Por Andre Derviche em Jornal da USP – No Brasil, o combate à corrupção encontra-se enfraquecido. Entre 15 países da América Latina, o Brasil teve a pior queda em pontuação. Como resultado, ele caiu de 2º, em 2019, para 6º, em 2021. Os dados são do ranking Capacidade de Combate à Corrupção (CCC), da Americas Society/Council of the Americas e da Control Risks.
Esse tipo de indicador demonstra um longo histórico de corrupção no Brasil, que, com o passar do tempo, acaba criando uma relação íntima com a população, o que é percebido principalmente no período de eleições. Nesses momentos, é comum ver pautas voltadas ao combate à corrupção serem decisivas nas vitórias de candidatos políticos.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, escândalos como o superfaturamento de vacinas, o orçamento secreto e o caso das rachadinhas acompanharam um cenário em que 61% dos brasileiros acreditavam que o nível de corrupção iria aumentar nos meses seguintes a uma pesquisa realizada em setembro pelo DataFolha.
Quando existem casos de corrupção na classe política, a repercussão pode aparecer até mesmo dentro da população. “O efeito prático dessa percepção de aumento da corrupção é que as pessoas vão se tornar mais corruptas e, de certa forma, menos indignadas, menos controladoras e menos exigentes em relação à corrupção em geral”, afirma o professor Christian Dunker, do Instituto de Psicologia da USP.
Dunker lembra das “pequenas corrupções” que se tornam até comuns em certos ambientes do convívio do brasileiro. Para exemplificar, é possível citar uma pesquisa feita pela empresa de consultoria e auditoria Ernst & Young (EY), que ouviu 2.550 executivos de 55 países, e mostrou que, para 96% dos profissionais brasileiros entrevistados, as práticas de suborno ou corrupção ocorrem amplamente nos negócios.
Outras ações, como furar fila e falsificar documentos, também não são raras de aparecer no cotidiano do brasileiro. São elas que compõem o chamado “jeitinho brasileiro”, expressão popular que se refere ao ato de tirar vantagem de uma situação, podendo ser um conceito tanto positivo quanto negativo.
Mas a professora Ana Tereza Sadek, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ressalta que é importante diferenciar essas pequenas corrupções daquelas encontradas na classe política: “A grande preocupação é com a esfera pública. Porque a esfera pública é um desvio de recursos que são da sociedade, que são provenientes de impostos que são pagos e que são desviados”.
Nas ciências sociais, não é possível dizer que a corrupção está na natureza do brasileiro. O que estimula esse espírito é o mal exemplo que os políticos e as instituições que os punem podem dar. “Quando existe impunidade, a probabilidade de você diminuir a corrupção é muito alta”, afirma Ana Tereza.
Outros dados corroboram para vincular o combate à corrupção na classe política com a percepção dos brasileiros com relação a essas transgressões. Em 2016, a Ipsos Public Affairs indicou, em uma pesquisa, que 75% dos entrevistados achavam que a Operação Lava-Jato – tida, à época, como de enfrentamento à corrupção de agentes públicos – iria transformar o Brasil em um país sério.
Mas com a suspeição do juiz Sergio Moro, um dos principais nomes da Lava-Jato, esse panorama foi colocado à prova. “Em nome do combate à corrupção, vimos mais corrupção”, afirma Dunker.
“A pauta da corrupção é decisiva para a finalidade eleitoral, ela traduz uma aspiração de que a ética e a política se reconciliem”
– Christian Dunker
Voltando à esfera individual do brasileiro, o combate às pequenas corrupções passa pela educação e pela aplicação das leis. “É preciso criar um ambiente em que essa questão não se desenvolva. Se você tem um ambiente em que o poder público desvia verba e trata a corrupção como ‘normal’, então, o cidadão comum se sente também no direito de fazer isso”, afirma Ana Tereza. Outro caminho é rever estruturas do funcionalismo público e revistar nossas raízes históricas. Para Dunker, a dependência burocrática dos cartórios poderia ser reinventada com o processo de informatização. “O Brasil se tornou e se mantém um país patrimonialista, em que os bens e o espaço público são geridos como propriedades daqueles que deviam torná-los ainda mais comuns a todos nós”, conclui o professor.
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