Três anos após o desastre ambiental de Mariana, uma nova barragem da Vale do Rio Doce se rompeu, reativando discussão sobre o processo de licenciamento ambiental e a fiscalização
Fomos surpreendidos mais uma vez por imagens terríveis de um rio de lama tóxica invadindo uma cidade. A amplitude do desastre ambiental em Brumadinho (MG), onde três barragens de rejeitos de minério da Vale do Rio Doce se romperam na última sexta-feira (25), não deve ser tão grande quanto foi o de Mariana, em novembro de 2015, mas o custo humano se anuncia como um dos piores da história em acidentes desse tipo.
Os rompimentos causaram o vazamento de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que atingiram um afluente do rio Paraopeba, na Bacia do Rio São Francisco – onde tendem a desaguar, com um possível efeito sobre a distribuição de água de pelo menos um terço da população de Belo Horizonte no caminho. Por enquanto, já foram confirmadas 60 mortes, segundo boletim divulgado pelo Corpo de Bombeiros, que também reúne informações conjuntas da Defesa Civil, Polícias Militar e Civil. A área afetada é de cerca de 10 km lineares e mais de 4 km2.
Há outras 292 pessoas desaparecidas e as chances de encontrar sobreviventes são pequenas, já que as características da lama dificultam o resgate, segundo o porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas gerais, tenente Pedro Aihara. 192 pessoas foram resgatadas e 19 corpos já foram identificados.
Os rejeitos da Mina do Feijão, cujas barragens se romperam, atingiram uma área administrativa da Vale e a comunidade Vila Ferteco. A mineradora divulgou uma lista com centenas de funcionários e terceirizados que são possíveis vítimas da tragédia, que devastou também fazendas, casas e uma pousada.
A surpresa, porém, é mais da população que dos responsáveis. E a tragédia já estava anunciada. A falta de fiscalização adequada e o processo de licenciamento ambiental estão no centro do debate sobre tragédias como as ocorridas em Minas Gerais. As causas dos rompimentos em Brumadinho, que fica na região metropolitana de Belo Horizonte, ainda serão investigadas, mas o exemplo de Mariana serve como um alerta – e não é dos melhores.
Lama se espalha em Brumadinho, após rompimento de barragem na Mina do Feijão. Imagem: Corpo de Bombeiros/Divulgação
A Mina do Feijão, cujas barragens se romperam na última semana, havia passado por auditoria em 2018. A barragem de Fundão, em Mariana, também estava com sua licença em dia quando houve o rompimento e havia sido fiscalizada quatro meses antes do desastre. A Agência Nacional de Águas divulgou no final de 2018 seu mais recente relatório de barragens. Ao todo são 45 barragens com risco de rompimento – as de Brumadinho não estavam entre elas.
Após a tragédia de Mariana, foi apresentado em 2016 um projeto de lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais que propunha endurecer regras para o licenciamento ambiental e a fiscalização da atividade mineradora no estado. O texto foi elaborado pela Comissão Extraordinária das Barragens, que se formou após o rompimento em Mariana, e está parado na Assembleia há mais de um ano. No âmbito federal, a possibilidade de se aplicar mais rigor à Política Nacional de Barragens também parou no Senado.
De lá para cá, em termos de legislação ambiental, pouca coisa mudou, analisa o professor André Pereira de Carvalho, da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP, em entrevista ao Nexo. “Não houve mudanças significativas nesse período, mas houve muita pressão para que houvesse enfraquecimento da fiscalização, redução de etapas do licenciamento e mudanças na regulação ambiental como um todo. Uma pressão que veio de federações de empresas e órgãos como a Confederação Nacional da Indústria, por exemplo.”
O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, afirmou em entrevista à GloboNews na última sexta que a empresa verificou a segurança de todas as suas barragens após o desastre de Mariana. Agora, segundo ele, a Vale criou um grupo de trabalho que apresentará um plano para elevar o padrão de segurança das barragens da empresa para acima dos mais rigorosos padrões mundiais.
A promessa, porém, empaca na desconfiança de quem acompanha os desdobramentos de Mariana: o rio contaminado, a lama tóxica se espalhando até o oceano e a Samarco, que pertence à Vale, recorrendo do pagamento de indenizações e multas ambientais. Até hoje, nenhum responsável pela tragédia de Mariana foi punido e a maioria das vítimas ainda espera por reparação. Com Brumadinho, o debate se reacende, chamando atenção do poder público para a urgência de legislações ambientais adequadas.
Se o atual cenário político aponta para a proteção ambiental como um entrave aos negócios, a tragédia de Brumadinho deixa seu recado: o que se perde com a falta de fiscalização são vidas. Além disso, os rejeitos que escorreram pelas barragens ainda podem causar um dano imenso à saúde e ao abastecimento de água da região. E essa conta será paga pelos cofres públicos e, ela sim, há de afetar os negócios.
A Vale começa a sentir na pele: já teve mais de R$ 11 bilhões bloqueados pela Justiça, viu suas ações caírem mais de 20% e perdeu R$ 51,7 bi em valor de mercado após o novo desastre. Esse primeiro impacto econômico, porém, pode se dissipar, ao contrário da lama e das centenas de vidas cuja destruição se anuncia.