Por Samuel Ruiz Anklam, do Jornal da Universidade | O Booktok – comunidade literária dentro do aplicativo TikTok – é um fenômeno na plataforma, cativando milhões de usuários com indicações de livros, resenhas e conteúdos sobre literatura. Com mais 95 bilhões de visualizações, a hashtag #Booktok é uma das principais engrenagens dessa rede social, que vem crescendo exponencialmente com vídeos curtos e conteúdos personalizados por um algoritmo certeiro.
O TikTok, aplicativo antes conhecido como Musical.ly, foi lançado em setembro de 2016 na China, porém só chegou ao Brasil em 2018. A rede social se popularizou mundialmente no período da pandemia e rapidamente se formaram diversas comunidades, originadas por algoritmos que direcionam os usuários para determinadas “bolhas” conforme os conteúdos de interesse.
Em 2020, o romance “Mentirosos”, da escritora norteamericana E. Lockhart, que já estava no mercado desde 2014, começou a subir na lista de mais vendidos para adolescentes nos Estados Unidos. O súbito aumento nas vendas aconteceu devido à hashtag #wewereliars, que reunia vídeos de pessoas lendo o livro e gravando suas reações – muitas vezes emocionadas. Hoje, a hashtag possui mais de 128 milhões de visualizações no TikTok.
Após o sucesso de “Mentirosos”, a autora publicou, em maio de 2022, uma prequela – livro cujo enredo antecede outra obra já existente – chamada “Família de Mentirosos”. Em entrevista à Forbes, E. Lockhart contou que o sucesso de “Mentirosos” no Booktok foi fundamental para o lançamento do segundo livro. Há outros casos de livros que viralizaram na rede anos depois da publicação, como “Os sete maridos de Evelyn Hugo”, de Taylor Jenkins Reid, publicado em 2017, e a releitura da Ilíada “A canção de Aquiles”, publicado em 2011 e de autoria de Madeline Miller. Ambos são grandes sucessos entre a comunidade do Booktok e voltaram às prateleiras dos mais vendidos anos após o lançamento.
A comunidade literária já buscava ocupar espaços desde o início da internet, através de blogs e comunidades em outras redes sociais, como o Orkut e o Facebook. Em relação a conteúdos visuais, o Youtube sempre foi o principal site para resenhas ou análises mais aprofundadas de determinadas obras, o que se perpetua até hoje.
Contudo, o TikTok rapidamente ultrapassou as outras redes em números, o que motivou a migração de produtores de conteúdo de outras plataformas. Esse é o caso de Ana Saraiva (@byanasaraiva), booktoker de Mossoró, no Rio Grande do Norte, que já produzia conteúdo para o Instagram e outros blogs desde 2015, e começou a produzir para o TikTok quando a rede social estava em alta.
“No início me senti um pouco pressionada a ir pro Tiktok, pois a plataforma estava bombando e todo mundo estava lá, então me senti forçada a produzir também. Contudo, hoje é a plataforma que mais gosto para criar conteúdo.”
Apesar de elogiar o suporte do Tiktok aos criadores de conteúdo – são oferecidas até oficinas de aperfeiçoamento –, Ana destaca que o algoritmo da plataforma é um fator crucial. Em blogs e no Youtube, o usuário precisa pesquisar ativamente pelos conteúdos, que costumam ser vídeos longos ou textos mais aprofundados. Em contrapartida, o TikTok oferece um modelo mais rápido e dinâmico, no qual o usuário não precisa ir atrás do conteúdo e pode ficar apenas assistindo aquilo que o algoritmo entrega com base nos interesses da pessoa. O lado positivo é a praticidade do consumo, porém é sempre necessário ponderar sobre o controle que isso pode exercer sobre o usuário.
Outro ponto de destaque é a proximidade que a plataforma oferece, pois os conteúdos são rápidos, muitas vezes mais espontâneos e menos engessados, algo muito mais próximo de uma conversa entre amigos. Além das resenhas e vídeos de indicação de livros, muitos booktokers trazem conteúdos mais cômicos ou trends que viralizaram na rede, como gravar a própria reação enquanto lê o final de um livro, já que isso atrai público para o seu perfil e costuma render boas visualizações.
Dentro da comunidade literária do aplicativo há também uma série de subdivisões temáticas. Existem aqueles que gostam mais de consumir apenas um determinado gênero, como livros de fantasia, terror, romance, obras LGBTQIA+, dentre outros. Também há aqueles que preferem livros nacionais ou internacionais, clássicos ou contemporâneos. De toda forma, o algoritmo seleciona os gostos e organiza o feed do usuário com base nas preferências de cada pessoa.
A credibilidade das indicações é apontada por Rafaela Cazarré, estudante de Publicidade e Propaganda da UFRGS que está pesquisando sobre o tema para o Trabalho de Conclusão de Curso, como um fator importante para o sucesso do Booktok. Para ela, “parece que uma pessoa real está me indicando, como se fosse um amigo”. Em virtude do algoritmo, as indicações se tornam cada vez mais precisas e tendem a se adaptar aos gostos do usuário. Rafaela exemplifica que gosta de ler livros de suspense, e esse é o principal tópico dos vídeos que aparecem no seu feed.
O impacto do Booktok na indústria literária dos Estados Unidos é visível. Segundo a NPD, empresa especializada em informações de mercado, 2021 foi um ano recorde na venda de livros nos EUA, com 825 milhões de obras impressas vendidas, o maior número desde que o levantamento começou a ser feito, em 2004. A empresa também destaca que gêneros como ficção e romance têm sido bastante impactados pela rede social.
No Brasil, o cenário é similar. A venda de livros no país em 2021 cresceu 33% em comparação com 2020, segundo dados divulgados pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL). Uma pesquisa realizada na última Bienal Internacional do Livro de São Paulo apontou o crescimento da influência das redes sociais, como o TikTok, no interesse por obras literárias – não é à toa que a hashtag #BooktokBrasil tem mais de 10 bilhões de visualizações.
Na Amazon, principal loja de e-commerce do mundo atualmente, os livros são identificados com a etiqueta “Sucesso do TikTok”, indicando que a obra já é comentada no aplicativo. Com isso, compradores podem ser direcionados à plataforma para consumirem conteúdo sobre o livro antes de comprar, assim como podem já ter vindo diretamente do TikTok, uma vez que os booktokers costumam divulgar promoções da Amazon e recebem uma espécie de “comissão” da empresa.
Elis Amancio, jornalista especializada em comunicação digital e mídias sociais, acredita que o mercado editorial se encontra no “olho do furacão” e que as editoras não podem retomar as práticas utilizadas antes da pandemia, especialmente quando se trata do lançamento e divulgação de novos livros. A pesquisadora, que estuda o TikTok no seu mestrado no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), define que quem trabalha no mercado editorial precisa entender as mudanças geracionais e estar atento ao mercado digital.
Apesar do impacto positivo do Booktok na comunidade literária, é necessário refletir sobre as consequências disso. Se uma plataforma tem tamanha influência no consumo de seus usuários – ainda mais com as ligações diretas entre os criadores de conteúdo e a maior loja virtual de varejo do planeta – pode ser difícil encontrar espaço no mercado para os livros que não fazem sucesso nas redes, especialmente as obras nacionais.
Dentre as preocupações de quem pesquisa o mercado editorial está também o desmonte da cadeia produtiva do mercado literário. Com a entrada das big techs no mercado, é difícil competir e sustentar as livrarias quando o usuário pode comprar online por um valor mais baixo. “O papel do livreiro, historicamente, é muito importante. Ele é aquele sujeito que tem sua livraria e conhece tudo que tem ali dentro, podendo falar sobre todas as obras. Essa função vem diminuindo cada vez mais”, lamenta Elis.
Para a pesquisadora, essa relação do consumidor com o varejo online enfraquece o mercado editorial, já que as livrarias não conseguem competir, principalmente com a Amazon – empresa que pode operar no déficit desde que isso garanta uma vantagem nos acordos com as editoras e em sua posição no mercado competitivo. Dessa forma, o mercado literário se encontra num impasse entre os acordos com as grandes empresas e a retomada de uma cadeia produtiva que seja sustentável a longo prazo. Diante desse cenário, ela reforça a importância de fortalecer o comércio local. “É importante ter consciência do ecossistema editorial, entender que existem vários profissionais envolvidos, como autor, editor, revisor, diagramador, dentre tantos outros. Não podemos nos esquecer desses papéis”, conclui a pesquisadora.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Universidade de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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