Plantas nativas que curam e sustentam: o valor das herbáceas na proteção do Cerrado
Menos conhecidas que as árvores de troncos retorcidos e as gramíneas ondulantes que caracterizam o Cerrado, as plantas herbáceas não graminoides desempenham um papel essencial na manutenção desse bioma, garantindo biodiversidade, armazenamento de carbono e serviços ecossistêmicos, como alimentos e remédios. Essas espécies, frequentemente negligenciadas em estudos ambientais, sustentam não apenas a flora e fauna locais, mas também comunidades humanas que delas dependem.
Pesquisadores de vários países, em um estudo publicado na Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics, destacaram que até 70% do estrato herbáceo de algumas regiões do Cerrado é composto por essas plantas. Com sistemas subterrâneos volumosos e resilientes, como rizomas e xilopódios, elas suportam secas, herbivoria e incêndios frequentes, regenerando-se rapidamente após queimadas e contribuindo significativamente para a retenção de carbono. O armazenamento subterrâneo de biomassa pode superar o acima do solo em até 1,5 vez, garantindo estabilidade ao ecossistema frente à emergência climática.
Entre as espécies nativas, destaca-se o capim-dourado, usado em artesanato sustentável, e plantas medicinais como a macela, de propriedades anti-inflamatórias, e a paratudo, eficaz contra febres e gripes. Outros exemplos incluem a catuaba, conhecida como tônico do sistema nervoso, e o assa-peixe, amplamente usado como diurético. Já espécies frutíferas como o araticum-rasteiro e o gravatá enriquecem a dieta de comunidades locais e promovem a conservação da biodiversidade.
Apesar de sua importância, essas herbáceas sofrem ameaças crescentes. A expansão agrícola e a introdução de gramíneas exóticas destroem suas estruturas subterrâneas, inviabilizando a recuperação natural. Atividades como a aração profunda eliminam a capacidade regenerativa dessas plantas, comprometendo o bioma. Com 46% do Cerrado já convertido para uso agrícola, resta à pesquisa apontar caminhos para sua restauração.
Queimadas controladas, por exemplo, têm mostrado potencial para estimular a floração de espécies nativas, promovendo paisagens vibrantes e ecossistemas equilibrados. Ainda assim, a integração de herbáceas em projetos de restauração é frequentemente negligenciada, com maior foco em árvores e gramíneas. Iniciativas como plantio de espécies nativas, semeadura direta e translocação de solo rico em sementes podem garantir resultados mais eficazes, embora demandem altos custos.
A utilização dessas plantas também desponta no paisagismo urbano, com espécies como orquídeas terrestres sendo incorporadas a áreas verdes. Essa abordagem promove polinizadores e valoriza uma estética natural condizente com o bioma. Além disso, o comportamento de herbívoros na África, que consomem essas plantas para alívio de doenças, sugere um potencial terapêutico ainda inexplorado.
Combinando saberes tradicionais e avanços científicos, a conservação das herbáceas não graminoides desponta como um desafio vital para o futuro do Cerrado e dos serviços ecossistêmicos que ele proporciona. A adoção de práticas de manejo sustentável e a valorização desse grupo de plantas são passos fundamentais para proteger um dos biomas mais ameaçados do mundo.