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Pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, em Piracicaba, mesclam pesquisa de campo e análises em laboratório para melhor conhecer as lagoas que possuem alto índice de salinidade e pH elevado

Por Antonio Carlos Quinto, do Jornal da USP | Em algumas regiões do Pantanal sul mato-grossense existem lagoas que têm como características a ausência de peixes e que chegam a abrigar, por vezes, alguns anfíbios e insetos. Conhecidas como “lagoas de soda”, estes sistemas possuem elevado pH e alta salinidade. “Os principais seres vivos encontrados nesses complexos, a qual denominamos lagoas salino-alcalinas, são microrganismos”, explica a microbiologista Simone Raposo Cotta, que atualmente é pós-doutoranda no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba. 

Ela e o engenheiro ambiental Thierry Alexandre Pellegrinetti, doutorando no Cena, vêm pesquisando esses microrganismos para conhecer como eles conseguem se adaptar e sobreviver nas “lagoas de soda”. Os cientistas assinam um artigo sobre o tema que acaba de ser publicado na Revista Scientific Report, do grupo Nature.

Segundo Pellegrinetti, a importância de conhecer os mecanismos pelos quais esses microrganismos sobrevivem nestes sistemas ajudam na preservação das “lagoas de soda”. Durante as pesquisas, que tiveram início em 2017, enquanto Simone realizou diversas análises nos laboratórios do Cena, o engenheiro ambiental fez algumas incursões ao Pantanal para localizar e identificar as lagoas e obter o material que seria destinado às análises de laboratório. “Vale destacar que nossas visitas às lagoas nem sempre foram fáceis, pois existem épocas de cheias que dificultam e até impedem o acesso aos locais”, descreve Pellegrinetti.

Sul da Nhecolândia

As “lagoas de soda” estudadas estão localizadas numa região conhecida como Nhecolândia, uma área de mais de 26 mil quilômetros quadrados (Km2) próxima a Aquidauana, no Mato Grosso do Sul. “Analisamos os sistemas localizados no sul da Nhecolândia (veja no mapa). Mais especificamente, estudamos lagoas localizadas numa reserva ecológica chamada São Roque, onde os proprietários optaram por manter a propriedade intacta”, conta o engenheiro ambiental, lembrando que a região onde se encontram os lagos pertencem a pequenas fazendas e propriedades rurais.

As “lagoas de soda” não existem apenas no Brasil, como lembra Simone. De acordo com a microbiologista, elas são encontradas em outros países como Canadá, em algumas regiões dos EUA, e em países africanos, como Etiópia e Tanzânia, na Rússia, Áustria e em regiões da Mongólia. “Mas há diferenças! As lagoas do Pantanal, em geral, são mais rasas e menores, se comparadas com as da África, por exemplo”, informa. Em épocas de cheias chegam, no máximo, a 2 metros (m) de profundidade. “Isso entre os meses de novembro a março, anualmente. Mas pode variar”, descreve Pellegrinetti.

O engenheiro informa também que, em todo o Pantanal, segundo imagens captadas por satélites, deve haver entre 600 e 900 “lagoas de soda” que possuem, em sua maioria, cerca de 1 quilômetro (km) de diâmetro.

Microrganismos

As pesquisas fazem parte de um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) que começou em 2016 e tem como pesquisadora principal a professora Marli de Fatima Fiore, do Cena e, como coordenador principal, o professor Adolpho José Melfi, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP. Segundo Simone, dentre os principais motivos das investigações estão a ausência de informações com relação às lagoas e a caracterização dos microrganismos que habitam os sistemas.

“Apesar de associarmos a presença de microrganismos com a ocorrência de doenças, a grande maioria na verdade desempenha papéis importantes e frequentemente vitais para o funcionamento dos diferentes biomas. Nessas lagoas estamos focados em compreender o papel dos microrganismos para o funcionamento desse ecossistema e não o seu nível de patogenicidade”, afirma a microbiologista. Nas análises realizadas até agora, os cientistas conseguiram caracterizar os microrganismos que habitam três grupos distintos de lagoas: as lagoas verdes, as lagoas pretas e as lagoas cristalinas. “Para habitar essas lagoas com características diferentes, os microrganismos adotam estratégias distintas”, salienta Simone.

Nas lagoas verdes a predominância é das cianobactérias. Por possuírem clorofila, elas é que dão a coloração esverdeada as águas. Essas lagoas tendem a ser mais ricas nutricionalmente. “Elas possuem mais oxigênio, carbono, nitrogênio e fósforo. Podemos considerar que se trata de um ambiente mais saudável”, descreve Simone. 

Em relação às outras lagoas (pretas e cristalinas) elas possuem sais (ainda que em níveis mais altos) em sua composição. Já as lagoas pretas possuem baixas quantidades de cianobactérias, o que torna o sistema menos rico, nutricionalmente. “Estas possuem maior concentração de íons, metais, materiais particulados e ácidos húmicos”, descreve.

Já as lagoas que possuem águas cristalinas apresentam baixíssima abundância de cianobactérias, e também de material particulado. “Nestes sistemas, as águas são mais limpas e possuem menor salinidade”, diz Simone. Tanto as análises de Simone quanto os registros de Pellegrinetti têm como principal objetivo compreender a distribuição dos microrganismos nas lagoas, que serão importantes subsídios para melhor compreender aqueles ecossistemas e as possibilidades de conservação dos mesmos. “As características do ambiente moldam os microrganismos, da mesma forma que os microrganismos moldam o ambiente que habitam, estabelecendo um equilíbrio muito importante para o funcionamento dos ambientes. Quando há mudanças ambientais, o equilíbrio, de um modo geral, é prejudicado podendo afetar os biomas”, adverte Pellegrinetti, lembrando que o projeto ainda está em andamento.

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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