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Estudo sugere que 16% da floresta queimará em 2050 e que incêndios emitirão mais carbono; zerar desmatamento atenua, mas não resolve problema

Imagem: Greenpeace/Divulgação

O aquecimento global deve tornar vastas porções da selva amazônica parecidas com a inflamável Austrália nos próximos 30 anos. Matas úmidas que antes não pegavam fogo deverão queimar anualmente, elevando ainda mais as emissões de gases de efeito estufa. Isso tende a ocorrer mesmo sem desmatamento – embora de forma menos grave se os brasileiros pararem de derrubar suas florestas.

O alerta foi feito na última sexta-feira (10) por uma dezena de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos no periódico Science Advances. Em seu estudo, eles cruzaram o comportamento do fogo na Amazônia com os modelos climatológicos do IPCC, o painel do clima da ONU.

Antes que alguém diga que se trata apenas de suposição de acadêmicos, cabe lembrar que a análise usou versões mais sofisticadas dos modelos computacionais que há pelo menos 13 anos já previam que a mudança do clima induziria secas severas e incêndios catastróficos no continente australiano, como os que estamos vendo desde setembro do ano passado.

O grupo liderado por Paulo Brando, da Universidade da Califórnia em Irvine, e do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), estimou que os incêndios florestais induzidos pelo aquecimento da Terra atingirão 16% da Amazônia brasileira até 2050. A área de florestas sujeita a fogo anualmente dobrará em relação à década passada, já anormalmente seca – de 3,3 milhões de hectares pra 6,6 milhões. Nesse mesmo período, somente as emissões brutas por fogo em matas podem chegar a 17 bilhões de toneladas. É quase dez vezes o que o Brasil emite em toda a sua economia por ano.

Esses incêndios e essas emissões não devem ser confundidos com as emissões por queimadas e desmatamento. Neste último caso, criminosos derrubam florestas – frequentemente para plantar capim e especular com a terra, em busca de anistias futuras, como a dada por Jair Bolsonaro em dezembro – e tocam fogo na vegetação derrubada para “limpar” o terreno. Foi o que aconteceu em 2019, ano em que as queimadas na Amazônia aumentaram 30% em relação ao ano anterior, e que o desmatamento, vejam só, também subiu 30%.

Esse combo desmatamento-queimada hoje é o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

Mas há outro tipo de incêndio na Amazônia: são os fogos que atingem florestas vivas em anos extremamente secos, como os de El Niños graves. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Roraima em 1998, ou na porção central-sul da Amazônia nos anos de seca recorde de 2005, 2010 e 2015/16.

Brando e seus colegas postulam que esses incêndios recorrentes em matas em pé ultrapassarão o desmatamento como principal causa das emissões de gases de efeito estufa por destruição da Amazônia.

“Este estudo é o primeiro a estimar a área queimada e o balanço de carbono após incêndios florestais. Agora temos uma base sólida quando dissermos que os incêndios florestais na Amazônia se tornarão um problema cada vez maior”, afirmou o pesquisador do Ipam ao OC.

Churchill

Os cientistas fizeram suas simulações de clima futuro em computador, utilizando dois cenários climáticos dos modelos do IPCC: o chamado RCP 2.6, no qual a humanidade tem sucesso em estabilizar o aquecimento em 2oC, em linha com o Acordo de Paris; e o RCP 8.5, no qual nada é feito para combater as emissões de carbono. A chance de fogo no centro-sul da Amazônia (que concentra 60% da área do bioma no Brasil) foi cruzada com os cenários de clima em dois cenários de desmatamento: um com taxas semelhantes às atuais e um sem.

Nos cenários com desmatamento, a área queimada entre 2010 e 2050 ultrapassa 22 milhões de hectares (equivalente a uma Argentina) e as emissões acumuladas brutas chegam a 17 bilhões de toneladas.

Nos cenários sem desmatamento a área queimada e as emissões caem 30%.

“Nossa análise mostra que teremos de ter uma estratégia em dois trilhos para proteger a Amazônia”, afirma Douglas Morton, pesquisador do Centro Goddard de Voo Espacial da Nasa, especialista em fogo na Amazônia e coautor do estudo. “Reduzir o desmatamento limita a quantidade de florestas em risco nas próximas décadas, mas essa ação precisa ser casada com esforços globais para reduzir emissões de gases-estufa”, prossegue. “As simulações mostram risco de fogo mesmo sem novos desmatamentos, indicando como a mudança do clima dificultará evitar danos pelo fogo no futuro.”

Brando diz que, mesmo com efeito limitado, os esforços de eliminação do desmatamento precisam acontecer, para não ampliar ainda mais a catástrofe que se anuncia. Ele lembra que o título do artigo científico, The gathering firestorm (a aproximação da tempestade de fogo), é uma referência ao primeiro volume das memórias de Winston Churchill sobre a 2a Guerra Mundial, The gathering storm (a aproximação da tempestade).

“Churchill descreve seus esforços para convencer o Parlamento britânico a agir contra a Alemanha nos anos 1930. Mesmo que as chances de ação sejam pequenas, nosso papel é informar o público e a comunidade científica sobre o problema iminente.”



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