Por Ivan Conterno, do Jornal da USP | O reaproveitamento de equipamentos de informática e componentes de eletroeletrônicos pode ser uma ótima maneira de economizar dinheiro e ajudar o meio ambiente ao mesmo tempo. Uma bateria externa para computadores pode ter cerca de 10 quilos (kg) de chumbo. Um notebook, além do chumbo, possui cádmio, antimônio, níquel e mercúrio em seus componentes. Caso esses objetos fossem descartados no meio ambiente, poderiam contaminar o solo e a água que bebemos. Além disso, o reúso desse material pode ser uma maneira barata de dar uma nova vida aos aparelhos antigos, disponibilizando-os para quem não poderia ter acesso a computadores de outra forma.
Foi pensando nisso que a USP inaugurou, há 13 anos, o Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (Cedir). A ideia era reunir computadores descartados das diversas unidades da Universidade e reaproveitar as peças na montagem de novas máquinas para empréstimo a entidades e ONGs. No entanto, ao longo desses anos, com a grande quantidade de componentes que, apesar de obsoletos, poderiam ser aproveitados para outros fins, como leitores de disquete e de CDs, o objetivo inicial do Cedir precisou ser “reciclado”: atualmente ele se tornou também um local de garimpagem de peças de eletroeletrônicos para vários grupos de pesquisa e extensão da USP.
Mensalmente, o Cedir recebe cerca de oito toneladas de materiais. São doações de empresas e de unidades da própria USP. Os componentes garimpados podem ser usados para equipar laboratórios de informática, para a busca por metais de terras raras presentes nos discos rígidos, para produzir impressoras de material tridimensional ou de escrita (com caneta acoplada), na composição de robôs e em projetos de computadores de placa única.
Um dos grandes caçadores desse material é o Hardware Livre USP, grupo de extensão criado a partir do Centro de Competência em Software Livre (CCSL) do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP. Os alunos compravam componentes com o pouco dinheiro disponível para o projeto antes de conhecerem o Cedir. “Foi lá que a gente descobriu o ‘ouro’. Algumas antenas que eles cederam para a gente valem cerca de US$ 180,00 e estavam no ‘lixo’. A gente jamais conseguiria de outra forma. O nosso dinheiro é bem curto”, explica ao Jornal da USP Bruno Rafael Aricó, membro fundador do Hardware Livre USP.
Os hardwares livres são sistemas eletrônicos cujos projetos são disponibilizados abertamente e de forma gratuita. Segundo Bruno, o objetivo do grupo, assim como o próprio conceito de hardwarelivre, é baratear a confecção de aparelhos eletrônicos e compartilhar conhecimento. “A ideia de hardwareaberto é disponibilizar a documentação que explica como você faz o dispositivo. Com isso, qualquer pessoa pode replicar ou fazer uma versão modificada dos equipamentos”, diz. Geralmente, os documentos sobre como os circuitos dos dispositivos eletrônicos comerciais funcionam internamente não são disponibilizados para o público, além de possuírem patentes que impedem a replicação não autorizada.
O grupo criado na USP, entre outras coisas, já aperfeiçoou impressoras de objetos tridimensionais, montou cisternas inteligentes e um projeto para um carro autônomo. Para fins didáticos, os voluntários criaram jogos de quebra-cabeça eletrônico, semelhantes ao popular Genius, da Estrela. Muitos dos equipamentos são desenvolvidos para baratear as pesquisas em outras áreas da ciência, como uma centrífuga que foi utilizada por alunos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e um novo projeto de máquina para exames de reação em cadeia de polimerase, o exame de PCR, na sigla em inglês.
“Uma versão comercial de centrífuga de laboratório custa mais de R$ 2 mil e só quem fabrica consegue fazer a manutenção, que é muito cara e demorada por não ser feita no Brasil. A versão que a gente criou é feita com arduino [plataforma de hardware livre de placa única], componentes baratos encontrados no mercado, corte a laser, impressão 3D e peças recicladas garimpadas no Cedir, como o sensor de velocidade de leitor de CD-ROM”, revela Bruno.
A garimpagem também é feita pelo Laboratório Didático do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos (PSI) e do Departamento de Engenharia de Telecomunicações e Controle (PTC) para uso em projetos de alunos.
Para o meio ambiente, proporcionar a destinação correta para o material de informática é essencial. Cerca de 5% do peso de cada computador, por exemplo, é formado por chumbo, cuja exposição causa diversas doenças e pode levar à morte. “Uma bateria externa tem chumbo. Imagina pegar 10 quilos de chumbo e colocar no meio ambiente”, alerta André Rangel, funcionário do Cedir. Além disso, a reciclagem pode ser economicamente interessante, já que o lixo eletrônico, se tratado da forma correta, vale dinheiro.
O galpão fica localizado no campus da USP no Butantã, em São Paulo, e atende os institutos da Universidade, organizações educacionais sem fins lucrativos e órgãos públicos, como hospitais. O material é cedido via empréstimo, por meio de um termo de compromisso, uma vez que, quando o computador se tornar obsoleto, deverá ser devolvido ao Cedir para ser dada a destinação correta aos componentes.
“Esse projeto pode ser replicado para qualquer instituição que tem um problema de inclusão. Para a inclusão, não é necessário ter computadores novos. A remanufatura resolve. Eu mesma uso computador velho”, conta a professora Tereza Cristina Melo de Brito Carvalho, da Escola Politécnica (Poli) da USP, e criadora do projeto.
O material que chega ao galpão passa, primeiramente, por uma seleção visual para categorizar os dispositivos e suas condições. Em seguida, os equipamentos são enviados para uma bancada e testados. Caso seja necessário, são feitos reparos ou acréscimos de componentes. Na impossibilidade de recuperação, as peças que podem ser reutilizadas são retiradas e o material restante é enviado a uma empresa especializada em lixo eletrônico, que se encarrega do desmonte e da reciclagem dos plásticos e dos metais.
Todos os dados dos equipamentos selecionados para reutilização são apagados. Os computadores recebem o Windows 10 Pro como sistema operacional, que é disponibilizado no site da Microsoft, podendo o destinatário ativar a licença quando receber.
São aceitos como doação equipamentos de informática, tablets, televisores modernos e celulares, ou seja, eletrônicos da linha verde. Ao chegar, o material é conferido e pesado. Dispositivos com pouco valor agregado, como cabos, estabilizadores e telefones são recebidos, pois uma pequena fração pode ser útil para garimpagem, mas a maior parte é encaminhada à reciclagem.
O projeto para a criação de uma unidade que abrigasse o material eletrônico descartado foi apresentado em 2009 à Comissão de Sustentabilidade da USP pela professora Tereza Carvalho e recebeu apoio de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Parte dos trabalhos foi inspirada pela pesquisa sobre lixo eletrônico desenvolvida na mesma época pela ex-funcionária da USP Ligia Custódio Corrêa Sonnewend. Antes da criação do Cedir, em dezembro de 2009, André Rangel, Gislaine Moraes e Roberto de Almeida, que hoje integram a equipe do Cedir, faziam parte do Centro de Computação Eletrônica (CCE) da USP, atual Centro de Tecnologia da Informação de São Paulo (CeTI-SP).
O plano inicial era reciclar o lixo eletrônico e trabalhar com outros projetos de sustentabilidade, como sistemas de coleta de chuva na própria Universidade, porém foi constatado que o simples recolhimento do material não seria viável economicamente. Ele só tem valor se for tratado e esse trabalho demandaria custos com os quais a USP não seria capaz de arcar. No entanto, doar o material inutilizado para que outras instituições o tratassem, como era feito antigamente, também não era interessante, dado que essas instituições poderiam dar um destino ecologicamente incorreto aos componentes. Logo se verificou que o reúso seria a maneira mais inteligente de reaproveitamento. Assim, a destinação dos computadores reformados para instituições sem fins lucrativos foi iniciada em abril de 2010, após uma grande doação recebida pela USP de equipamentos em bom estado.
Segundo a professora Tereza, atualmente, somente 4% dos resíduos eletrônicos são coletados corretamente no Brasil. Entretanto, o material possui grande valor de mercado. Cerca de 25% dos componentes de informática coletados pela USP são reutilizados, o que significa cerca de 28 mil computadores completos doados ao longo desses anos. A maioria dos projetos sociais beneficiados não teria como equipar laboratórios de informática de outra maneira.
Um desses projetos funciona dentro da USP, no Espaço Paideia de Inovação e Inclusão Social, que oferece inclusão digital e cursos de programação para jovens de baixa renda. Ao lado da sala de aula das crianças estão alguns dos equipamentos levados ao Cedir que são verdadeiras relíquias. Eles compõem a exposição Do computador de mesa ao computador de bolso, no Laboratório de Sustentabilidade (Lassu) da Poli. A mostra é uma viagem no tempo da evolução dos computadores, celulares e outros equipamentos eletrônicos cujas funções hoje estão presentes nos pequenos smartphones. O Lassu fica na Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, e o endereço é Travessa Quatro (Travessa das Nações), 380, no bairro Butantã, em São Paulo. A visita precisa ser agendada pelo telefone (11) 3091-1092.
Empresas que desejam enviar material para o Cedir devem encaminhar um inventário e um certificado de descarte para o e-mail cedir@usp.br. Pessoas físicas podem fazer entrega de material sem agendamento, respeitando os dias e os horários de atendimento: de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 14h às 17h. O galpão também fica na Travessa Quatro, porém no número 396. Os telefones para contato são (11) 3091-8237 e (11) 3091-8238.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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