Pesquisadores da UFRJ descobrem três novas espécies em florestas da Mata Atlântica
Por Sidney Rodrigues Coutinho, da Conexão UFRJ | Bons olhos e um preparo adequado fazem toda a diferença para os entomologistas, biólogos especialistas em estudar os insetos e como eles se relacionam com o homem e a natureza. Sem receio de se embrenhar em meio a florestas tropicais para descobrir exemplares ainda desconhecidos, um grupo de pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da UFRJ revelou três novas espécies de vagalumes encontradas na Ilha Grande e no Parque Estadual da Pedra Branca, floresta urbana localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Com um artigo publicado na Revista Zookeys, no final de julho, Lucas Campello, Stephanie Vaz, José Mermudes, André Luiz Ferreira e Luiz Silveira apresentaram as três novas espécies de vagalumes: Memoan conani, Amydetes alexi e Amydetes marolae. As duas primeiras foram batizadas em homenagem a dois estudantes da UFRJ, que morreram muito cedo, contemporâneos dos pesquisadores: Alex Shomaker e Maurício Conan.
Na UFRJ há muito foco em trabalho de campo, de acordo com Stephanie Vaz, que revelou uma predileção pelas atividades que envolvam entrar em matas e passar perrengues necessários em acampamentos na busca de novos exemplares. “Aprendemos técnicas para ingressar em diversas partes da Mata Atlântica, que é o bioma em que estamos inseridos, ou regiões aquáticas, para fazer a coleta e depois analisar, catalogar e divulgar as espécies novas. É a melhor parte, apesar dos mosquitos, cobras e carrapatos”, disse ela.
De acordo com Lucas Campello, vagalumes há muito tempo são alvos de estudos por orientação dos professores José Mermudes, do IB, e Luiz Silveira, que hoje está dando aulas nos EUA. A descoberta de espécies novas é um acaso, mas há uma análise prévia dos pontos escolhidos para colocação de equipamentos de captura, como armadilhas especiais, chamadas de malaise trap. “O André Luiz, um dos autores da pesquisa, é guarda-parque no Pedra Branca. Ele já coletava insetos por lá, mas nos alertou sobre um hotspot no parque, pois focávamos muito na Floresta da Tijuca. Encontramos o Amydetes alexi (2017) e o Memoan conani (2019)”, contou Campello.
Já em 2018, foi encontrado o Amydetes marolae na Ilha Grande, lembrou Stephanie Vaz, que confidenciou que o nome da espécie é uma homenagem à namorada de Campello, Raquel Queiroz, que também é do IB. Ela ajudou na coleta do inseto e tem o apelido de “marola”. “Quando nós entramos na faculdade, ganhamos todos um apelido. Se homenageamos uma mulher, acrescentamos a letra ‘e’ ao final do nome e ‘i’ se for do sexo masculino, por isso ficou ‘Marolae’, ‘Alexi’ e ‘Conani’”, explicou Stephanie, conhecida também como ‘Fox’.
Muito a ser descoberto
É tão grande a riqueza de espécies presentes nos diversos biomas do planeta, que as estimativas mais otimistas apontam que apenas 30% delas já foram descritas. “A Mata Atlântica é um local de grande biodiversidade e muito rica para novas descobertas. Isso vale para o Brasil todo, em vários grupos. Assim, quando estudamos aqueles que não têm especialistas no país, como é o caso dos vagalumes da família Lampyridae, é normal que essa riqueza do número de espécies seja crescente. O Luiz Felipe Lima da Silveira, também autor do artigo, foi aluno da UFRJ desde a graduação e hoje está na Carolina do Norte. Em 2014, ainda no mestrado, ele descobriu outras 13 espécies novas e chegou a receber prêmios internacionais. Hoje, ele ajuda na formação de outros profissionais”, contou José Mermudes.
E para quem questiona o motivo de se caçar vagalumes para a pesquisa, Stephanie Vaz aponta logo diversos motivos: são indicadores da qualidade de vida nas matas, predadores de larvas de caramujos transmissores da esquistossomose, sensíveis à poluição luminosa e à urbanização desenfreada, e alguns têm enzimas específicas que ajudam nas estratégias de combate a doenças. “Há uma pesquisa da Universidade de São Carlos que avalia a capacidade de uma proteína a qual gera bioluminescência de vagalumes da espécie Amydetes vivianii, usada para detectar em amostras biológicas anticorpos contra o patógeno causador da Covid-19”, contou a pesquisadora.
Os vagalumes são espécies de besouros peculiares que emitem luz, uma forma de avisar aos predadores que não deveriam ser ingeridos devido à toxicidade ou para se comunicar e facilitar a cópula na própria espécie. “Esses Amydetes têm características morfológicas distintas, que vão desde o número de segmentos das antenas ao órgão de bioluminescência. Nos nossos estudos, analisamos também o comportamento da espécie, o horário que podem ser encontrados na natureza, se exalam algum aroma e a duração ou número de vezes em que piscam. Em nosso artigo, fizemos uma nova descrição também de Magnoculus obscurus, outro gênero cuja fêmea jamais foi descoberta”, ressaltou Lucas Campello.
Para os pesquisadores, é essencial preservar as áreas remanescentes de Mata Atlântica em todo o estado do Rio de Janeiro. O Parque Estadual da Pedra Branca, por exemplo, sofre muita pressão imobiliária e são necessárias políticas públicas para conservação das espécies tanto da flora quanto da fauna. “Muitas espécies estão sendo extintas sem que tivéssemos a oportunidade de conhecer”, concluiu Stephanie Vaz.
Este texto foi originalmente publicado por Conexão UFRJ de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.