Os círculos de fada da Namíbia são trechos irregulares de terra sem plantas ou grama, que se espalham por mais de mil milhas nas pastagens da África Austral, no deserto da Namíbia. Os trechos foram identificados pela primeira vez durante a década de 70 e desde então tornaram-se um dos grandes mistérios dentro da comunidade científica.
Embora ocorram em inúmeros locais ao longo do globo, os primeiros círculos de fada encontrados foram os da Namíbia, que permanecem no deserto. Devido a aparência misteriosa desses círculos, eles têm sido de interesse desde os tempos antigos. De fato, o nome “círculo de fadas” deriva de um tipo de folclore medieval, que afirmava que eles apareciam depois que um bando de fadas dançava em uma área.
Ao longo do tempo, inúmeros estudos publicados criaram teorias que tentam explicar as possíveis origens dos misteriosos círculos de fada da Namíbia. Inicialmente, a lenda local diz que eles foram criados por deuses que deixaram suas pegadas na terra vermelha.
E, embora novos estudos sejam feitos constantemente para entender o mistério por trás dessas formações, não se sabe ao certo como ou porquê elas ocorrem. As duas principais hipóteses que foram levantadas em mais de 50 anos de estudos são que os círculos são resultantes das atividades de cupins e do estresse hídrico das plantas.
“O deserto do Namibe é um sistema muito árido. Como a água é limitada, as plantas competem por recursos. À medida que a vegetação se expande e se desenvolve em uma mancha, as plantas menores próximas não conseguem obter a água necessária para sobreviver. A quantidade de vegetação diminui ou desaparece nas bordas da mancha, formando lacunas regulares e distanciadas”, explica a matemática Corina Tarnita, que estudou de perto os círculos de fadas da Namíbia, ao Science Friday.
“Você olha para eles a partir de uma imagem de satélite e pensa: ‘ah, eles se encaixam perfeitamente com essa teoria das plantas competindo por água’”, diz Tarnita. “Mas então você vai para o subsolo e descobre que sob cada um desses locais há uma colônia de cupins.”
Alguns estudos atribuíram a formação dos círculos de fada da Namíbia à atividade de cupins. Esse é o caso de uma pesquisa de 2023, publicada no jornal Nature Ecology & Evolution.
Ela foi realizada por uma equipe intercultural de pesquisadores da Universidade da Austrália Ocidental e povos aborígenes da região do deserto do país. Ao trabalharem com os povos aborígenes, os cientistas responsáveis pelo estudo foram inspirados a se aprofundar na teoria.
“Os aborígenes nos disseram que esses padrões circulares regulares de ‘pavimentos’ nus são ocupados por cupins spinifex.
“Vimos semelhanças entre os padrões da arte aborígine e as vistas aéreas das calçadas e encontramos pinturas que apresentam histórias profundas e complexas sobre as atividades dos cupins e de seus ancestrais”, disse Fiona Walsh, coautora do estudo.
As calçadas, conhecidas como Linyji pela população arborígene, são as “casas” dos cupins que vivem no subsolo. Essas informações foram passadas por gerações à população local.
“A superfície do pavimento é dura como concreto. Depois de cavarmos e tirarmos o pó para limpar as trincheiras, 100% delas tinham câmaras de cupins vistas horizontal e verticalmente na matriz. Quarenta e um por cento das trincheiras continham cupins colhedores vivos”.
“Os cupins e as estruturas de cupins eram muito mais comuns sob as calçadas do que nas pastagens spinifex próximas a elas, o que forneceu evidências científicas alternativas à teoria internacional dominante que explica o fenômeno do ‘círculo de fadas’ na Austrália”, concluiu Walsh.
Stephan Getzin, um ecologista da Universidade de Göttingen, na Alemanha, começou a analisar a formação dos círculos de fadas nos anos 2000. Desde então, o especialista contribuiu com diversas pesquisas sobre o fenômeno.
Em pesquisas anteriores, Getzin e seu time levantaram a hipótese de que as plantas nos anéis externos dos círculos evoluíram para maximizar sua água limitada no deserto. Seguindo a hipótese, o especialista passou anos na Namíbia acompanhando o crescimento das gramíneas para encontrar mais evidências para esta teoria.
Durante o período de seca, os pesquisadores instalaram sensores capazes de registrar a umidade do solo a cerca de 20 centímetros de profundidade e monitorar a absorção de água pelas gramíneas.
Ao analisar os dados desse período no ecossistema árido, foi concluído que a água de dentro dos círculos estava se esgotando rapidamente, apesar de não haver grama para usá-la, enquanto a grama do lado de fora continuava forte. Devido ao calor do deserto, as plantas evoluíram para criar um tipo de sistema de vácuo em torno de suas raízes que atraíam água em sua direção.
Ou seja, enquanto as gramíneas de dentro do círculo tentavam crescer, não recebiam água o suficiente para sobreviver.
Nesse estudo, os pesquisadores apontaram o fenômeno como um exemplo de “feedback ecohidrológico”, em que os círculos se tornam reservatórios que ajudam a sustentar as gramíneas nas bordas.
Esta auto-organização é usada para amortecer os efeitos negativos da crescente aridez, disse Getzin, e também é vista em outras terras áridas e áridas do mundo.
O professor Ehud Meron, da Universidade Ben-Gurion do Negev, tem estudado os círculos de fada da Namíbia para compreender como os ecossistemas respondem ao estresse hídrico. Segundo o especialista, todas as teorias até agora ignoraram o acoplamento entre dois mecanismos essenciais: a plasticidade fenotípica ao nível de uma única planta e a auto-organização espacial nos padrões de vegetação ao nível de uma população de plantas.
Junto com seus colegas, Meron propôs um novo modelo que considera tanto o padrão espacial por meio de um feedback água-vegetação dependente da escala, quanto as mudanças fenotípicas envolvendo o crescimento profundo das raízes para alcançar uma camada de solo mais úmida.
“Ao comparar as previsões dos modelos com observações empíricas, mostram que o acoplamento entre estes dois mecanismos é a chave para resolver dois enigmas pendentes que a teoria clássica da formação de padrões de vegetação não consegue explicar: o aparecimento de padrões de círculos de fadas em múltiplas escalas, onde o A matriz entre os círculos de fadas consiste em manchas de vegetação de pequena escala e na ausência de padrões de listras e manchas, além de padrões de lacunas, ao longo do gradiente de chuva, como prevê a teoria clássica.” (1)
Além disso, notaram que a combinação de mudanças fenotípicas ao nível da planta e padrões espaciais ao nível da população pode resultar em muitas vias adicionais de resposta do ecossistema ao stress hídrico, resultando em diferentes padrões multi-escala, todos eles significativamente mais resilientes ao stress hídrico do que aqueles que envolvem um único fenótipo.
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