O cacto mandacaru (Cereus jamacaru), também conhecido como cardeiro, é um dos símbolos da Caatinga. Nativo do Brasil, o mandacaru se espalha pelo semiárido nordestino e também é encontrado ao norte de Minas Gerais.
Em 1648, o uso terapêutico do mandacaru foi registrado pela primeira vez. Dois naturalistas, o holandês Wilhelm Piso e o alemão Georg Marggraf, publicaram os benefícios do cacto brasileiro, além de estudos de outras espécies de flora e fauna, na obra Historia Naturalis Brasiliae.
Essa espécie de cacto cresce em solos pedregosos e ricos em minerais, típicos da Caatinga. O mandacaru é uma planta arbórea com caules poligonais (com vários lados, lembrando um polígono), cheios de espinhos, que pode atingir até 10 metros de altura. Exatamente por ser espinhosa, a espécie foi batizada como mandacaru, palavra da língua Tupi, que significa “feixe cheio de espinhos”.
A planta cactácea também dá flores e frutos comestíveis. Suas flores brancas e grandes são polinizadas por mariposas da espécie Sphingidae. A floração ocorre durante a primavera, de outubro a dezembro. Também conhecida como flor da noite, a flor do mandacaru desabrocha ao anoitecer e murcha no início da manhã.
Uma crença sertaneja conta que sempre que uma flor do mandacaru desabrocha, é um sinal dos céus de que a chuva virá para o sertão. Luiz Gonzaga, em 1953, cantou a lenda nos primeiros versos de O Xote das Meninas.
No início do verão chegam os frutos, com grossas cutículas em tons de laranja e vermelho, que evitam a perda de água. A polpa é branca e apresenta um bonito contraste com as pequenas sementes pretas.
No século 17, o mandacaru já era utilizado tanto como alimento, quanto para fins medicinais, por não apresentar toxicidade. A planta era usada, principalmente, para tratar doenças estomacais, biliares, cardíacas e febre.
Um grupo de pesquisadoras brasileiras reuniu estudos e publicações científicas, relacionados aos diferentes usos do cacto mandacaru, desde a publicação da Historia Naturalis Brasiliae.
A análise considerou 555 coleções botânicas, com estudos de amostras coletadas nas cinco regiões do Brasil. Entretanto, cerca de 87.5% dos estudos se basearam em amostras de mandacaru coletadas na região nordeste.
O resultado, dividido em categorias, mostra uma enorme variedade de aplicações. O mandacaru foi citado, principalmente, como tratamento para doenças do trato urinário e do sistema digestivo. Além disso, o cacto também foi indicado no tratamento de doenças cardiovasculares, do sistema respiratório e do sistema reprodutor feminino.
Já na medicina popular, comum em regiões com comunidades tradicionais, a planta é utilizada amplamente em diversas doenças. Alguns estudos também mostraram que o caule do mandacaru apresenta propriedades antimicrobianas, vasodilatadoras, anti-inflamatórias e antiparasitárias.
De acordo com pesquisadores da Paraíba, o uso do mandacaru, como fitoterápico, é produzido e aplicado de acordo com a indicação terapêutica. Podem ser feitas infusões com partes do cacto e tomadas em forma de chá, ou ainda em banhos de assento. Ainda, os remédios naturais também são feitos com a polpa do mandacaru, cozida, ou em infusões, com açúcar e água, formando xaropes, entre outros preparos.
Apesar das diversas aplicações medicinais, o cactáceo também foi apontado como alimento, tanto humano quanto para animais. De acordo com a publicação, o mandacaru é um dos principais alimentos para os rebanhos de ruminantes. Bois, cabras e outros animais, criados em fazendas pecuaristas, se alimentam dos ramos do mandacaru, depois de queimados os espinhos, durante os períodos de seca no Nordeste.
O caule do mandacaru é composto por cerca de 45.52% de açúcares e amido (extrativos não nitrogenados, ENN). O restante é formado por 16.22% de fibra bruta (indigerível), 15.84% de água, 10.72% de proteína bruta, 10.66% de resíduo mineral e 1.04% de extrato etéreo (lipídios).
Flores e frutos também servem de alimento, para humanos e outros animais, como pássaros, morcegos, vespas frugívoras e abelhas.
Uma pesquisa, realizada pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), comprovou que o fruto do mandacaru é fonte de nutrientes e antioxidantes. Além disso, o valor protéico de sua polpa mostrou ser maior do que de frutas como ameixa, caju, melancia e goiaba.
Já as sementes provaram ser uma fonte abundante de nutriente de reserva e uma fonte de gordura para a polpa do fruto.
Por outro lado, uma porção de 100 mg do fruto oferece menos de 10% da recomendação diária de vitamina C (para adultos saudáveis). A casca ainda apresentou 25% mais teor de vitamina C do que a polpa do fruto.
Em compensação, a mesma porção pode melhorar em 20% o consumo médio diário de compostos fenólicos, que trazem importantes benefícios à saúde, com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.
Já há algumas décadas a ciência tem explorado as propriedades do mandacaru. A planta, além de ser acessível, apresenta importantes características para usos terapêuticos. Outro benefício importante do mandacaru é sua aplicação no tratamento de água.
A eficiência do mandacaru no tratamento de água tem sido estudada por diversos cientistas brasileiros há alguns anos. Não só o mandacaru, mas outras espécies do gênero Cactaceae têm sido exploradas como alternativas naturais aos aditivos químicos.
Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), analisaram e comprovaram a eficácia do cereus jamacaru processado, como um biossorvente.
Um biossorvente é um composto biológico, feito de algum tipo de biomassa, capaz de remover poluentes orgânicos durante o tratamento da água.
Seja por reações químicas ou físicas, as superfícies das biomassas utilizadas demonstram a capacidade de aderir ou absorver os poluentes, presentes na água. As biomassas utilizadas podem ter diferentes origens, derivadas de resíduos agrícolas, plantas, biopolímeros, entre outros.
Segundo o estudo, o mandacaru se mostrou um biossorvente eficiente do corante Fucsina Básica (FB), amplamente utilizado na indústria têxtil, entre outras aplicações.
O biossorvente foi desenvolvido a partir de amostras do cacto mandacaru transformadas em pó. Em um processo de baixo custo, o desenvolvimento do produto envolveu cortar, lavar e secar as amostras em altas temperaturas, para então triturar e peneirar o pó formado.
O pó foi misturado a uma solução aquosa com o corante. A resposta do biossorvente foi rápida e, de acordo com os pesquisadores, o tratamento da água levou duas horas e meia, removendo 90% da coloração.
Além disso, alguns outros estudos, incluindo uma pesquisa realizada pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), também comprovaram a eficácia do mandacaru no tratamento de águas barrentas de açudes e na substituição de coagulantes químicos, como o sulfato de alumínio.
O sulfato de alumínio é um composto comum, utilizado nas estações de tratamento de água. Entretanto, a substância pode gerar uma série de impactos negativos à vida aquática.
Por outro lado, o uso da pectina, uma parte entre o miolo e a casca do mandacaru, mostrou uma eficácia de mais de 90% na redução da turbidez das amostras de água. As amostras foram recolhidas no açude Dourado, na cidade de Currais Novos, no Rio Grande do Norte.
Os avanços científicos, além de promoverem alternativas naturais que evitam a poluição e outros impactos ambientais, também geram impacto social. O tratamento de água, a partir do mandacaru, colabora diretamente com a qualidade de vida da população que habita as regiões de sertão do país.
O mandacaru provou ter múltiplas funções e aplicabilidades, ao longo das décadas. Mais uma dessas utilidades está relacionada à construção de biomateriais e estruturas.
Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) desenvolveram um material a partir de resíduos do caule do cacto mandacaru. O processo de desenvolvimento do biomaterial utiliza caules de mandacaru que, após a retirada da polpa para alimentação animal, são descartados.
Os caules fibrosos, tem seus miolos esponjosos retirados. Já limpos, os caules passam dias expostos ao Sol, para o processo de secagem. A etapa seguinte consiste na moagem dos caules e peneiramento do pó formado.
Além disso, uma substância ligante é produzida a partir de uma mistura aquecida de água, suco da polpa do mandacaru, amido de milho e vinagre de álcool. A mistura do pó com o ligante resultou numa biomassa, utilizada para a modelagem do protótipo de novos materiais.
A pesquisa, que iniciou em 2022, já resultou em estruturas leves, com bons índices de rigidez e resistência mecânica. Uma vez que foram desenvolvidas em processos não laboratoriais, os resultados indicam um alto potencial e um futuro promissor, para a aplicação do mandacaru em bioestruturas de origem natural.
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