Por Ricardo Zorzetto em Pesquisa Fapesp | Aumentou no país o nível de alerta contra um vírus letal para certos grupos de aves: o vírus da influenza A H5N1 de alta patogenicidade, causador de uma forma grave de gripe aviária. No dia 22 de maio, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, assinou uma portaria declarando estado de emergência zoossanitária em todo o território nacional por 180 dias. A medida facilita a mobilização de verbas e a articulação com outros ministérios e órgãos do governo e da sociedade civil para tentar evitar o espalhamento do vírus no Brasil e impedir que afete a produção comercial de aves e ovos – e, eventualmente, cause doença em seres humanos.
O documento prorrogou ainda uma portaria do final de março proibindo a realização de exposições, feiras e torneios com aglomeração de aves e a criação desses animais ao ar livre, sem a proteção de telas. “Todo esse processo é para assegurar a força de trabalho, logística, recursos financeiros e materiais tecnológicos necessários para executar as ações de emergência visando a não propagação da doença”, afirmou o ministro em uma nota oficial.
A decisão de elevar o nível de atenção contra o vírus veio na esteira da confirmação de sua chegada ao país. Em 15 de maio, técnicos do Laboratório Federal de Defesa Agropecuária situado em Campinas, interior de São Paulo, haviam identificado a presença do H5N1 de alta patogenicidade em dois exemplares de trinta-réis-de-bando (Thalasseus acuflavidus), resgatados nas cidades de Mataraízes e Vitória, na costa do Espírito Santo. Nos dias seguintes, a infecção pelo vírus foi constatada em outras oito aves silvestres dessa e de outras três espécies – atobá-pardo (Sula leucogaster), trinta-réis-real (Thalasseus maximus) e uma coruja. Até terça-feira (23/5), não havia registro de casos humanos da doença, embora amostras coletadas de quatro pessoas do Espírito Santo continuassem em análise nos laboratórios da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Outros 38 possíveis casos já tinham sido descartados.
Algumas aves silvestres aquáticas, como maçaricos, patos e gansos, funcionam como reservatórios de vírus da influenza e não adoecem. Em aves domésticas, no entanto, algumas variedades do vírus, como a H5N1, podem ser altamente letais e matar até 100% dos animais infectados. Os casos humanos são raros, com uma taxa de letalidade menor. A transmissão – tanto entre aves, como de aves para humanos – ocorre por meio do contato com secreções e excrementos infectados ou pela inalação de partículas em suspensão no ar.
Os vírus influenza A do subtipo H5N1 alcançaram ampla distribuição pelo mundo nas últimas décadas. A primeira variedade foi identificada em 1996 em gansos, na China, e um ano depois causou um surto em aves domésticas em Hong Kong e infectou 18 pessoas, das quais seis foram fatais. No ser humano, a infecção provoca febre, tosse, dor de garganta, dores musculares, dor de cabeça e mal-estar geral. Mas seus sintomas podem ir além dos da gripe comum e exigir tratamento com um antiviral como o oseltamivir, usado contra outras formas de influenza.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que 868 pessoas foram infectadas pela variedade asiática do H5N1 de 2003 ao início deste ano em 21 países. Delas, 457 morreram, o correspondente a 53% do total. Por sorte, a variante genética do H5N1 que chegou agora ao Brasil parece ser menos letal. Desde 2022 foram registrados 9 casos humanos, com uma morte (taxa de letalidade de aproximadamente 11%). O H5N1 detectado no Espírito Santo e Rio de Janeiro surgiu por volta de 2020 na Europa e, de lá, espalhou-se para outros continentes levado por aves migratórias, alcançando a América do Norte em 2021. No ano seguinte, ele já estava na costa do Pacífico na América do Sul e rapidamente se disseminou pelos países da região. Por essa razão, sua entrada no Brasil já era esperada.
“Era uma questão de tempo”, conta a veterinária Helena Lage Ferreira, da Universidade de São Paulo (USP). Ela é a atual presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV) e, ao lado do virologista Edison Durigon e da veterinária Clarice Arns, é uma das coordenadoras da Rede Nacional de Vigilância de Vírus em Animais Silvestres, a Previr, que monitora a presença de patógenos na fauna brasileira com financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Por causa da disseminação do vírus na América do Norte, em outubro de 2022, a equipe da Previr intensificou a captura de aves silvestres em todo o país à procura do H5N1 e até o início deste ano analisou amostras de aproximadamente 1.100 animais. Os pesquisadores não encontraram o H5N1, mas identificaram sinais de que ele já pudesse estar em circulação no país. Um maçarico capturado em janeiro no Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no sul do Rio Grande do Sul, estava infectado com um vírus influenza H11N2 contendo ao menos um gene do H5N1 de alta patogenicidade. “Esse é um sinal de que o H5N1 já se encontrava por ali e estaria trocando partes de seu material genético com outros vírus de influenza aviária”, explica Ferreira.
A entrada do vírus no Brasil desperta nas autoridades sanitárias e nos especialistas duas preocupações. Uma de ordem econômica. O Brasil é o segundo maior produtor de carne de frango no mundo – foram 14,5 milhões de toneladas em 2022, segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) – e o maior exportador mundial. Se um vírus tão letal quanto o H5N1 alcançar as granjas, pode levar a grandes perdas. Desde a chegada do vírus em 2021 aos Estados Unidos, o maior produtor mundial de frango, cerca de 58 milhões de aves foram infectadas, de acordo com o Serviço de Inspeção de Saúde Animal e de Plantas. Em geral, as aves são abatidas para evitar a propagação do vírus. Outros 48 milhões foram sacrificados em 2021 e 2022 em 37 países da Europa por causa do surto de gripe aviária.
A outra preocupação é com a saúde humana. Embora a transmissão ocorra apenas de aves para outros animais ou de aves para pessoas, há o risco de que o vírus sofra adaptações e passe a ser transmitido de um ser humano para outro. “Se o vírus ficasse restrito só a aves, traria uma preocupação menor, mas o que aconteceu também foi a transmissão para algumas espécies de mamíferos e, depois, entre eles, como nos leões-marinhos encontrados na costa do Pacífico. Isso aumenta a preocupação porque nós somos mamíferos, e mostra que o vírus tem capacidade adaptativa. Se ele conseguir se adaptar aos humanos, e circular entre nós, estão dados os ingredientes para uma potencial nova pandemia”, afirmou o infectologista Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan, em entrevista publicada em 24 de maio no jornal O Globo.
Por ora, no entanto, esse risco parece distante. “Até o momento, não há indício de que o vírus possa ser transmitido de uma pessoa para outra de forma sustentável”, conta Ferreira, da SBV. “Mas temos de monitorá-lo.”
Com a disseminação do vírus pelas Américas, no princípio do ano o Instituto Butantan, o principal produtor de vacinas contra a gripe humana no Brasil, iniciou o desenvolvimento de um candidato a imunizante contra a influenza aviária causada pelo H5N1. “Nós já temos a cepa vacinal e estamos na fase inicial de produção dos bancos virais, que futuramente podem ser utilizados para inoculação em ovos e produção dos monovalentes”, afirmou Paulo Lee Ho, gerente de desenvolvimento e inovação de produtos do Butantan, em um comunicado publicado em março no site da instituição. “No momento, os testes estão sendo realizados com cepas vacinais cedidas pela OMS. O primeiro lote-piloto já está pronto para testes pré-clínicos. O Butantan possui estrutura para produzir novos produtos com autonomia e pretende utilizar a fábrica da influenza para desenvolver o novo imunizante”, informou a instituição por meio de nota enviada a Pesquisa FAPESP. O composto, no entanto, ainda precisa mostrar que é seguro e gera proteção em experimentos com animais, antes de começar a ser avaliado em seres humanos.
Enquanto não se consegue uma vacina humana contra o vírus, a saída é evitar situações que possam levar à infecção. Segundo os especialistas, ao encontrar uma ave silvestre doente ou morta, as pessoas não devem tocá-la, mas avisar as autoridades sanitárias – uma forma é notificar o Serviço Veterinário Oficial brasileiro pelo site. Para os avicultores, a orientação é evitar a entrada de visitantes nas instalações das aves, usar equipamentos de proteção (máscara, óculos e sapatos apropriados) durante o trabalho nas granjas e realizar a desinfecção de equipamentos e veículos. As aves também devem ser mantidas em ambientes totalmente telados para evitar contato com espécies silvestres.
Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais