Não há dúvida quanto ao valor das árvores. Elas geram empregos e recursos para pessoas em todo o mundo, e seu potencial de mitigação de dióxido de carbono desempenha um papel importante na ação climática. Entender plenamente esse valor – e onde são necessárias mais árvores – requer informações atualizadas e confiáveis a respeito de quantas árvores estão crescendo e onde.
Tecnologias de satélite existentes, como o Global Forest Watch (GFW), dependem de algoritmos de sensoriamento remoto que detectam a porcentagem de cobertura vegetal em cada pixel em vez de contar o número de árvores nessa área. Quando a cobertura vegetal está abaixo de determinado nível, a metodologia usada pelo GFW tem dificuldade em detectar essas árvores. Ou seja, essa é uma tecnologia mais adequada para medir a cobertura vegetal em florestas densas, onde milhares de árvores crescem muito próximas umas das outras.
Esse método, contudo, pode deixar escapar árvores em florestas secas, fazendas e outras áreas de cobertura mais esparsa, o que torna ainda mais difícil mensurar as mudanças nessas paisagens. Considerando que essas áreas representam mais de 40% das áreas de terra do planeta, deixar de fazer a contagem das árvores nesses locais é uma oportunidade perdida. E isso tem sérias implicações para as comunidades rurais, que muitas vezes dependem dessas árvores para sua subsistência.
Embora os satélites tenham dificuldade em detectar as árvores fora das florestas, o olho humano é capaz de fazer isso. A Collect Earth – uma ferramenta de coleta de dados desenvolvida pela iniciativa Open Foris, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) – usa o poder dos nossos olhos para fazer uma análise visual de imagens de momentos diferentes no tempo e reunir dados sobre cobertura da terra (tipo de terra, como “floresta”), uso da terra (o modo como as pessoas usam essa terra) e cobertura vegetal. Ao aliar uma ferramenta de alta tecnologia com o menos tecnológico mas preciso olhar humano, atores locais podem aproveitar o poder dessa ferramenta para ver onde crescem bilhões de árvores em paisagens ao redor do mundo – e onde acontecem processos de restauração.
Pesquisadores do World Resources Institute (WRI) e da FAO estão trabalhando com dezenas de governos, ONGs, instituições acadêmicas e comunidades locais para ajudar organizações nacionais e locais, governos e os próprios produtores para gerar dados. Uma nova publicação, “Mapeando juntos: um guia para monitorar a restauração de florestas e paisagens usando mapatonas Collect Earth”, mostra como comunidades, governos e especialistas em mapeamento podem se beneficiar desse novo método de contagem de árvores.
Desde 2015, equipes em El Salvador, Etiópia, Índia e Ruanda realizaram workshops de mapeamento participativos, chamados de mapatonas Collect Earth, para produzir dados locais para monitorar a restauração. Munidos com imagens de alta qualidade do Google Earth que permitem que as pessoas vejam objetos de até meio metro, as equipes recrutaram moradores locais para identificar os diferentes atributos físicos da paisagem em um conjunto de amostras.
As mapatonas permitiram que pessoas com conhecimento prático das paisagens participassem sem qualquer conhecimento prévio sobre sensoriamento remoto. A única experiência necessária são conhecimentos básicos de informática, familiaridade com a paisagem e noção de como os moradores locais utilizam a terra.
Para cada sessão, as equipes recrutaram os participantes e realizaram os encontros em um local com capacidade e conexão de internet suficientes para receber o evento. Uma vez treinados, os participantes analisavam entre 50 e 80 lotes por dia, dependendo da extensão da pesquisa e da quantidade de dados a ser coletada. Na sequência, os analistas somaram os resultados de cada participante, gerando dados precisos para uma paisagem ou país inteiros. Depois da contagem inicial, as equipes compararam a cobertura do solo identificada em cada área com o número de árvores contadas. Por exemplo, se um participante local contou apenas três árvores em um grande lote, mas posteriormente categorizou o mesmo lote como floresta, os pesquisadores sabiam que ali havia um erro humano e podiam corrigi-lo.
Embora esse método exija o mínimo de experiência e treinamento, os resultados têm implicações significativas. As paisagens onde foram realizadas as mapatonas abrigam alguns dos exemplos mais marcantes de projetos de restauração de paisagens liderados por comunidades locais, os quais podem ser beneficiados com os dados obtidos.
No distrito de Sodo Gurage, o governo da Etiópia usou o programa para reportar os progressos referentes à meta local de atingir 19% de cobertura florestal até 2020. Os dados mostraram que a cobertura florestal passou de 7,5% em 2010 para 8,1% em 2015. Os números indicam uma tendência positiva que fica aquém do objetivo, ajudando os líderes locais a entender que era preciso ajustar a abordagem e acelerar os esforços.
Uma mapatona realizada no distrito de Sidhi, na Índia, trabalhou com produtores locais, estudantes e outros membros da comunidade para identificar onde havia cobertura de árvores em terras saudáveis, onde as áreas de cultivo já estavam passando por processos de restauração e onde a plantação de novas árvores poderia trazer benefícios sociais e ambientais para as pessoas. Usando esses dados, os participantes comprovaram, para o governo e outros parceiros, os benefícios da restauração – uma oportunidade de US$ 19 milhões de acordo com um dos cálculos. Agora eles estão começando a restaurar mais áreas e mais rápido.
A restauração e o cultivo de árvores podem aumentar a produtividade das safras, estabilizar o solo e conter a desertificação que se espalha gradativamente. Nas paisagens onde especialistas locais realizam mapatonas, as pessoas podem aproveitar esses dados para atingir as metas locais, incluindo aquelas estabelecidas em planos de desenvolvimento econômico de cinco anos. Quando os próprios moradores coletam dados sobre a restauração, isso beneficia a comunidade. Por terem conhecimento pessoal das áreas próximas, são as pessoas em melhor posição para colocar os dados brutos no contexto certo.
Penetrar no conhecimento local sobre a paisagem não apenas melhora a qualidade dos dados e mapas. Quando os moradores locais percebem como os dados da Collect Earth podem ajudar a avaliar a saúde da paisagem onde estão inseridos, tornam-se mais propensos a investir recursos para atualizar os dados em uma frequência regular, mesmo depois que os especialistas e ONGs envolvidos já deixaram o local. Dados locais também podem ajudar pesquisadores globais a entender melhor quais tipos e abordagens de restauração funcionam melhor em quais ecossistemas.
A longo prazo, monitorar em detalhes o progresso da restauração cria um cenário em que todos saem ganhando. Com apenas um ano de projeto, governos e investidores já podem mostrar como estão cumprindo seus compromissos com a restauração e de forma mais precisa do que quando utilizam algoritmos para detectar apenas a quantidade de árvores. Relatórios de progresso mais rápidos também permitem que instituições de financiamento vejam que a restauração oferece retornos reais de investimento. E garantem às comunidades locais o reconhecimento que merecem por seu trabalho.
Organizar uma mapatona estabelece uma boa base para monitorar em que áreas fora das florestas as árvores estão crescendo. Treinar especialistas locais em mapeamento que possam continuar a coleta e análise de dados da Collect Earth por anos é crucial para um acompanhamento efetivo dos progressos ao longo do tempo. Esses profissionais também podem treinar, no idioma local, dezenas de usuários todos os anos, construindo uma base de conhecimento local.
Mapear a cobertura de árvores é apenas o começo. Especialistas podem customizar o programa para adequá-lo a contextos locais, especialmente em ecossistemas singulares como a vegetação chamada de tiger bush, no Níger. Esse mapeamento também pode ajudar a mostrar onde técnicas de restauração que não envolvam o cultivo de árvores – como cavar valas para a água da chuva e renovar áreas de pastagem – estão transformando a paisagem.
Uma versão online da Collect Earth, em desenvolvimento, espera democratizar ainda mais o acesso ao programa. Há ainda a possibilidade promissora de novas técnicas de aprendizado de máquina que usem os dados coletados pelas mapatonas para desenvolver mapas abrangentes das árvores fora de áreas florestais com modelos de inteligência artificial. Essa abordagem poderia gerar dados precisos e de alta qualidade para projetos de restauração – e de paisagens inteiras – e ajudar no monitoramento do progresso ao longo do tempo.
Em um momento em que tantas pessoas defendem soluções tecnológicas para combater as mudanças climáticas e outros desafios ambientais urgentes, é importante lembrar que mesmo as técnicas mais avançadas precisam partir de informações locais. As mapatonas Collect Earth mostram o que é possível fazer unindo a tecnologia e o conhecimento local, criando novas maneiras de fazer a contagem de bilhões de árvores que de outra forma poderiam passar despercebidas.
Fonte: WRI Brasil
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