Chegaram as festas de fim de ano. Use a Química para comer com estratégia

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Por Marcos Buckeridge, do Jornal da USP | Na época de festas sabemos que muitas pessoas costumam exagerar na hora de comer. Comer certo é importante, pois várias pessoas têm problemas com o consumo de açúcar e de sal. Saber a composição química dos alimentos pode ser chato para algumas pessoas, mas é importante evitarmos que a luz vermelha acenda ao evitarmos alguns excessos que podem fazer mal à saúde. Uma das formas de controlar o que vamos absorver depois de comer é saber o que são as fibras alimentares, em que ordem as ingerir e como elas funcionam durante a digestão.

As fibras alimentares podem ser divididas em dois grupos: solúveis e insolúveis. A grande maioria das fibras alimentares vem das plantas e consiste em polímeros de açúcares (polissacarídeos) que ficam nas paredes celulares de todas as células vegetais. Então, vamos entender melhor: as fibras insolúveis constituem polissacarídeos como a celulose e as hemiceluloses, que por interagirem fortemente entre si não dissolvem em água facilmente. Já as pectinas (componentes importantes nos frutos), ao contrário, se dissolvem com relativa facilidade, mesmo em água fria, e são, portanto, parte do grupo das fibras solúveis. As funções desses dois tipos de fibras na alimentação são distintas nos alimentos que consumimos. Faz diferença também a forma que são preparados. Podemos consumir uma fruta fresca ou um suco de frutas, tomates na salada ou molho de tomate. Até o cafezinho tem fibras e o modo como se prepara também faz diferença. Se desejar ler algo mais técnico sobre as fibras do café comparando dois modos de preparação, clique aqui.

Desculpe, mas preciso ser um pouco técnico porque na hora de consumir o alimento é importante saber o seguinte: As fibras insolúveis têm uma função mecânica mais acentuada e servem para dar maior consistência ao bolo alimentar. Sem esse tipo de fibra nós provavelmente conseguiríamos digerir muito pouco do que comemos, pois …ops!…ficaríamos em um estado de diarreia constante. O outro extremo, isto é, um excesso de fibras insolúveis, causaria constipação, pois o bolo alimentar ficaria cada vez mais sólido. Portanto, nós, humanos, somos adaptados a ingerir um certo balanço de fibras solúveis e insolúveis tal que mantenha o trânsito dos alimentos pelo sistema digestivo imperceptível. É importante ter um balanço entre os alimentos consumidos.

As fibras solúveis participam ativamente da função mecânica, mas além disso, por apresentarem solubilidade mais alta em água e alta viscosidade, dificultam o trânsito de moléculas dentro do bolo alimentar. Por esse motivo, essas fibras “capturam” parte dos açúcares simples e gorduras, e evitam que elas sejam absorvidas em excesso. Acredita-se que quando nos alimentamos de fibras, forma-se uma camada viscosa na superfície interna do intestino, denominada camada e água não-agitável, que exerce a função de “filtrar” o que é absorvido. Se esse efeito é bom ou ruim para quem ingere fibras depende de quanto e de qual o tipo. Depende também da ordem que adotamos para comer durante as refeições.

Se considerarmos a capacidade de dissolução em água das fibras, há diferenças consideráveis se comermos alimentos crus ou cozidos. O cozimento é sempre feito em água (mesmo que seja a água do próprio alimento) e tem a tendência de aumentar a proporção de fibras solúveis nos alimentos. Por exemplo, há diferença se comemos uma salada de tomates ou um molho vermelho para o macarrão. No caso da salada, o efeito é mais parecido com o das fibras insolúveis. Já o de um bom e bem apurado molho de tomates, as fibras solúveis tornam-se mais disponíveis para exercerem suas funções. O mesmo ocorre quando cozinhamos feijão, cenoura, abobrinha, batata etc.

Resumindo:

  1. fibras estão na parede celular das células vegetais e têm composição química e propriedades diversas,
  2. fibras podem ser divididas em dois grandes grupos: solúveis e insolúveis,
  3. as insolúveis se correlacionam mais com função mecânica e as fibras ajudam a formar camadas viscosas nas paredes intestinais: a camada de água não-agitável,
  4. o cozimento pode alterar a proporção de fibras solúveis e insolúveis em um dado alimento.

Podemos dividir os alimentos vegetais que comemos mais frequentemente em cinco tipos: folhas, raízes, sementes, frutos e alimentos processados, como vemos na tabela:

Estratégias: a primeira coisa é que faz sentido comer a salada primeiro. Como as folhas têm boa mistura de fibras insolúveis e solúveis, esses materiais não só irão dar um suporte físico melhor ao bolo alimentar (fibras insolúveis como a celulose), mas com as fibras solúveis ricas em pectinas, acabam ajudando na formação da camada de água não agitável, criando uma espécie de filtro que controla a absorção do que vem depois. Com isso, já se sabe que ao comer fibras antes dos doces que vêm na sobremesa, o pico de açúcar no sangue será menor. O mesmo acontece com as gorduras. Isso ocorre porque a estrutura complexa de polímeros da parede celular forma uma rede que captura moléculas menores. O cafezinho ao fim da refeição irá adicionar mais fibras solúveis e tanto melhor se não for adoçado.

Pela tabela também se pode ver que os frutos contêm mais fibras solúveis enquanto folhas e raízes contêm mais fibras insolúveis. As sementes apresentam em geral um equilíbrio entre os dois tipos de fibra. No caso dos frutos, em geral, há ingestão de uma quantidade maior de açúcares, o que será equilibrado na ingestão pela grande quantidade de pectinas (fibras solúveis). Já as sementes têm outras características: são armazenadoras de proteínas ou de gorduras e as fibras insolúveis acabam modulando a digestão de outra forma. Temos ainda de lembrar que tudo muda se o alimento for cozido. Nesse caso a proporção de fibras solúveis se torna maior. No caso dos alimentos processados como sorvetes, iogurtes e sopas prontas, há sempre a adição, mesmo que em pequenas quantidades, de polímeros que funcionam como fibras.

Saliento ao leitor que este artigo tem o objetivo de possibilitar a utilização de seu senso crítico ao escolher o que come e não de orientá-lo especificamente a escolher qualquer dieta alimentar. Grosso modo, cada um pode facilmente perceber os efeitos que cada tipo de alimento tem em seu organismo (se há produção excessiva de gases ou se o trânsito intestinal é muito lento).

As informações aqui veiculadas não são de forma alguma finais, e o leitor tem que ficar atento a cada nova descoberta nessa área. Porém, usando o bom senso, é possível melhorar o balanço entre os diferentes alimentos que normalmente ingerimos, evitando o consumo exagerado de amidos (pães, massas, biscoitos etc.) e balanceando melhor a alimentação com uma boa mescla de fibras solúveis e insolúveis de modo a melhorar o trânsito intestinal sem evitar a absorção de vitaminas, proteínas e outras substâncias importantes para a manutenção bioquímica de nosso organismo.


Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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