Por Rodrigo Choinski em UFPR Ciência — Calcula-se que a cada ano sejam produzidas quase 6 milhões de toneladas de cascas de ovos no mundo. Dar uma destinação adequada a este material, rico em cálcio, é a ideia por trás de um projeto desenvolvido no Laboratório de Química de Materiais Avançados (Laqma) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que resultou em um fertilizante, que além do reaproveitamento do material demonstrou ter vantagens para a produção agrícola e para o meio ambiente.
A principal novidade do projeto do Laqma é a forma de produção do fertilizante desenvolvida pelos pesquisadores, tornando-a mais eficiente que outras formas de aproveitamento deste tipo de resíduo. A técnica utiliza um processo de moagem mecanoquímico, em que os materiais reagem para formar novos produtos por meio da energia térmica e de fricção da própria moagem.
A casca é colocada em um moinho de esferas de alta energia juntamente com fosfatos de potássio, que reagem para formar novos compostos capazes de fornecer fósforo, cálcio e potássio, três componentes essenciais para o desenvolvimento das lavouras.
Roger Borges, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que elaborou o projeto durante seu doutorado na UFPR, explica que a técnica é um desdobramento do trabalho que já vinha fazendo para o reaproveitamento do amianto.
“O principal constituinte do amianto é o carbonato de cálcio (CaCO3), que por sua vez também é o principal constituinte das cascas de ovos. Então, pensamos que por apresentar composição química parecida, as cascas de ovos também poderiam ser aproveitadas para produção de fertilizantes ecológicos inteligentes. Ou seja, fertilizantes que sejam produzidos a partir de resíduos ou rejeitos e apresentem maior eficácia agronômica quando comparados com fertilizantes convencionais”, explica Borges.
O pesquisador explica que para o desenvolvimento da técnica se teve o cuidado de escolher um método que minimizasse a produção de subprodutos ou resíduos indesejáveis. A vantagem de ser um processo a seco, por exemplo, evita a necessidade de etapas dispendiosas de secagem, ao contrário de outros processos que utilizam a água como solvente.
“Todos os elementos químicos presentes no produto final apresentam alto valor agregado na agricultura, ou seja, não há necessidade de purificação”.
O processo deve focar no uso de materiais provenientes da indústria alimentícia, que ao beneficiar o produto traz diversas vantagens, como aumento da vida útil, mas também produz uma grande quantidade de resíduos. Segundo um estudo publicado em 2009 pelo Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina, uma única indústria de produção de ovo pasteurizado no Rio Grande do Sul produzia mais de 100 toneladas de cascas de ovos por mês.
Além da reutilização que evita que este material acabe descartado em aterros sanitários ou mesmo em terrenos inapropriados, contribuindo negativamente para poluição do meio ambiente, o produto apresenta outras vantagens.
Fernando Wypych, professor do Departamento de Química da UFPR que orientou o projeto, explica que por ser menos solúvel em água o novo fertilizante funciona de uma forma mais sustentável, devido a sua sua liberação ser controlada.
“Quando chove, os fertilizantes convencionais liberam os nutrientes de uma vez enquanto que os de liberação controlada são estimuresponsivos, ou seja, respondem aos estímulos das plantas, mantendo os teores constantes ao longo do ciclo de produção”, comenta Wypych.
O pesquisador aponta que além de sobrecarregar as plantas com nutrientes em um primeiro momento, esses produtos são levados facilmente pelas chuvas o que priva as plantas de seus benefícios em um momento posterior.
A menor solubilidade do novo fertilizante também combate outro problema, quando são carregados para os cursos d’água, os nutrientes dos produtos convencionais fertilizam excessivamente algas que tomam contam de rios e lagos num processo conhecido como eutrofização.
Menor solubilidade do novo fertilizante combate o problema da eutrofização causada por produtos convencionais
Este processo deixa as águas turvas, em um tom esverdeado, consumindo o oxigênio de rios e lagos, o que ocasiona a morte de peixes e outros animais aquáticos. A decomposição de todo esse material orgânico produz, além do mau cheiro, gás carbônico e gás metano, que são os principais gases do efeito estufa.
Borges aponta ainda que a economia de produtos como o calcário, utilizado na produção de fertilizantes minerais por ser rico em cálcio, é outra vantagem, já que as reservas desses materiais são restritas e finitas, sendo essencial utilizá-las de maneira sustentável. Em 2020, as lavouras brasileiras usaram mais de 45 mil toneladas de calcário agrícola, boa parte dele resultante da exploração de reservas do país.
Para Borges a nova técnica deve ganhar aplicação comercial em breve, os pesquisadores fizeram dois pedidos de patentes relacionadas ao projeto. Ele explica que uma proposta proveitosa para a indústria seria um sistema que combinasse diferentes fontes de materiais baseados em carbonato de cálcio, com foco principalmente no amianto e nas cascas de ovos que foram estudadas na pesquisa.
Outro ponto interessante é que a técnica cria um subproduto que pode ser utilizado para a produção de hidroxiapatitas, um material a base de fósforo e cálcio que tem grande afinidade biológica e é utilizado para a produção de próteses ósseas e dentárias. Com maior valor agregado, a substância torna a aplicação mais atrativa comercialmente.
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