Por Rosana Villar, do Greenpeace Brasil
No sul do Amazonas, bem perto de onde a coluna de árvores encontra a cerca dos pastos, um braço de rio cor de café serpenteia através de uma floresta viva e pulsante. Nossa história começa aí, onde milhares de pessoas lutam pela construção de um novo rumo para seu pedaço de Amazônia, e a natureza é a mãe da resistência.
O Rio Manicoré é um afluente do Madeira e dá nome ao município que atravessa. Desde 2015, Manicoré aparece na 5ª posição no ranking do desmatamento no estado e, só no último ano, 134,67 quilômetros quadrados (km²) foram desmatados por ali. Ameaça, afinal, é o que não falta. O município fica em uma fronteira quente de destruição, onde convergem os estados do Amazonas, Rondônia e Acre.
Enquanto ao norte de Manicoré, gigantescas balsas de garimpo espalham-se às centenas pelos rios, contaminando as águas e os peixes, mais ao sul a floresta vem sendo rapidamente roubada e destruída por exploração ilegal de madeira e para virar pasto.
Esse processo é alimentado pela falta de fiscalização, as sucessivas flexibilizações na lei ambiental do Brasil, o perdão a desmatadores e grileiros de terras e, sobretudo, porque nosso futuro foi colocado à venda, para que empresas e políticos possam lucrar até a última folha.
Política que faz crescer também a violência na região contra comunidades tradicionais e povos indígenas, contra ativistas, fiscais e profissionais que ousam denunciar o absurdo desta situação, como a que levou a vida do indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips no início de junho.
É o resultado material do modelo de desenvolvimento que vem sendo colocado em prática na Amazônia desde a ditadura, uma “economia da destruição”, apresentada como coisa moderna, embora todo mundo já saiba que, moderno mesmo, é floresta em pé.
A ciência já demonstrou que o bioma Amazônia é fundamental para o equilíbrio do clima, das chuvas, para a biodiversidade e tem um potencial de uso sustentável tão grande quanto sua própria extensão, de 4,2 milhões de km². Muita gente já sabe disso e luta por um modelo de desenvolvimento que leve tudo isso em conta. Mas na verdade, não temos nem muita escolha, existe uma crise do clima e da biodiversidade batendo à porta, e a destruição da Amazônia só acelera essas crises, que se avançarem tornarão qualquer tipo de desenvolvimento inviável.
No Rio Manicoré, um grupo de comunidades, onde vivem cerca de 4 mil pessoas, luta há 16 anos pela criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), um tipo de Unidade de Conservação (UC) que existe para proteger áreas naturais e de grande relevância biológica, ao mesmo tempo que garante o uso sustentável dos recursos naturais por populações tradicionais, assegurando seu modo de vida.
As comunidades associadas à Central das Associações Agroextrativistas do Rio Manicoré (Caarim) buscam desde então provar a relevância e necessidade de ter sua floresta protegida. Esse ano, a Caarim finalmente recebeu uma Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) para uso coletivo, o que impede que títulos de terra sejam concedidos a pessoas que não residam ali, dentro da área total de 3.899,32 km² concedida no documento, e possibilita que atividades sustentáveis sejam realizadas dentro da área.
Mas só o documento ainda não resolve o problema, é preciso colocar a regra para funcionar, ou como se diz na linguagem técnica, implementar a CDRU, que na prática significa, dentre outras questões, criar um conselho de gestão, decidir como o território será utilizado e as atividades que podem ocorrer lá dentro. Além disso o Estado tem que fiscalizar, para garantir que atividades ilegais e invasões não ocorram.
Assim como esta região ainda não havia sido destinada para o uso sustentável, existem mais de 500 mil km² de florestas públicas não destinadas na Amazônia. São florestas em terras do País ou dos estados, patrimônio de todos os brasileiros, mas que, na prática, são de quem chegar primeiro. Alvos fáceis para a grilagem. Hoje, um terço de todo o desmatamento da Amazônia ocorre nessas áreas. Destinar oficialmente estas áreas para um uso sustentável e de conservação é uma imensa contribuição para começarmos a sair do poço da crise climática em que nos metemos, e uma ótima estratégia para baixar o desmatamento na Amazônia, que não pára de subir.
É disso que a Amazônia precisa agora, o que todo mundo precisa, na verdade: mais proteção, que as pessoas amem e cuidem da floresta, que venerem a vida, e não mitos. Estamos naquela parte do filme em que os cientistas vão na TV alertar sobre a onda gigante ou sobre o vírus mortal, e ninguém liga. Mas tem gente que liga, e é do lado delas que vamos estar agora.
A Expedição fluvial da Amazônia que Precisamos foi a forma que encontramos para contar ao mundo, e aos próprios brasileiros neste ano tão importante, sobre essas pessoas, esse lugar, esse recorte tão potente da Amazônia que sonhamos para o futuro, com floresta em pé, dignidade, biodiversidade e ciência.
A expedição também é uma plataforma para apoiar o trabalho de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o INPA, e de instituições parceiras em seus estudos sobre a rica biodiversidade deste pedaço tão pouco estudado da Amazônia.
E vamos te contar todos os detalhes, cada história, cada espécie, cada encontro. Porque esse foi só o primeiro capítulo de uma história que ainda está sendo escrita. Acompanhe e saiba tudo sobre a expedição Amazônia Que Precisamos!
Este texto foi originalmente publicado pelo Greenpeace Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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