Ciclagem de nutrientes: regulação da saúde do solo e plantas

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A ciclagem de nutrientes é um fenômeno importante da natureza, que colabora para a saúde do solo e o bom desenvolvimento de espécies vegetais. Nesse processo, folhas, galhos e todo tipo de matéria orgânica, depositados no solo, formam uma camada de biomassa, conhecida como serrapilheira (ou serapilheira). 

A decomposição da serrapilheira, por macro e microrganismos ali presentes, faz com que nutrientes minerais essenciais fiquem disponíveis no solo e, por consequência, sejam absorvidos pelas plantas presentes. Esse fator contribui, de forma substancial, para o crescimento e desenvolvimento das plantas.

Como o próprio nome sugere, a ciclagem de nutrientes é um processo cíclico. Isso porque as mesmas plantas que se beneficiam com os nutrientes liberados, um dia também irão servir materiais orgânicos ao solo, como parte da serrapilheira.

De acordo com a Embrapa, a velocidade da decomposição de nutrientes no solo depende de fatores locais, como a pluviosidade (volume de chuvas), a temperatura e a composição da serrapilheira, que está relacionada à quantidade de nutrientes presentes nessa camada. A quantidade de nutrientes, por sua vez, responde à produtividade da serrapilheira.

Qual é a importância da serrapilheira para a manutenção da vegetação?

Além de ser a principal fonte de nutrientes, que são capazes de suprir boa parte das necessidades das espécies vegetais, a serrapilheira apresenta melhora nas propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, colaborando na manutenção da umidade, regulação de temperatura e fluxo de energia, além de protegê-lo contra a erosão e outros desgastes.

Serrapilheira forrando o chão da floresta, importante na ciclagem de nutrientes / Imagem de Freepik

Por outro lado, assim como outros serviços ambientais são prejudicados pelas consequências das mudanças climáticas, a ciclagem de nutrientes também é afetada, principalmente porque os efeitos do clima impactam, de forma direta, na produção e decomposição da serrapilheira.

Mudanças climáticas afetam a ciclagem de nutrientes na Amazônia

Um estudo, realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (Inpa), analisou os efeitos causados pelo clima na produção de serrapilheira em florestas de terra firme (regiões elevadas, sem ocorrência de cheias) na Amazônia Central

A pesquisa reforça a importância da ciclagem de nutrientes na região, já que esse é um processo indispensável para manter a fertilidade do solo amazônico, mantendo também todo o conjunto de serviços ecossistêmicos oferecidos pela floresta. De acordo com o Instituto Brasileiro de Florestas (IBF), o solo da Amazônia é bastante arenoso, composto por uma camada fina de nutrientes, que ocorrem a partir da serrapilheira. Apesar disso, a serrapilheira é rica em húmus, um composto orgânico fundamental para a fertilidade do solo florestal. 

Além disso, as florestas tropicais são responsáveis por cerca de 50% de toda a serrapilheira produzida no planeta, que tem sua produtividade alterada de acordo com a região. Essa variação ocorre de acordo com as características de cada ecossistema regional.

Desse modo, os pesquisadores analisaram a produção de serrapilheira ao longo de dez anos, com amostras coletadas quinzenalmente do solo amazonense. As amostras foram analisadas levando em conta fatores climáticos locais (índice de chuva, temperatura máxima, radiação, déficit hídrico e velocidade do vento) e globais (El Niño, La Niña e Índice do Atlântico Tropical), além da fertilidade do solo (capacidade de troca de cátions e concentração de fósforo).

Importância do fósforo no solo

O fósforo é um elemento importante na ciclagem de nutrientes. Uma maior presença de fósforo no solo, deixa os solos mais férteis e traz como característica o maior desenvolvimento de flores, frutos e sementes. Enquanto que na baixa disponibilidade do fósforo, somado a solos menos férteis, há uma maior presença de folhas. Um menor índice de fósforo também diminui a produtividade florestal, reduzindo a espessura das raízes das plantas, impactando também na produção de serrapilheira.

Em relação às características regionais, a pesquisa aponta que, dado o tamanho da região ocupada pela Amazônia, existe diversidade de solos. Mais próximo aos Andes, os solos são mais jovens e possuem maior concentração de fósforo, portanto, são mais férteis. Já na área de estudo, a Amazônia Central, os solos são mais antigos e intemperizados (decomposição de rochas), com baixa fertilidade.

O fator desmatamento só prejudica ainda mais o solo, isso porque áreas sem cobertura florestal estão mais expostas ao processo de lixiviação, que extrai nutrientes do solo com as águas das chuvas, por exemplo.  

Como a floresta se desenvolve com um solo pobre?

A floresta Amazônica (e outras ao redor do mundo) são capazes de se desenvolver, mesmo sobre um solo pouco fértil e pobre em fósforo. Isso acontece, basicamente, por dois motivos: o primeiro deles está relacionado a um mecanismo desenvolvido pelas próprias plantas, conhecido como retranslocação de nutrientes (reabsorção). 

De acordo com uma segunda pesquisa, também realizada pelo Inpa, que analisou espécies da Amazônia Central, a retranslocação é um processo que a própria planta realiza. Com o propósito de conservar nutrientes, espécies vegetais podem transportá-los de uma região para outra. Isso ocorre antes da queda de suas folhas, etapa também conhecida como abscisão foliar. 

Dessa forma, os nutrientes presentes nas folhas são deslocados daquelas que começam a envelhecer (senescência) e passam para outros órgãos vegetais ou tecidos em desenvolvimento. Esse mecanismo inteligente faz com que as plantas não dependam exclusivamente dos nutrientes do solo. 

Esse artifício é resultado da adaptação e evolução das plantas. Por conta da baixa fertilidade do solo, as plantas se adaptaram para compensar sua deficiência nutricional. Isso é comum em regiões com solos que apresentam baixo teor de nutrientes.

O segundo motivo, pelo qual as florestas com solos pobres se desenvolvem, tem origem na ciclagem de nutrientes. O próprio ciclo de produção de matéria orgânica, pela biodiversidade local, formando a serrapilheira e sua decomposição pelos organismos presentes no solo, colabora para o desenvolvimento das espécies florestais. 

Por outro lado, fatores relacionados às mudanças climáticas afetam diretamente a produtividade de serrapilheiras no bioma amazônico.

Impactos do clima

De acordo com o Inpa, a produção de serrapilheira no bioma amazônico é abundante nos períodos menos chuvosos, causando uma maior produção de biomassa no solo nos meses mais secos do ano, geralmente de junho a outubro. 

Por outro lado, fenômenos como o El Niño e La Niña, que alteram a temperatura dos oceanos e, como resultado, a circulação atmosférica, trazem mudanças imediatas no clima da Amazônia (e em outras regiões também). O excesso ou a falta de umidade na região amazônica afeta a produtividade da serrapilheira, além disso, eventos extremos, como secas ou excesso de chuvas, também são fatores que prejudicam esse e outros serviços ecossistêmicos. 

Os resultados mostraram que eventos atípicos que ocorreram nas estações mais secas, relacionados a eventos climáticos extremos, afetaram diretamente o padrão produtivo de serrapilheira. Cerca de 74% da biomassa coletada era formada por folhas e outros 15%, por galhos finos.

Os picos de produção de galhos foram marcados pelo clima extremo: em períodos de fortes ventanias, na estação seca e em períodos de tempestade intensa, com a quebra de muitos galhos.

Flores e frutos formaram 8% da produção. A presença de flores foi mais abundante no período seco, e os frutos estiveram mais presentes em períodos chuvosos. Cerca de 3% do material se relaciona a fragmentos, principalmente de folhas e frutos. Além disso, foi constatado que os processos de decomposição ocorrem mais rapidamente, como era de se esperar, nos períodos mais úmidos.

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Estresse térmico

Segundo os pesquisadores, a radiação solar pode ser considerada uma causa importante para a queda de folhas das árvores, já que esse foi o material mais abundante das serrapilheiras. Ou seja, o índice de radiação influencia diretamente na produção da biomassa sobre o solo. 

Por outro lado, níveis extremos de radiação podem desencadear estresse térmico nas plantas, causando fotoinibição (redução de fotossíntese) e danos celulares, que resultam no amadurecimento antecipado e queda das folhas. De acordo com a pesquisa, o resultado danoso da radiação nas árvores e outros vegetais é um padrão que se observa pelo mundo.

Apesar de períodos mais secos produzirem mais matéria orgânica, os períodos de seca, com déficit hídrico (insuficiência de água), prejudicam o desenvolvimento das plantas e diminui a produção de serrapilheira. 

Além disso, eventos globais, que trazem períodos de seca históricos, tempestades incomuns e fortes ventos para a região, causam destruição, ruptura de copas de árvores e morte da vegetação. As influências de El Niño, La Niña e do Índice do Atlântico Tropical puderam ser sentidas na produtividade da serrapilheira.

As mudanças climáticas e a ocorrência de eventos extremos modificam a dinâmica dos ecossistemas, interferindo, de forma negativa, nos padrões ambientais, na produtividade e biodiversidade das florestas e seus serviços ecossistêmicos, incluindo o processo de ciclagem de nutrientes, essencial para a vida das espécies vegetais e regulação de todo o meio ambiente.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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