Por João Dall’ara, do Jornal da USP
As baixas temperaturas são responsáveis por alterar diversos aspectos da vida humana. Um desses fatores é a mudança no funcionamento do corpo de uma pessoa. O frio interfere de forma ativa em sua fisiologia e é capaz de potencializar algumas doenças.
O professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP, examina as alterações do corpo humano no frio: “Quando esfria, você aumenta o seu metabolismo basal, tem um aumento da produção de adrenalina e de todos os hormônios que vão acelerar o seu metabolismo. Você também fecha os vasos da pele, porque a pele tem entre 1,5 a 2 metros quadrados e tem que ser aquecida. Quando você tira o sangue da periferia, impede a troca de calor e desloca ela mais para dentro do corpo”. O estímulo descrito faz com que o metabolismo basal do corpo aumente, gerando mais calor a ponto de contrair os músculos. A contração serve para gerar e manter o calor, como se estivesse se exercitando.
A chegada do frio impacta diretamente as vias aéreas. “O pulmão de um adulto tem mais ou menos 100 metros quadrados, empacotado em pequenos alvéolos e separados do ambiente externo por uma barreira que tem menos de um milésimo de milímetro. ‘Como é que você não congela?’ Através do trabalho das vias aéreas e do aumento da perfusão das vias aéreas”, relata Saldiva.
Essa alteração tem consequências, os cílios que removem as impurezas funcionam mais devagar, isso deve-se ao muco que reveste a via aérea, que fica mais rígido por conta das baixas temperaturas. O professor aponta que “as vias aéreas, principalmente as superiores, pagam um preço alto para fazer esse trabalho de condicionamento térmico. Nós submetemos nosso corpo a um metabolismo maior e a via aérea sob estresse com perda de eficiência dos mecanismos de limpeza e de remoção das vias aéreas.”
As baixas temperaturas costumam estar relacionadas a alguns tipos de doenças. “As estações de frio são as estações das doenças respiratórias e cardiovasculares”, indica Saldiva. O professor ainda comenta que a variação ao longo do dia e as mudanças de temperatura de dias precedentes também influenciam no contágio de doenças.
Saldiva também destaca as doenças cardiovasculares: “Quando você aumenta o metabolismo, você está dizendo para o teu coração que funcione mais depressa, você pisa no acelerador, se o coração não tiver condição de fazer isso, se ele já tiver uma vulnerabilidade maior, aquilo pode ser a diferença para ele ter uma arritmia ou mesmo ter um infarto do miocárdio”.
Nesse período, também é comum que as pessoas acusem dores no corpo, sobretudo as mais velhas. A fisioterapeuta encarregada do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Ana Paula Monteiro, analisa: “As baixas temperaturas causam algumas contraturas musculares e as pessoas se encolhem. As pessoas fazem isso para diminuir o espaço que elas vão ficar sob as baixas temperaturas. Os animais também fazem isso, se enrolam para diminuir a superfície de contato com o frio”.
As articulações são os locais mais prejudicados pelas contraturas devido à falta de movimento. “A lubrificação delas depende do movimento, se você não tiver movimento, você não tem a lubrificação adequada. Imagine uma polia sem uma lubrificação adequada, o movimento vai falhar. O corpo funciona da mesma forma, as articulações funcionam da mesma forma”, comenta a fisioterapeuta.
De acordo com Ana Paula, a movimentação do corpo é uma maneira de amenizar a dor: “Movimentar as articulações, começar o dia se movimentando, pensar no corpo todo, você tem que se movimentar. Lembra da polia, tem que aquecer, o corpo produz coisas boas quando você se movimenta, incluindo a graxa natural das articulações, que a gente chama de sinóvia. É uma graxa que o movimento causa, se você não se mexe, a graxa resseca e você não vai ter a polia funcionando de acordo”. A idade também é um fator determinante. “Após os 25 anos você já está em um declínio da sua função motora”, ressalta a fisioterapeuta.
Paulo Saldiva reitera a importância do esporte para conter alterações no corpo e possíveis doenças, mas faz ressalvas. “É lógico que a prática esportiva é importante, mas você tem que estar em uma região que você possa praticar. Os equipamentos de esporte da Prefeitura, por exemplo, previnem muito o risco de morrer de infarto, mas eles têm que estar a menos de um quilômetro para o indivíduo ir a pé, para as pessoas irem a pé”, atesta, ao abordar a falta de acesso por parte da população.
Embora os exercícios físicos amenizem os problemas que chegam com o frio, a desigualdade de recursos para conter os impactos é preponderante, sobretudo para a população de baixa renda: “As políticas públicas deveriam se incorporar na esfera de decisão da saúde humana. Um indicador importante é a aglutinação das políticas públicas. Nesse contexto, as respostas ao frio e às mudanças de temperatura têm um carimbo de desigualdade e vulnerabilidade em cima delas, “ ressalta Saldiva.
Ao finalizar, o professor questiona a capacidade humana de adaptação em meio às constantes mudanças no clima: “A velocidade das mudanças no clima está muito mais rápida do que nossa capacidade adaptativa, seja do ponto de vista fisiológico, seja do ponto de vista construtivo de modificar a cidade. Qual vai ser a nossa capacidade adaptativa nos próximos anos?”.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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