O clorpirifós é um agrotóxico organofosforado classificado como inseticida, formicida e acaricida. Cristalino e tóxico, ele é utilizado para controlar pragas como mosquitos, baratas, larvas, besouros-saltadores e formigas de fogo.
Os agrotóxicos organofosforados, primeiramente utilizados como armas químicas, são classificados na farmacologia como anticolinesterásicos, ou seja, agentes que afetam o funcionamento do neurotransmissor acetilcolina, envolvido na memória e aprendizagem.
Esses “venenos” são largamente utilizados no mundo todo, principalmente nos países em desenvolvimento. O Brasil é um dos países que mais faz uso deste produto, como indicado na matéria “Dossiê aponta Brasil como país que mais usa agrotóxicos no mundo”, tendo seu uso aumentado em 162% em 12 anos. Em 2009, o país atingiu o primeiro lugar no ranking de consumo de agrotóxicos, mesmo sem ocupar a posição de maior produtor agrícola mundial.
O consumo desse “defensor agrícola” – eufemismo utilizado pela empresas que vendem esses produtos – é preocupante e traz muitas consequências negativas. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), foram registrados, no período de 2007 a 2011, 26.385 casos de intoxicações por agrotóxicos de uso agrícola. Em 2009, seu uso ultrapassou cinco mil toneladas de princípios ativos em 726.017 hectares de área plantada.
Nomeado pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac, na sigla em inglês) como O,O-dietil O-3,5,6-tricloro-2-piridil fosforotioato, ou C9H11Cl3NO3PS, o clorpirifós é um sólido cristalino branco praticamente insolúvel em água. Ele é utilizado por meio de aplicação foliar nas culturas de algodão, batata, café, cevada, citros, feijão, maçã, milho, pastagens, soja, sorgo, tomate (uso autorizado somente para tomate rasteiro, com fins industriais) e trigo; por aplicação localizada na cultura da banana (saco para proteção do cacho); por aplicação no solo nas culturas de batata e milho; e também no controle de formigas, na forma de isca granulada.
Em 2001, os Estados Unidos restringiram o uso doméstico da substância após a Agência de Proteção Ambiental do país (EPA, na sigla em inglês) demonstrar que a exposição a baixas concentrações de clorpirifós pode interferir no desenvolvimento do sistema nervoso de mamíferos, além de estar relacionada com a ocorrência de baixo peso e cabeças pequenas em recém-nascidos. Devido ao alto risco para a saúde das crianças, foram cancelados todos os registros de produtos contendo clorpirifós para uso residencial, com exceção de iscas para aplicação no controle de baratas que sejam dotadas de dispositivos de segurança para proteger crianças e animais de qualquer exposição ao ingrediente ativo utilizado. A partir dessa proibição foi percebido o aumento do peso dos recém-nascidos no país.
Na Europa, o uso desse pesticida está em fase de término desde 2006, e nos EUA é permitido apenas para o combate de pragas em fazendas, sendo utilizado para a produção de aproximadamente 50 culturas. Em 2017, especialistas químicos norte-americanos tentaram proibir seu uso por conta dos possíveis danos, porém o presidente da EPA rejeitou as propostas, mantendo o uso liberado.
No Brasil, em 2004, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) adotou a mesma medida que a EPA a este respeito, de modo que no país o clorpirifós é permitido para uso agrícola e restrito para uso doméstico. A regulamentação se deu por meio da Resolução – RDC n°226, de 28 de setembro de 2004.
O clorpirifós é uma substância inflamável e que pode causar intoxicações graves, sendo absorvido pelas vias oral, cutânea e respiratória. A inalação ou ingestão de clorpirifós afeta o sistema nervoso e causa, dependendo da dose e duração da exposição, desde dores de cabeça até inconsciência.
De acordo com Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês), o clorpirifós é um inseticida associado, em vários estudos de grupo realizados junto de aplicadores do produto, ao aumento de risco de leucemia e de linfoma não-Hodgkin. Estudos mecânicos indicaram que a substância é tóxica para genes, sistema imunológico e afetam a proliferação e sobrevivência celular.
Também há estudos que demonstram que a exposição a clorpirifós pode diminuir progressivamente a capacidade neuronal, uma vez que o agrotóxico altera o funcionamento dos microtúbulos, filamentos fundamentais para a divisão e manutenção das estruturas celulares, afetando as proteínas relacionadas a eles.
Além disso, conforme revisão de Eaton e colaboradores (2008), o pesticida mostrou-se neurotóxico, desregulando o eixo hormonal da tireoide de camundongos expostos ainda em vida intrauterina. O clorpirifós também interferiu no sistema reprodutivo masculino de ratos que entraram em contato por ingestão oral, induziu alterações no tecido dos testículos e levou à diminuição da contagem de espermatozoides e da fertilidade animal.
No Brasil, em 1999, uma contaminação coletiva causou a intoxicação de 112 funcionários em um hospital de Porto Alegre por conta do uso do inseticida. O “veneno” foi utilizado em oito postos de saúde comunitários e teve seu funcionamento retomado mesmo com forte odor e poças de produto nesses locais, causando a contaminação. As pessoas intoxicadas ainda sofrem consequências graves como: alterações no ciclo menstrual, fadiga, dor muscular, pesadelos, insônia, irritabilidade, lesões dermatológicas, disfunção na tireoide, problemas hepáticos, depressão e até tentativas de suicídio (veja mais sobre os danos que os agrotóxicos podem causar em nossa matéria “Os estragos causados pelo uso de agrotóxicos no mundo e no Brasil”).
O mecanismo de ação do clorpirifós ocorre pela inibição da acetilcolinesterase (AChe), enzima responsável por hidrolisar a acetilcolina (Ach), um neurotransmissor envolvido na memória e na aprendizagem. O inseticida se liga ao centro esterásico da AChe, impossibilitando-a de exercer sua função de hidrolisar o neurotransmissor Ach em colina e ácido acético. A inativação do Ach faz com que ele aja por mais tempo e com maior intensidade nas sinapses nervosas (superestimulação colinérgica). A maior permanência da Ach nas fendas sinápticas potencializa os efeitos parassimpáticos, tais como miose ocular, náuseas, vômito, diarreia, entre outros.
A duração dos efeitos é determinada pelas propriedades do produto (solubilidade em lipídios), pela estabilidade de sua união com a acetilcolinesterase e pelo envelhecimento ou não da enzima. A inibição da Ach é feita no início por uma ligação iônica temporária, mas a enzima é gradativamente fosforilada por uma ligação covalente em 24 a 48 horas (“envelhecimento da enzima”) e, quando isso ocorre, a enzima não mais se regenera.
A inibição causada pelo composto tende a ser irreversível sem o tratamento correto. A taxa de regeneração, no entanto, varia conforme o processo de “envelhecimento” da enzima. Quando se atinge o ponto de irreversibilidade, pode-se resultar em um efeito cumulativo caso ocorra exposição recorrente ao composto. Então, a intoxicação não depende só da intensidade à exposição, mas também da taxa de regeneração da enzima.
O clorpirifós é classificado pelo Ministério da Saúde como altamente tóxico (Classe II). No meio ambiente, esse pesticida é afetado, além de por suas propriedades físicas, pelas características do solo, práticas de aplicação e condições do meio, como vento, temperatura e umidade.
Na natureza, o clorpirifós apresenta um alto grau de volatilidade (1.9 x 10-5 mmHg/ 25°C), o que o torna altamente dispersivo pelo ambiente. Sua degradação e a de seus metabólitos no solo se dá principalmente por fotocatálise, com uma meia vida que pode variar de 60 a 120 dias, dependendo de fatores como pH do solo, temperatura, clima, umidade e teor de carbono orgânico.
No meio aquático, é altamente tóxico para algas, crustáceos e peixes. Em julho de 2013, no rio Kennet, uma contaminação por uma quantidade de meia xícara desse agrotóxico durante a lavagem de um dreno foi suficiente para envenenar insetos e camarões por um raio de aproximadamente 15 km. Este composto parece ser absorvido pelos animais aquáticos, em sua maioria, diretamente da água, em vez de ingerir a partir da dieta ou pela exposição a sedimentos contaminados.
No meio terrestre, as minhocas e as abelhas são os animais que sofrem maior impacto. As minhocas por conta do contato direto com o solo contaminado e as abelhas pela ingestão do pólen de frutas contaminadas. Em um estudo de revisão feito nos EUA, Brasil, Índia e vários outros países europeus, foi observado contaminação por clorpirifós em quase 15% das amostras de pólen de colmeia e pouco mais de 20% das amostras de mel. Devido a essa alta prevalência de clorpirifós no pólen e no mel, é observado que as abelhas são mais impactadas por este agrotóxico do que por outros.
Quando expostas em laboratório aos níveis encontrados pelo estudo, as larvas das abelhas tiveram uma taxa de mortalidade de 60% dentro de um período de seis dias, em comparação a 15% de mortalidade no grupo controle. As abelhas adultas expostas aos efeitos subletais apresentaram comportamentos alterados, passaram a percorrer menores distâncias, apresentaram maior dificuldade para se endireitar, espasmos abdominais incomuns e mais grooming (detecção e remoção de ácaros ectoparasíticos). Além disso, o cloreto de clorpirifós parece inibir a acetilcolinesterase no tecido intestinal das abelhas em oposição ao tecido da cabeça.
O clorpirifós, assim como vários outros inseticidas, é largamente utilizado na produção de alimentos convencionais (não orgânicos). Estes agrotóxicos são usados em boa parte de forma indiscriminada, prejudicando a saúde de quem os consome e do meio ambiente.
Alguns pesquisadores estão trabalhando no desenvolvimento de alternativas para o uso de pesticidas, utilizando técnicas biológicas como o encapsulamento de fungos. Entretanto, enquanto o uso dessas tecnologias não é muito difundido, a solução para evitar seu consumo é utilizar alternativas naturais para livrar seus alimentos de pesticidas de forma saudável ou consumir alimentos orgânicos.
Na produção de alimentos orgânicos, o agricultor faz uso de técnicas como o ajuste da produção de alimento ao local de plantio, uso de predadores naturais para se livrar das pragas, alternância do cultivo e uso de adubo e fertilizantes naturais, de forma que são cultivados alimentos não prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
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