Globalmente, cerca de 70% das cidades já enfrentam os efeitos da emergência climática
Por Luana Betti e Felipe da Rocha em WRI Brasil – Não foi por acaso que o Pacto Climático de Glasgow enfatizou a importância do direcionamento do fluxo de financiamento para a mitigação e adaptação à mudança do clima. O acesso a recursos financeiros ainda é um dos principais gargalos para viabilizar a ação climática globalmente. Isso é especialmente verdade nas cidades de países em desenvolvimento como o Brasil, marcadas por restrições recorrentes de recursos e, consequentemente, por passivos históricos de infraestruturas e serviços urbanos.
As cidades são centrais na mudança do clima. Globalmente, cerca de 70% delas já enfrentam os efeitos da emergência climática e precisam sanar as carências de infraestrutura com investimentos de baixo carbono e resilientes. Nesse cenário, as instituições financeiras de desenvolvimento (IFDs), responsáveis por cerca de 70% do financiamento público global para ação climática entre 2019 e 2020, despontam como atores centrais.
Na COP26, os bancos multilaterais de desenvolvimento reafirmaram seu compromisso em apoiar a transição climática e a busca por alinhamento de suas estratégias e políticas de investimento com o Acordo de Paris. No Brasil, essas instituições têm um papel histórico importante no financiamento de projetos de longo prazo, em especial no setor de infraestrutura, e são agentes-chave na operacionalização de fundos verdes e climáticos internacionais. Para avançar o desenvolvimento urbano resiliente, de baixo carbono e inclusivo, cidades precisam entender como as IFDs internacionais atuam e como utilizar suas formas de financiamento.
Um encontro online da Rede para Financiamento de Infraestrutura Sustentável em Cidades (Rede Fisc) reuniu representantes de organizações nacionais e internacionais, incluindo bancos de desenvolvimento e facilities de preparação de projetos, para debater o papel das IFDs internacionais no financiamento de infraestrutura sustentável nas cidades brasileiras. Nas discussões, ficou claro que a atuação dessas instituições não se limita à concessão de crédito, mas abrange também a capacitação técnica nas soluções sustentáveis, a qualificação de projetos e a promoção da agenda climática global em nível local.
IFDs nacionais e internacionais têm papéis diferentes
Instituições públicas em sua maioria, as IFDs são focadas em promover o desenvolvimento nas suas regiões-foco e utilizam instrumentos financeiros, especialmente operações de crédito, para executar seus mandatos. Neste grupo, incluem-se bancos públicos de desenvolvimento internacionais, nacionais e subnacionais, com objetivos, tamanho, área e escopo de atuação diversos.
Bancos de desenvolvimento internacionais, também chamados bilaterais e multilaterais, são instituições supranacionais compostas por recursos de dois ou mais países, com atuação focada nos países-membros. Atuam com foco no financiamento soberano, tendo como principais beneficiários os governos nacionais. Contam com corpo técnico especializado e uma estrutura institucional historicamente orientada para políticas formuladas a partir de programas e prioridades nacionais. Priorizam projetos de grande escala, tanto em termos de escopo quanto de valores. Os processos e exigências de capacidade de pagamento das IFDs internacionais são diferenciados, já que elas realizam operações internacionais, geralmente em moeda estrangeira. No caso do Brasil, essas exigências incluem a obtenção de garantia soberana do Governo Federal para a operação de crédito, a qual requer a aprovação da Comissão de Financiamentos Externos (COFIEX) do Ministério da Economia. Por tudo isso, as IFDs internacionais tendem a atuar com cidades mais populosas e com maior capacidade institucional.
Com maior capilaridade nos municípios, os bancos de desenvolvimento nacionais apoiam, além de cidades de grande e médio porte, projetos de menor escala e de cidades menores. Em geral, essas instituições pertencem a governos locais e focam no financiamento direto ao desenvolvimento de regiões específicas do país. Os recursos provêm, em sua maioria, de governos ou de entidades públicas nacionais, com objetivo de promover o financiamento conectado com as políticas públicas de desenvolvimento do país. Com conhecimento da realidade local, IFDs nacionais atuam de forma direta, provendo crédito a cidades através de programas específicos e de produtos mais customizados, ou indiretamente, repassando recursos a instituições subnacionais.
IFDs internacionais: papéis além do financiamento
De acordo com um estudo do WRI Brasil, GIZ no âmbito do projeto Felicity e Ministério de Minas e Energia, IFDs internacionais têm desempenhado um importante papel no avanço da transição climática no Brasil. O estudo apurou 73 projetos aprovados pela COFIEX de 2017 a 2019, além dos projetos realizados pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e pelo Banco Europeu de Investimento (BEI), totalizando US$ 7,9 bilhões, distribuídos entre nove bancos multilaterais e bilaterais de desenvolvimento. Constatou-se que 60% dos projetos, representando 52% do valor total aprovado, continham componente verde ou climático e estavam voltados para setores predominantemente urbanos ou tinham impacto ou finalidade explicitamente urbanos.
Contudo, a relevância das IFDs internacionais no avanço da agenda climática nas cidades não se limita à oferta de crédito: inclui, também, a disseminação de conhecimento e o estímulo a avanços técnicos, institucionais e legais para viabilizar a implementação das grandes agendas de desenvolvimento globais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a agenda climática. Essas instituições promovem suporte e assistência técnica e disseminam recomendações com base em experiências em outros países, não somente para os governos locais, que lideram a implementação de projetos, mas para os bancos de desenvolvimento nacionais.
Um exemplo disso é o projeto InfraInvest: Infraestrutura Sustentável para o Brasil, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia. O projeto produziu diversos relatórios sobre instrumentos de financiamento para infraestrutura sustentável focados no contexto brasileiro, como títulos verdes e gestão financeira consorciada (blended finance), a fim de promover a sua implementação no país.
A qualificação de projetos é outra linha de atuação importante, já que tende a aumentar as chances de sucesso socioambiental e climático dos projetos e a torná-los mais atraentes para o setor privado. Por isso, as IFDs internacionais combinam a provisão de capacidade técnica e de recursos para financiar os investimentos necessários. Investimentos de baixo carbono, em geral, são baseados em tecnologias inovadoras, ou não sistematicamente implementadas, que demandam uma atuação integrada entre diferentes áreas e setores. Um exemplo é a originação compartilhada de projetos realizada pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), em que o banco apoia as prefeituras em seus projetos desde os estágios iniciais da concepção das propostas de financiamento através de uma equipe técnica dedicada.
Um só tipo de IFD não faz a transição
Apesar de as IFDs internacionais apresentarem elevada capacidade de indução de novos investimentos na direção “correta”, não podem equacionar sozinhas o déficit histórico de serviços e infraestrutura urbana e os desafios da mudança do clima. Dada sua estrutura institucional, sua atuação é limitada a cidades de maior porte.
No Brasil, os principais tomadores dos empréstimos de IFDs internacionais foram os governos municipais, com destaque para aqueles com mais de 500 mil habitantes nas cidades de PIB per capita mais elevado, com base nos dados de 2017 a 2019. Segundo estimativas populacionais do Tribunal de Contas da União (TCU), estes municípios representaram menos de 1% dos 5.570 municípios brasileiros em 2019.
Para dar conta dos desafios de cidades de portes tão diversos, como são as cidades brasileiras, a colaboração entre IFDs internacionais, nacionais e regionais é fundamental. Esta cooperação pode se dar através da transferência de recursos das IFDs internacionais para as nacionais, garantindo, de um lado, a capilaridade, e de outro, acesso mais direto ao crédito às cidades, uma vez que deixa de haver necessidade de aprovação da garantia soberana e a operação ocorre em moeda nacional. São as chamadas operações trianguladas, que já vêm sendo implementadas no Brasil. Um exemplo é Projeto Sul Resiliente, que está sendo implementado pelo BRDE com recursos do Banco Mundial para uma linha específica de financiamento às prefeituras municipais da Região Sul, com foco na promoção da resiliência urbana.
O financiamento é um ponto chave para a viabilização da urgente ação climática. As cidades têm diferentes perfis, necessidades urbanas e capacidades fiscais e institucionais, que requerem diferentes estratégias de financiamento para viabilizar o desenvolvimento de baixo carbono e resiliente. É um processo que requer ações além do financiamento. É necessário o alinhamento de políticas e investimentos, mecanismos de financiamento e criação de expertise técnica que requer ação de todos os atores desde governos, sistema financeiro a setor privado. As instituições financeiras internacionais têm o papel crucial de promover a pauta climática global e de transformá-la em ação em nível nacional, onde as instituições de desenvolvimento nacionais têm expertise e experiência para capilarização nos diferentes perfis municipais brasileiros através de financiamento e apoio técnico. Combater a mudança do clima e adaptar-se a seus impactos nas áreas urbanas é esforço coletivo e de todo o sistema de financiamento do desenvolvimento.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.