrado o aniversário de 155 anos da emancipação dos negros escravizados nos Estados Unidos.
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