Governo argumenta que há muita energia e que mais um leilão iria onerar consumidor. Associação rechaça hipótese
A indústria eólica recebeu, com muita surpresa, em 14 de dezembro, a notícia sobre a decisão de cancelamento do Leilão de Reserva (2º LER 2016), agendado para 19 de dezembro, para contratação de energia eólica e solar. “Num momento em que o próprio governo sinaliza com um grande pacote de medidas para estimular a retomada de investimentos, é um grande contrassenso desmobilizar uma indústria jovem, montada com investimentos altíssimos nos últimos anos, que inclusive não precisa de pacote e que tem registrado crescimento consistente, com geração de 41 mil empregos no ano passado e outros 30 mil neste ano. Em nossas previsões, que eram bastante modestas, de contratação de cerca de 1 GW no leilão de segunda, colocaríamos mais R$ 8 bilhões de investimento e pelo menos mais 15 mil empregos na cadeia produtiva”, avalia a presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum.
A cadeia produtiva eólica já investiu mais de R$ 65 bilhões em novos projetos eólicos e hoje conta com uma produção 80% nacionalizada, com seis fabricantes de aerogeradores, quatro de pás eólicas e mais de mil fornecedores de outros componentes. “Há grandes empresas internacionais que vieram para o Brasil, montaram fábricas e trouxeram empregos. Importante entender que, no mercado de energia eólica, uma energia contratada hoje vai gerar contratos e empregos para as fábricas nos dois anos seguintes. Como tivemos uma contratação baixa em 2015, teremos fábricas mais ociosas já em 2017. Com contratação zero em 2016, teremos fábricas praticamente paradas em 2018. Grandes empresas não vão continuar no Brasil com fábricas vazias. Corremos um grave risco de desmobilização da cadeia produtiva e isso é um golpe quase mortal numa indústria jovem, promissora e que hoje gera a energia mais competitiva do país, não contando obviamente as grandes hidrelétricas, que possuem restrição para novos projetos. É uma decisão que não guarda coerência com outras movimentações do governo de garantir retomada de investimentos e da economia”, analisa a executiva.
Abeeólica refuta argumentos do governo
O argumento do governo para o cancelamento do leilão é o de que existe sobra de energia, que a Abeeólica refuta pelos seguintes motivos:
1. Quando analisamos a “sobra”, é importante saber qual é o preço e qualidade desta sobra. Se considerarmos termoelétricas, por exemplo, o que o governo fez hoje foi deixar de contratar uma reserva da energia mais competitiva, optando por eventualmente utilizar-se da energia mais cara.
2. Leilão de reserva é uma decisão de governo para planejamento estratégico e, ao analisarmos o cenário amplo, nos parece que a decisão foi incoerente. Em primeiro lugar, porque é imprescindível considerar o tempo necessário para se mobilizar energia. Um leilão de energia não serve para resolver a demanda de amanhã ou da próxima semana, mas para planejar de forma eficiente o que vamos consumir no futuro. Esse é o conceito de segurança energética. E o Brasil precisa começar a praticá-lo. Não ter considerado esta questão de forma rigorosa no passado já nos levou à graves crises de abastecimento, sendo que a última resultou num gasto exorbitante pelo acionamento das termoelétricas. Fazer planejamento considerando o conceito de segurança energética é ainda mais importante neste momento de intensa agenda governamental para promover a retomada do crescimento, com sinalização de novos investimentos em infraestrutura, por exemplo. Neste sentido, o leilão de reserva para contratação de energia eólica era indispensável para assegurarmos uma contratação que será profundamente necessária na inevitável e tão esperada retomada do crescimento brasileiro, ainda que ela aconteça numa velocidade reduzida. Além do mais, é fundamental que se analise a condição de suprimento do mercado como um todo, considerando inclusive as dimensões risco e custo de total de operação. “Vamos voltar para nosso histórico pêndulo de “falta-sobra” de energia por falta de uma análise mais ampla no planejamento. É óbvio que se olharmos apenas o PIB do ano que vem e se estivéssemos falando de um leilão A-3 e A-5, pode-se concluir que um leilão não seria necessário agora, mas se analisarmos o cenário macro de intenção de atrair investimentos e retomar atividade econômica, dar sinais positivos para os investimentos e fazer planejamento considerando segurança energética e energia competitiva, cancelar o leilão de reserva foi um grande erro”, avalia a executiva.
Também é um argumento do governo o fato de que a contratação do leilão de reserva poderia onerar o consumidor, por meio do Encargo de Energia de Reserva (EER). “Não há sentido em afirmar isso pelo seguinte: do ponto de vista comercial, a contratação energia de reserva leva a um aumento do EER. Todavia, é importante notar que o EER de uma eólica pode funcionar como um seguro, na medida em que reduz a probabilidade de acionamento de termoelétricas com preços mais elevados. Dessa forma, em um período de hidrologia desfavorável, o aumento da tarifa decorrente do acionamento da bandeira amarela ou vermelha pode ser bem maior que o EER. Lembrando que estamos presenciando a pior hidrologia desde que se começou a medição do ONS. As eólicas, por exemplo, têm sido fundamentais para abastecimento do nordeste, especialmente considerando o baixo nível do reservatório de Sobradinho”, avalia a executiva.