Censo 2022: Amazônia cresce

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Por Eduardo Nunomura em Agência Amazônia Real | O Brasil chega a 203.062.512 habitantes, revela o Censo 2022, cujos primeiros números foram divulgados na quarta-feira (28/6). São 12,3 milhões a mais do que o contado em 2010, último levantamento oficial da população. Mas houve uma desaceleração nesse período. As duas regiões mais populosas, Sudeste e Nordeste, cresceram até menos que o País. Já Norte e Centro-Oeste expandiram acima da média nacional. A região que abriga a maior floresta tropical do mundo ganhou 1.485.165 brasileiros. Manaus teve o maior ganho populacional: 261.533 novos moradores. A capital amazonense, Boa Vista e Parauapebas, no Pará, incorporaram mais de meio milhão de habitantes. Os dados do IBGE, quando recortados pela ótica da Amazônia Legal, mostram que o slogan “integrar para não entregar” ainda alimenta o imaginário nacional.

Os números são claros: a região Norte cresceu 0,75% ao ano no período de 2010 a 2022, datas em que foram realizados os últimos Censos Demográficos. Já o Brasil se expandiu 0,52% anualmente, a menor taxa de crescimento populacional desde o primeiro Censo do Brasil, em 1872. Os sete Estados nortistas têm agora uma população residente de 17.349.619 habitantes, o que equivale a 8,5% da população brasileira. Continua sendo a segunda região menos populosa do País – atrás do Centro-Oeste.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresenta os primeiros resultados com informações a respeito da população e dos domicílios do Censo Demográfico 2022. Só eles já trazem muitas novidades, e que não só nortearão políticas públicas, como serão alvo de contestações e polêmicas. Muitas prefeituras pelo Brasil afora perderam população, e esses números oficiais é que vão ser considerados nos cálculos de repasses, como o Fundo de Participação dos Municípios. 

Um exemplo: Belém tinha em 2010 uma população de 1.392.332 habitantes, mas até 31 de julho de 2022 (data limite para os recenseadores coletarem informações), a capital paraense tinha 1.303.389 residentes. Ou seja, 90 mil pessoas a menos no período. São Félix do Xingu tem agora 65.418 habitantes, perdendo 25.922 nos últimos doze anos. O Pará, um estado paradoxalmente rico e pobre, tem dentre os nove Estados da Amazônia Legal a terceira menor taxa anual de crescimento populacional, de 0,57%, à frente apenas de Rondônia (0,10%) e Maranhão (0,25%). Um crescimento menor pode ser explicado por diferentes fatores, como o aumento de mortes e movimentos migratórios.

Para um município pequeno como Santana do Araguaia, também no Pará, a redução da população foi proporcionalmente mais drástica. De 55.498 habitantes no Censo 2010, a cidade tem agora 32.413 moradores, uma queda de 4,48% ao ano. Santana do Araguaia é um município no sul do Pará que cresceu com a produção extrativista e que só ganhou autonomia em 1961, ao ser desmembrada de Conceição do Araguaia. Em 1988, meses antes da promulgação da Constituição, o município foi desmembrado e parte de suas terras virou a cidade de Santa Maria das Barreiras. 

O município rondoniense Ministro Andreazza, na divisa com Mato Grosso, foi batizado com esse nome em homenagem ao coronel Mário Andreazza, ministro nas gestões dos presidentes militares Costa e Silva, Médici, e João Figueiredo. Foi com ele que Rondônia, então território federal, virou Estado. Andreazza era um defensor da expansão da fronteira agrícola na Amazônia, estimulando a colonização de terras férteis ainda na época que o atual município pertencia à vizinha Cacoal. Nos dez anos entre um Censo e outro, a cidade perdeu 3.886 habitantes.

Uns crescem, outros encolhem

A região Centro-Oeste, onde fica o Mato Grosso, Estado que na sua parte norte ainda contém fragmentos da floresta amazônica, registrou a maior taxa de crescimento desde o Censo 2010: 1,23% ao ano, conquistando 2.229.715 habitantes desde então. Muitos municípios do Mato Grosso registraram crescimentos expressivos: Querência (6,18%), no nordeste matogrossense e onde fica parte da Reserva Indígena do Xingu, Lucas do Rio Verde (5,21%), Nova Mutum (4,82%), Sinop (4,69%), Campos de Júlio (4,58%) e Sorriso (4,35%). Nelas, o agronegócio já avançou sobre a floresta de forma impiedosa. E este é um fato novo: a região Norte, nos últimos doze anos, passou a crescer menos que o Centro-Oeste. 

O município da Amazônia Legal que registrou crescimento em “ritmo chinês” foi Canaã dos Carajás, no Pará. Ela saltou de 26.677, em 2010, para 77.079 habitantes no Censo 2022. A variação absoluta foi, portanto, de 50.363 habitantes a mais. Nas estimativas que o IBGE divulgava, a cidade tinha 38.103 habitantes em 2018, o que torna o dado ainda mais surpreendente. Canaã é a “terra prometida”, segundo a Bíblia, e ela surgiu como um suporte para os grandes projetos de infraestrutura da Amazônia Legal, ainda durante a ditadura militar. Ela faz parte do Projeto Grande Carajás, por possuir grandes reservas de cobre, níquel, minério de ferro e ouro. E é vizinha de Parauapebas, sua população cresceu de 153.785 para 266.424 habitantes. Ambas prefeituras vivem em função da Vale, a antiga Companhia Vale do Rio Doce.

Roraima foi o Estado da Amazônia Legal com a maior taxa de crescimento geométrico, termo exato utilizado pelo IBGE para definir o aumento populacional, entre o Censo 2022 e o de 2010. Ela teve uma expansão anual de 2,92%, passando de 450.479 para 636.303 habitantes nesse intervalo de tempo. Grande parte dessa explosão demográfica aconteceu na capital Boa Vista, que ganhou 129.173 habitantes em doze anos, e registrou o segundo maior crescimento na região.

O destaque é Manaus, a capital amazonense, que agora conta com 2.063.547 habitantes, com um acréscimo de 261.533 residentes entre um censo e outro. Foi a maior variação entre todas as cidades brasileiras recenseadas. Mas, com uma área uma vez e meia maior que a capital paulista, os manauaras podem ainda “conviver” confortavelmente, com uma densidade demográfica de 181 habitantes por quilômetro quadrado. Em São Paulo, essa taxa é de 2.891 habitantes na mesma área.

Manaus vai, de certa forma, na contramão de uma tendência revelada neste Censo 2022. As capitais brasileiras estão crescendo menos que as cidades vizinhas, algumas chegando a encolher. Entre os dez municípios mais populosos do País, cinco perderam população entre os dois recenseamentos: Rio de Janeiro (-1,7%), Fortaleza (-1,0%), Salvador (-9,6%), Belo Horizonte (-2,5%), Recife (-3,2%).

“Muitas capitais brasileiras não cresceram, mas a concentração urbana ocorreu nos demais municípios”, explica Cimar Azevedo Pereira, presidente interino do IBGE. Concentrações urbanas é uma expressão adotada pelo instituto para designar municípios acima de 100 mil habitantes ou arranjos populacionais (duas ou mais cidades vizinhas) de mesmo porte e com forte integração.

Mas os técnicos do IBGE preferem ainda não apresentar explicações para essa tendência. Aguardam a apresentação de mais dados, que ainda estão sendo processados. “São resultados sob análise demográfica mais detalhada. O mais interessante é que foi generalizado, e foi maior onde há concentração urbana”, explica o presidente do órgão. “Alguns municípios estão perdendo dinâmica no Brasil. Com o próprio esgotamento territorial, a expansão tem de ser nas cidades vizinhas”, acrescenta o coordenador técnico do Censo, Luciano Duarte.

Explosão de domicílios

O IBGE, nesta primeira divulgação, revelou também os dados de domicílios, registrando uma tendência distinta do da população. Se o crescimento populacional entre o Censo 2022 e o de 2010 foi de apenas 6,4%, o de moradias saltou 34,2% entre um e outro levantamento. Foram recenseados 90.688.021 domicílios, ante os 67.569.688 contados em 2010. Nada menos que 13 dos 35 municípios que dobraram a quantidade de residências no período são da Amazônia Legal.

Canaã dos Carajás, que viu explodir sua população em 12 anos, teve de investir mais em moradias: saltou de 10.352 em 2010 para 28.605 em 2022. Iranduba (AM), Brejo de Areia (MA), Senador José Porfírio (PA),  Vitória do Xingu (PA), Querência (MT), Anapu (PA), Paço do Lumiar (MA), Parauapebas (PA), Sinop (MT), São José de Ribamar (MA), Uiramutã (RR) e Bujari (AC) completam essa lista de aumento substancial de domicílios. A maioria desses municípios ainda se insere na lógica de ocupação a qualquer custo da Amazônia Legal.

Dos 5.570 municípios recenseados pelo IBGE, 1.879 registraram crescimento no número de domicílios maior que a média nacional, de 34,21%. Essa expansão pode ser explicada tanto pela absorção do aumento populacional, como pelo maior empenho em mapear o verdadeiro retrato dos domicílios brasileiros. Foi graças a esse esforço dos recenseadores que se descobriu que houve um aumento de 87% dos domicílios particulares permanentes que estão vagos, alcançando 11,4 milhões de unidades. Já aqueles de uso ocasional, como as casas de veraneio, cresceram 70% em 12 anos, totalizando 6,7 milhões – a pandemia do novo coronavírus, o trabalho remoto e o crescimento de nômades digitais estão por trás desse fenômeno.

A região Norte e também a Amazônia Legal continuam a ter a maior média de moradores por domicílios particulares ocupados (onde as pessoas moram), todos acima da média brasileira de 2,79 – que, por sua vez, é inferior à média de 2010 (3,31 moradores por domicílio). O Amazonas é o campeão, com 3,64 moradores por residência, um pouco à frente do Amapá (3,63), de Roraima (3,51) e do Pará (3,31). “No Brasil, fica bem evidente que a região Norte tem maior densidade de moradores por domicílios particulares, que se reduz conforme se vai para o Leste e o Sul”, acrescenta Cimar Azevedo. 

“A redução da média de moradores por domicílio é um processo contínuo e explica parte do crescimento de domicílios”, acrescenta o diretor de Geociências do IBGE, Claudio Stenner. Isso fica claro quando se imagina jovens morando sozinhos em pequenas unidades habitacionais, como os chamados “studios” ou 1 dormitório de baixa metragem. 

Indígenas e quilombolas

Cimar Azevedo, o presidente do IBGE, adiantou, em coletiva aos jornalistas, que a coleta de dados evoluiu a ponto de conseguir levar recenseadores onde, em edições passadas, não foi possível. “Nunca se recenseou tanto indígena quanto nesse Censo 2022, por conta da metodologia empregada”, disse, complementando que “foi uma verdadeira operação de guerra” chegar até a Terra Indígena Yanomami. Essa coleta foi feita ainda neste ano, já sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Para mapear as Terras Indígenas e também os territórios quilombolas, o Censo 2022 contou com o apoio do Ministério dos Povos Indígenas, do Ministério da Justiça, das Forças Armadas e do Ministério do Planejamento, a cargo da ministra Simone Tebet (MDB). Cimar fez questão de ressaltar que sem o aporte extraordinário de 350 milhões de reais, neste ano, foi possível ampliar o trabalho dos recenseadores, mesmo tendo enfrentado dificuldades no governo passado.

O presidente do IBGE lembrou, aos jornalistas, que o órgão sofreu “críticas do presidente da República (Jair Bolsonaro) por conta de estatísticas de desemprego”. E isso em meio ao clima polarizado das eleições no ano passado e de quase não conseguir realizar o próprio Censo 2022. Ele, na verdade, chega com dois anos de atraso, porque costuma ser feito de dez em dez anos. Em 2020, havia a Covid-19, para complicar. “A pandemia pegou o Brasil num apagão de dados”, frisa Cimar Azevedo.

Com o aporte, o IBGE conseguiu de janeiro até 28 de maio, último dia de trabalho de campo dos recenseadores, coletar dados de mais 16 milhões de pessoas, o que é um número significativo. Com mais recursos, foi possível visitar localidades que seriam deixadas de lado, incluído comunidades periféricas e territórios indígenas. Mas, ainda assim, os recenseadores bateram com a cara na porta: milhões de brasileiros se recusaram a responder o estudo, incluindo moradores de condomínios ricos por todo o Brasil.

Os dados do Censo 2022 destoam das chamadas “Estimativas da População”, produzidas pelo próprio IBGE, e não é difícil compreender a razão disso. O Censo literalmente, indo de casa em casa, quanto são as pessoas que vivem no País, chegando aos 203 milhões de habitantes. Já as estimativas são projeções estatísticas que levam em conta o Censo e outras pesquisas do órgão, incluindo a Contagem – esses dados indicam que o Brasil teria 213,3 milhões de habitantes. Mas, em 2015, com o Brasil imerso numa crise política que levou ao impeachment de Dilma Rousseff (PT), não houve a Contagem da População. Com os dados agora divulgados, muitas contas terão de ser refeitas.


Este texto foi originalmente publicado pela Agência Amazônia Real de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thalles Moreira

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