Campos Rupestres abrigam bactérias capazes de capturar e disponibilizar fósforo para plantas

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Por Paula Drummond de Castro, do Jornal da Unicamp | Pesquisadores encontraram uma diversidade inédita de microrganismos altamente especializados em capturar e reciclar o fósforo disponível nos Campos Rupestres — um hotspot de biodiversidade no Brasil. A descoberta abre caminho para o desenvolvimento de novas soluções biotecnológicas agrícolas visando a aumentar a absorção de fósforo por cultivares agrícolas e, simultaneamente, reduzir o uso de fertilizantes químicos.

A pesquisa foi publicada dia 19 de dezembro pelos pesquisadores do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC) — um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela Unicamp e pela Embrapa e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Situados na região central do Brasil, os Campos Rupestres são considerados um hotspot da biodiversidade, porque concentram espécies únicas e que atualmente estão ameaçadas por atividades de mineração e pecuária. “O solo desse ecossistema é extremamente pobre em fósforo e muito ácido, em razão das condições geológicas. Apesar disso, esse ecossistema abriga quase 15% da diversidade vegetal brasileira, o que nos intrigou muito, já que aparentemente trata-se de um ambiente hostil para o desenvolvimento de plantas”, explica Isabel Gerhardt, pesquisadora da Embrapa Agricultura Digital e do GCCRC e uma das autoras do estudo.

Fungos presentes na raiz ajudam a planta a absorver nutrientes do solo (Foto: Rafael Souza /GCCRC)

“Já se estudou muito sobre a fisiologia dessas plantas com o objetivo de entender como elas crescem nesse ecossistema, mas, pela perspectiva de nutrição associada com os microrganismos, é a primeira vez”, diz Antônio Camargo, primeiro autor do estudo desenvolvido durante seu doutorado no GCCRC com bolsa Fapesp.

Os nutrientes do solo nem sempre estão em uma forma que as plantas conseguem absorver, mas os microrganismos são capazes de tornar esses nutrientes solúveis para a absorção pelas plantas. Um exemplo é a micorriza, um grupo de fungos que se estabelece na raiz e ajuda a planta a absorver nutrientes do solo, e o Bradyrizobium, uma bactéria que ajuda a planta a absorver nitrogênio.

No caso do fósforo, já se sabe que sua absorção é intermediada por microrganismos. O diferencial do estudo do GCCRC foi encontrar grande diversidade e abundância de bactérias altamente eficientes em disponibilizar fósforo para a planta em um ambiente onde esse elemento está pouco disponível. “Encontramos muitas famílias de bactérias associadas ao fósforo com cerca de 25% mais de genes de solubilização do nutriente do que as até então catalogadas”, explica Camargo.

Para chegar a estas conclusões, os pesquisadores estudaram duas plantas da família Velloziacea, típicas dos Campos Rupestres. Uma delas cresce no solo, e a outra, na rocha. Eles coletaram amostras das plantas, do solo e das rochas para analisar os microrganismos presentes. Todo o material genético foi sequenciado e comparado com bancos públicos de genomas microbianos.

Ao todo, foram identificados 522 genomas, dos quais metade eram novos para a ciência. O estudo adicionou 21 novas famílias de bactérias. Alguns filos pouco estudados estão significativamente expandidos, como são os casos dos filos Eremiobacterota e Acidobacteria. Ao comparar os genomas das bactérias das plantas que cresceram em rocha e no solo, os pesquisadores constataram que se trata de comunidades bem diferentes que, contudo, compartilham sobreposições de espécies. “O mais interessante é que as bactérias associadas ao fósforo tendem a ser compartilhadas entre as duas plantas e são muito abundantes”, complementa Camargo.

O grupo também analisou se o elevado número de genes relacionados à solubilização de fósforo das bactérias dos Campos Rupestres era uma característica geral das famílias ali descritas. Para isso, os cientistas compararam a frequência destes genes com as bactérias evolutivamente relacionadas, mas encontradas em outros lugares. “Descobrimos que as bactérias dos Campos Rupestres de fato tendem a ter mais genes de solubilização de fósforo”, explicou Camargo.

Na busca por este nutriente raro no ambiente, as plantas também fazem sua parte. Os pesquisadores mostraram que elas secretam em suas raízes soluções que atraem as bactérias. “As plantas recrutam microrganismos que solubilizam fósforo, secretando em suas raízes compostos orgânicos como aminoácidos e ácidos orgânicos que recrutam os microrganismos”, explicam os autores.

“Estes resultados nos mostram que os Campos Rupestres abrigam um repertório genético enorme e ainda pouco conhecido pela ciência. Toda essa informação pode gerar ativos tecnológicos valiosos em um modelo de bioeconomia”, complementa Gerhardt. “Essa é mais uma razão para buscarmos o uso sustentável dessas áreas e a preservação da biodiversidade ali existente”, finaliza a pesquisadora.

Biotecnologia sustentável

Uma das expectativas de desdobramento do estudo publicado é ajudar a selecionar bactérias solubilizadoras de fósforo para embasar novas tecnologias de biofertilizantes agrícolas.

O fósforo é um dos três macronutrientes mais utilizados na adubação de lavouras no Brasil e com menores índices de aproveitamento pelas culturas agrícolas nos solos tropicais brasileiros. Cerca de 55% dos fertilizantes fosfatados são importados, sobretudo das minas do Marrocos, mas também da Rússia, do Egito, da China e dos Estados Unidos.

Atualmente, para o produtor manter as altas produtividades no campo, é preciso adicionar fertilizantes fosfatados, o que provoca impactos econômicos e ambientais. “Vemos, nesta descoberta, a possibilidade de desenvolver um bioproduto para enfrentar pelo menos três questões importantes para o país. A primeira é a redução da dependência externa de suprimento deste fertilizante, que mostrou sua vulnerabilidade com a guerra da Ucrânia. A segunda é o fato de o fósforo ser um recurso mineral não renovável, que está se esgotando. Por fim, o terceiro ponto é a emissão de gases de efeito estufa. Para cada quilo de fertilizante fosfato, é emitido um quilo de gases de efeito estufa” pontua Rafael Souza, pesquisador associado do GCCRC e um dos autores do artigo. Souza é cofundador da Symbiomics, startup brasileira de biotecnologia focada no desenvolvimento de biológicos de nova geração.

Inspirações para o uso de biofertilizantes já existem. Hoje, 80% da área plantada de soja no país faz uso de biofertilizantes. Isto representa uma economia de aproximadamente US$ 10 bilhões em fertilizante nitrogenado.

“Esse trabalho mostra que, aqui, no Brasil, podemos utilizar a biodiversidade para encontrar soluções mais sustentáveis para a produção de alimentos”, finaliza Souza.

Sobre o GCCRC

O Centro de Pesquisa Genômica para Mudanças Climáticas (GCCRC) é um Centro de Pesquisa conjunto Embrapa/Unicamp, cuja missão principal é a criação de ativos biotecnológicos por meio da genômica aplicada à adaptação de cultivos aos estresses associados às mudanças climáticas. O GCCRC construiu e expandiu a Unidade Conjunta de Pesquisa em Genômica Aplicada à Mudança do Clima (UMiP GenClima), uma iniciativa entre Embrapa e Unicamp estabelecida em 2012. O GCCRC reuniu cientistas em um laboratório de ponta financiado pela FAPESP por meio do programa Centros de Investigação em Engenharia (ERC) e do Programa de Apoio Microbioma, financiado pelo programa de investigação e inovação Horizon 2020 da União Europeia.


Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Unicamp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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