Apesar das circunstâncias desafiadoras, a meta de 90% de cobertura vacinal, necessária para garantir a imunidade coletiva, foi atingida
A primeira fase de uma campanha internacional de vacinação contra a poliomielite na Faixa de Gaza foi concluída em setembro, imunizando cerca de 560 mil crianças em meio a pausas humanitárias pontuais no conflito armado. Essa campanha é uma resposta urgente ao surto do vírus na região, agravado pelas condições de guerra e pela falha de estratégias globais de erradicação. O caso de um bebê de 10 meses paralisado pelo vírus, o primeiro em 25 anos, serviu de alerta para as autoridades de saúde, confirmando que o poliovírus, anteriormente detectado em esgoto de Gaza, já estava circulando entre a população.
Apesar das circunstâncias desafiadoras, a meta de 90% de cobertura vacinal, necessária para garantir a imunidade coletiva, foi atingida. No entanto, a erradicação completa do vírus depende de uma segunda dose, que deve ser aplicada a todas as crianças. O cenário é ainda mais alarmante se considerado que, antes do início dos conflitos, 99% da população estava imunizada contra a pólio, mas esse número caiu para 86% devido ao bombardeio israelense, que destruiu dois terços dos hospitais e forçou o deslocamento de quase dois milhões de palestinos.
As condições de insalubridade em Gaza, com a escassez de água potável e esgoto correndo a céu aberto, favorecem a disseminação do vírus, que se espalha principalmente pelo contato com fezes e, em locais superlotados, por meio de tosse e espirros. O risco é ainda maior para crianças nascidas após a interrupção do sistema de saúde local, já que muitas não receberam vacinas de rotina, tornando-as vulneráveis a paralisia e outros efeitos graves.
O caso de Gaza ilustra um problema global maior: a falha na contenção do poliovírus em áreas vulneráveis. Em 2023, uma variante do tipo 2 do vírus, derivada da vacina oral, cruzou a fronteira do Egito para Gaza. Embora a vacina oral seja eficaz e acessível, seu uso em populações não totalmente imunizadas pode causar surtos de poliovírus vacinal. O desafio é grande, visto que em várias partes do mundo, incluindo Moçambique, Malawi, Londres e Nova York, o poliovírus voltou a emergir após anos de controle.
Especialistas debatem as melhores formas de erradicar a poliomielite de maneira eficaz. Enquanto alguns defendem o retorno à vacina oral trivalente, outros sugerem uma combinação de vacinas ou o desenvolvimento de uma versão mais segura, como a nOPV2, que reduz as chances de mutação do vírus. Mesmo com avanços na formulação da vacina, o uso de vacinas orais ainda gera controvérsias devido aos riscos associados.
A importância da campanha em Gaza não se limita às fronteiras do território. Se falhar, o vírus pode se espalhar para países vizinhos, e o surgimento de novas variantes vacinais torna a erradicação global ainda mais difícil. Para as autoridades de saúde, monitorar cuidadosamente as concentrações do vírus no esgoto e os casos reportados na região é essencial para evitar que o problema fuja do controle.
Se a campanha for bem-sucedida, será um marco histórico não apenas para as crianças de Gaza, mas também para o esforço global de erradicação da poliomielite. No entanto, enquanto a guerra continua, o acesso aos cuidados de saúde permanece limitado, e a população, em especial as crianças, continua exposta a doenças como sarampo, cólera e pneumonia, além do risco constante de desnutrição e morte por bombardeios.
Gaza, mesmo diante da ameaça da poliomielite, enfrenta desafios muito maiores, e a vacinação é apenas uma pequena parte da luta por sobrevivência e saúde em meio à destruição.
Fonte: Scientific American