A Trimeresurus insularis é uma espécie nativa da Ásia e sua presença no Brasil é um alerta sobre os perigos e os impactos do tráfico de animais
A cobra azul, também conhecida como víbora-de-lábios-brancos (Trimeresurus insularis), é uma espécie asiática, tipicamente encontrada na cor verde. Sua bela coloração azul é uma variação fenotípica da víbora, que também já foi encontrada na cor amarela. Como a maioria delas é esverdeada, esse traço é o que torna a cobra azul uma espécie tão rara.
Existem mais de 40 espécies de víboras da família Trimeresurus, todas são venenosas. Segundo pesquisadores, as Trimeresurus insularis azuis e amarelas não são comuns e foram encontradas especificamente nas Ilhas de Komodo, Timor e Wetar, localizadas na Indonésia.
Quais são as principais características da cobra azul?
As víboras insularis são predadores oportunistas. A cobra azul se alimenta de pequenos mamíferos, como roedores, além de lagartos, sapos e pássaros, enquanto se deslocam lentamente. Apesar da característica letárgica, seu ataque é voraz.
São cobras de hábito noturno, que passam o dia enroladas em galhos, nas copas de árvores das florestas que habitam. Além de florestas de zonas intertropicais, temperadas e secas, as víboras-de-lábios-brancos também habitam biomas montanos. Da mesma forma, essa espécie é comumente encontrada em plantações de chá e café, bambuzais e arbustos, em regiões asiáticas.
Apesar de ser uma espécie nativa da Ásia, a cobra azul já foi encontrada no Brasil, vítima do tráfico internacional de animais silvestres.
Tem cobra azul no Brasil?
Em fevereiro de 2023 chegou, no Instituto Butantan, um exemplar da cobra azul, da espécie Trimeresurus insularis. A cobra, que estava sendo transportada com outros 59 animais exóticos ilegalmente, foi resgatada em um ônibus, no município de Eunápolis, na Bahia, no mês anterior. O ônibus vinha de São Paulo.
Os animais viajavam em condições precárias, caracterizando maus tratos. Na ocasião haviam duas cobras da espécie Trimeresurus insularis. No entanto, devido às condições insalubres em que viajavam, apenas uma sobreviveu.
Esses animais foram descobertos graças à fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O Ibama foi acionado e fez o transporte dos animais para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Porto Seguro, na Bahia.
Alguns animais foram encaminhados para o Instituto Butantan, foram tratados e passaram por um período de quarentena, até que fosse seguro encaminhá-los para o Museu Biológico do Parque da Ciência Butantan.
Os perigos da espécie exótica
De acordo com especialistas do Butantan, o veneno da cobra azul tem duas características principais: é hemolítico e proteolítico. O fato de ser hemolítico tem a ver com o sangue, podendo causar hemorragias, uma vez que as hemácias são destruídas.
A característica proteolítica está relacionada à degradação de proteínas, o que pode causar a necrose dos tecidos. Por outro lado, o veneno da cobra azul não apresenta efeito neurotóxico, ou seja, não afeta o sistema nervoso.
Outro alerta importante é feito pelos especialistas, por conta da falta de soro antiofídico de espécies exóticas no Brasil. Os imunizantes existentes no País são eficazes contra espécies nativas apenas. Um acidente, com a cobra azul ou com qualquer outra espécie exótica, poderia ser fatal.
Além disso, outro grave problema, acarretado pelo tráfico de animais, corresponde aos riscos biológicos, já que essa é uma forma de dispersão de microrganismos, parasitas e doenças. É só lembrar que o coronavírus, o vírus que desencadeou a pandemia de Covid-19, tem ligação com espécies de morcegos.
O tráfico ilegal de animais exóticos e silvestres também é uma séria ameaça à biodiversidade.
O tráfico ilegal de animais silvestres e exóticos
O hábito de criar animais silvestres e exóticos, em ambientes domésticos, é uma prática que financia o tráfico ilegal de animais e os maus tratos que esses seres sofrem em razão disso.
A Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) estima que 38 milhões de animais silvestres são retirados da natureza anualmente. Além disso, nove de cada dez animais, vítimas do tráfico, morrem devido às péssimas condições de armazenamento e transporte.
A Renctas também reforça que o tráfico de animais é a terceira maior atividade ilegal do planeta, perdendo apenas para o tráfico de armas e de drogas. Só no Brasil, essa atividade cruel movimenta cerca de 2 bilhões de dólares anualmente.
O comércio de animais
Uma pesquisa, divulgada pela Sciece Direct, reforçou que o comércio ilegal de vida selvagem figura entre as indústrias ilegais mais lucrativas de todo o mundo. Além disso, o comércio de animais é um principais responsáveis pela perda de biodiversidade no planeta.
De acordo com o estudo, existem cinco principais setores que se aproveitam e lucram, a partir do comércio de animais.
A moda e a exploração animal fora de moda
O setor da moda é um deles. Isso porque diversos itens, como casacos, bolsas, cintos e sapatos, utilizam produtos de origem animal na sua confecção. Os fabricantes de artigos de moda estão entre os principais consumidores desse comércio. Nesse caso, as peles de répteis são o principal foco do comércio ilegal alimentado por essa indústria.
Animais de estimação exóticos e silvestres
Outro setor é o de pets exóticos (ou silvestres). O estudo aponta que 68% da população de papagaios, existente em regiões neotropicais, é afetada pelo comércio. Além disso, o comércio de animais de estimação exóticos também passa por uma “lavagem”. O que significa que animais silvestres são capturados e entram em sistemas legalizados de reprodução em cativeiro.
De acordo com os pesquisadores, os “donos” de animais silvestres e exóticos, se auto proclamam como “amantes dos animais”, “entusiastas” e ainda, “colecionadores”. Mas a realidade é que, além de financiarem práticas ilegais, contribuem para o sofrimento animal e a perda de biodiversidade.
Medicina tradicional sem comprovação científica
A medicina tradicional também está ligada ao tráfico de animais. Os pesquisadores afirmam que cerca de 53% de espécies de répteis aplicadas em procedimentos da medicina tradicional, mundo afora, estão ameaçadas de extinção. Além disso, medicamentos dessa linha, como tônicos feitos a partir de produtos de origem animal, como “bile de urso”, por exemplo, não demonstram efeitos positivos quando testados cientificamente.
O estudo também reforça que 60% das doenças infecciosas emergentes em humanos são causadas por zoonoses. Além disso, quase 72% pode ser atribuída a animais selvagens.
Comida selvagem como símbolo de status
O setor de comida selvagem, apesar de não ser proibido, também contribui com o comercial ilegal de animais. Apesar de alguns animais serem caçados e servirem de alimentos para populações rurais e de baixa renda, por outro lado, alimentos selvagens são servidos como iguarias, reforçando o símbolo de status, em algumas regiões do mundo. De acordo com o estudo, isso inclui diversas espécies em risco de extinção.
O caviar, por exemplo, é apontado como tendo 90% de sua origem a partir de fontes ilegais. O caviar é proveniente, principalmente, do peixe esturjão. A exploração ilegal e desenfreada da vida marinha gera inúmeros problemas ambientais e o peixe figura na lista de espécies ameaçadas de extinção.
Pedaços de animais como adornos
Assim como a indústria da moda, os setores de decoração, acessórios e jóias, também contribuem para o comércio ilegal de animais e suas consequências. Chifres e peles de animais são usados como troféus e são símbolo da caça ilegal. Móveis, jóias, talismãs e amuletos são feitos a partir de partes de animais, contribuindo para a continuidade dessa prática ilegal e a diminuição das espécies.
Os impactos do comércio de animais nos ecossistemas
Além de prejudicar o desenvolvimento das espécies, o tráfico ilegal de animais colabora para o enfraquecimento dos ecossistemas. As técnicas, utilizadas para a captura de animais, além do transporte e do acondicionamento, causam o sofrimento desses seres, levando muitos à morte.
Dependendo da finalidade, os animais são caçados de forma ainda mais cruel. Alguns métodos de caça, com armadilhas, tendem a infligir um enorme sofrimento e a morte lenta desses animais.
Esse tipo de exploração animal leva diretamente à perda de biodiversidade, ao declínio de espécies e a consequente extinção. A perda da diversidade genética pode causar outros problemas, como a depressão por endogamia (acasalamento entre indivíduos da mesma família), gerando um colapso populacional, como explicam os pesquisadores.
A introdução de espécies invasoras em ambientes também é um problema. Um dos casos mais conhecidos é a introdução da cobra píton (Python bivittatus) no parque norte-americano de Everglades. Além de ter se tornado superpopulosa, essa espécies têm ameaçado de extinção espécies nativas da região.
Os cientistas afirmam que o tráfico e o comércio de animais são problemas globais de múltiplas camadas. Além da crueldade praticada, causam desequilíbrio e põem em risco a saúde, a diversidade e a estabilidade dos ecossistemas.