Os cachorros de raça são aqueles criados para manter certas características específicas. A influência humana na criação desses animais ocorre desde o início da domesticação dos cães, quando eles exerciam funções como a caça e a guarda.
A partir disso, o ser humano passou a perceber quais tipos de cachorro mantinham as características mais “desejáveis” para essas funções e passou a forçar o cruzamento entre espécies, o que resultou nos cachorros de raça.
Em dias mais atuais, os cães passaram a ter outras funções ao lado do ser humano e são, muitas vezes, apenas animais de estimação que servem de companhia para seus tutores. Enquanto o cruzamento entre cães de uma mesma raça não terminou com essa adaptação, ele possui outro propósito — manter características físicas que deixam alguns cachorros mais “fofos” ou “bonitos”.
No entanto, o cruzamento de raças atingiu níveis que comprometem a saúde e o bem-estar animal, além de contribuir para diversos tipos de anomalias genéticas responsáveis pelo sofrimento dos cachorros de raça. De fato, uma pesquisa entre as 50 raças mais comuns no Reino Unido comprovou que todas as raças de cachorro analisadas possuem pelo menos um tipo de anomalia genética.
Mas, afinal, o que essas anomalias causam? E por que elas podem interferir na saúde dos animais?
Problemas genéticos são causados pela falta da diversidade de genes das raças, o que pode causar problemas de saúde nos animais. Entre esses problemas estão condições como o câncer e a cegueira, ambas influenciadas pela genética dos cachorros.
Entretanto, essas não são as únicas condições apresentadas por cachorros de raça. A diferença na anatomia dos animais também pode proporcionar outros problemas de saúde.
Cachorros de raça ou de pedigree podem sofrer com diversas condições resultantes da reprodução seletiva forçada por seus criadores. Muitas delas estão relacionadas diretamente à aparência e fisionomia dos animais.
Confira quais partes do corpo dos cachorros de raça podem gerar desconforto ou problemas de saúde graves:
“Raças como pug, bulldog francês, bulldog inglês e shih-tzu são os famosos braquicefálicos, ou seja, animais com o focinho encurtado. Essa característica deixa os animais com uma carinha “fofa”, porém, vem acompanhada de diversos problemas, como a dificuldade para respirar — o que os torna mais propensos a problemas respiratórios. Com isso, também, se tornam muito sensíveis ao calor, afinal uma das principais formas de regular a temperatura dos cães é através da respiração.” Explica o médico veterinário Eduardo Serafim.
“Além disso, esses animais podem apresentar estenose de narina, condição na qual a narina nasce fechada ou com o tamanho reduzido dificultando a passagem de ar. Também é comum haver aumento de palato mole, que acaba entrando na epiglote durante a respiração e causa desconforto no pet”, complementa Eduardo.
Além dos problemas de respiração, os cachorros de raça com essas características apresentam problemas oftalmológicos resultantes do formato dos olhos. Por se sobressaírem do crânio dos cães, os olhos desses animais tendem a ficar mais secos, o que pode resultar em infecções.
Por outro lado, a reprodução seletiva para manter essas características também dificulta o parto de cachorros braquicéfalos e pode ameaçar a vida das fêmeas.
“Pelo formato anatômico de ter uma cabeça grande e ombros largos, muitas fêmeas não conseguem realizar o parto normal, sendo necessário uma cesária”, finaliza o especialista.
Além dos problemas físicos derivados da manipulação humana na genética dos cachorros de raça, muitos desses animais também podem apresentar outros tipos de condições, como:
Além do preço pago para os criadores dos cachorros de raça, existem outras despesas a serem consideradas por tutores desses cães. Muitas vezes, com esses problemas de saúde, as idas ao veterinário são mais frequentes e podem ter um preço fixo mensal a ser pago pelos tutores.
Esse é o caso de Vitória, tutora de uma bulldog inglesa chamada Brigitte. De acordo com Vitória, que adotou a Brigitte depois que seu tutor inicial não pode arcar com os desafios apresentados pela cadela, ela mantém um custo mensal de R$ 800 em idas ao veterinário, medicamentos e rações especiais pelas condições desenvolvidas pelo cachorro.
“Essa raça [bulldog inglês] tem problemas respiratórios por ser braquicefálica, problemas cardíacos, problemas de pele incontáveis (…) Ela [Brigitte] já rompeu o ligamento cruzado dos dois joelhos, já colocou pino e placa, já fez três cirurgias no joelho. Já teve uma úlcera ocular, teve que operar o olho duas vezes porque teve uma infecção de rebote e quase perdeu a vista. Ela tem um desvio no intestino para a bexiga que, embora rara, é comum nessa raça. Esse desvio faz com que ela tenha uma reinfecção de E. coli praticamente todo mês e tenha que usar antibióticos, já que a condição da Brigitte é inoperável”, disse Vitória.
Embora os custos possam desencorajar muitos tutores, outros ainda possuem condições financeiras para arcar com essas despesas. No entanto, é importante notar que a qualidade de vida desses animais também é comprometida.
“É uma raça que tem uma qualidade de vida péssima. Eles sofrem demais”, completa a tutora.
Em todo o País, há criadores comerciais de animais de estimação e criadores de quintal que produzem milhares de raças de cachorro para venda em pet shops e outros meios, como a internet. Frequentemente conhecidas como fábricas de animais, essas instalações fecundam repetidas vezes as cadelas reprodutoras, que passam a vida inteira enjauladas, em condições degradantes, machucadas e sem a companhia humana.
Esses animais costumam viver em ambientes com terríveis condições de higiene e são forçados a reproduzir o tempo todo, o que causa doenças sérias como câncer e depressão canina. As cadelas, quando deixam de se tornar ativas, são mortas ou deixadas para morrer.
Além disso, muitos cachorros de raça não podem ser criados a partir da reprodução natural, que é o caso dos bulldogs ingleses, como a Brigitte. Desse modo, criadores de quintal inseminam as fêmeas com seringas com o sêmen dos machos, muitas vezes da mesma família — o que contribui para anomalias genéticas e a perpetuação de problemas de saúde. A partir da gestação, as fêmeas dão o parto através de uma cesariana, comprometendo o bem-estar animal e aumentando as chances de outras complicações.
Frente aos desafios e ao sofrimento enfrentado por cachorros e outros animais de raça, a Holanda trabalha na proibição da venda desses pets. Enquanto a primeira proibição ocorreu em 2014, quando a venda nacional de cães de raça foi interrompida pelo governo, o país também resolveu banir a sua importação em 2023.
“Tornamos a vida de animais inocentes miserável, simplesmente porque pensamos que eles são ‘bonitos’ e ‘fofos’. É por isso que hoje estamos dando um grande passo em direção a uma Holanda onde nenhum animal de estimação tenha que sofrer com sua aparência” disse Piet Adema, ministro da Cultura, Natureza e Qualidade Alimentar do país, em um comunicado.
Sabendo do sofrimento animal que pode estar envolvido em mercados de criadores, muitos tutores não se sentem confortáveis com a compra de cachorros de raça. No entanto, a adoção é uma forma ética de obter um animal de estimação para companhia.
Muitas ONGs e instituições ajudam no resgate de milhares de animais abandonados e sem lar que precisam do carinho de possíveis tutores. Portanto, para evitar a formação de criadores antiéticos e a criação de cachorros de raça que sofrem de problemas congênitos, evite a compra de animais e adote um animal sem raça definida (SRD).
Veja a nossa matéria sobre adoção de animais e contribua para quebrar o ciclo de sofrimento dos pets:
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