Os municípios de São Miguel dos Campos, em Alagoas, Ipiaú, na Bahia, Guaxupé, Cambuquira e Extrema, em Minas Gerais, Tapiratiba, Canas e Areias, em São Paulo, Videira, em Santa Catarina, e Marau, no Rio Grande do Sul, estão entre os 178 municípios brasileiros que não teriam restrições técnicas e ambientais para aumentar sua produtividade agropecuária e, ao mesmo tempo, conservar sua biodiversidade.
Para isso, não seria preciso aumentar a área utilizada com cultivo ou pastagem, ainda que existam variáveis sociais, econômicas e políticas que possam influenciar essa expansão. Outros 2.536 dos 5.570 municípios do país teriam de uma a seis restrições, de acordo com um estudo publicado em fevereiro na revista Scientific Reports.
A classificação se apoia no chamado efeito poupa-terra (land sparing), conceito que se baseia em dois pilares: o aumento da produtividade agropecuária sem ampliar a área cultivada e destinando parte do espaço para conservação ou restauração da vegetação nativa. De acordo com essa abordagem, o Brasil poderia aumentar em 25% a produção de sete culturas agrícolas – mandioca, milho, arroz, sorgo, soja, cana e trigo – e em 113% a de carne e leite, também sem expandir a área utilizada para essas atividades.
“Comparei a produção atual e o potencial de produção de cada município, com base em modelos internacionais de produtividade, para ver a produtividade adicional que cada um poderia ter”, explicou a tecnóloga em agropecuária Juliana Silveira dos Santos, pesquisadora de pós-doutorado no Laboratório de Ecologia Espacial e Conservação (Leec) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, e principal autora do estudo.
Durante cinco anos, ela analisou informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos censos Agropecuário 2006 e Demográfico 2010 e mapas do Centro de Sensoriamento Remoto (CRS) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento – (Lapig) da Universidade Federal de Goiás para examinar oito restrições, com variáveis sociais, econômicas e ambientais, que determinam os ganhos de produtividade e serviram para classificar os municípios. São elas: acesso dos produtores rurais à assistência técnica; nível educacional da população rural; segurança de posse de terra; oferta de mão de obra; tamanho das propriedades rurais; excedente de vegetação nativa por município; déficit de vegetação nativa, de acordo com as leis ambientais; e tipo de produto e mercado (Ver quadro Restrições ao final da matéria).
Em uma primeira etapa, Santos verificou que 2.714 municípios brasileiros poderiam aumentar a produtividade e tinham áreas potenciais de vegetação nativa para serem conservadas ou restauradas. Em seguida, ela os classificou. O cruzamento de informações sobre produtividade agropecuária e biodiversidade gerou mapas que derrubaram de oito para seis restrições para a implantação de políticas de aumento de produtividade, já que nenhum apresentou as oito restrições.
“A maioria dos municípios classificados tem potencial para aumentar a produtividade, mas muitos precisam melhorar as políticas de conservação, que podem não estar sendo respeitadas”, observou Santos. Segundo ela, os municípios com mais restrições precisarão de um esforço maior para superar a falta de acesso dos produtores à consultoria técnica, segurança da posse de terra e qualidade da fiscalização das leis ambientais, por exemplo, com políticas públicas locais.
A indicação de municípios ou regiões com potencial para ganhos de produtividade agropecuária e a apresentação de argumentos lógicos como os dessa pesquisa são fundamentais para orientar políticas públicas municipais, avalia o economista Francisco de Assis Costa, professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea-UFPA). “Em arranjos locais, pode haver uma coalização de forças diferentes que podem estabelecer regulamentos, apontar caminhos e iniciar processos de desconstrução do que já existe e não está funcionando satisfatoriamente”, sugere Costa.
A maioria dos 178 municípios sem restrições para aumentar a produtividade agropecuária sem desmatamento e com práticas de conservação está em São Paulo (38%) e Minas Gerais (32%), 7,8% estão no Paraná; 7,3% no Rio de Janeiro; 6% no Rio Grande do Sul; 2,8% em Santa Catarina; 2% em Alagoas; 1% na Bahia; e 0,5% no Espírito Santo. Apenas 0,5%, ou seja, uma cidade, está na região Norte. Portanto, de acordo com esse estudo, o acesso mais fácil à assistência técnica e à educação poderiam ser até mais importantes que a oferta de terras – muito maior na região Norte que no Sudeste – para o aumento de produtividade (ver lista de municípios).
Nos estados de São Paulo e Minas, que apresentaram a maioria dos municípios com menos restrições, há instituições de pesquisa agrícola antigas e fortes, como o Instituto Agronômico de Campinas e a Escola de Agronomia Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP); em Minas, desde a década de 1920 funcionam os cursos de agronomia das universidades federais de Viçosa (UFV) e de Lavras (Ufla), lembra o economista Antônio Márcio Buainain, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
No entanto, há também desafios à fiscalização. “Na rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Minas Gerais, é possível ver um aumento de condomínios que avançam na serra da Cantareira, reduzindo as áreas de vegetação nativa”, menciona Buainain. Segundo ele, o aumento de produtividade para a produção de grãos e pecuária estimado na pesquisa “poderia trazer um enorme impacto para a economia”. Mas é preciso considerar o que ele chama de heterogeneidade tecnológica – os diferentes níveis de adoção de tecnologias entre as regiões brasileiras –, que resulta em maior ou menor produtividade.
O economista alerta ainda para o risco de os produtores utilizarem a área poupada, que seria destinada à conservação, para produzirem mais. É o chamado “efeito rebote”. “Esse efeito pode acontecer porque, com o aumento da produtividade, o produtor poderá ser instigado a abrir novas áreas e a não conservar a nova parte da terra. Essa conservação, que é parte da prática do land sparing, só será garantida por políticas ambientais e pela fiscalização delas”, afirma Santos.
Na Amazônia Legal, ela argumenta, o desmatamento sofreu uma queda entre os anos de 2007 e 2013. Em consequência de um pacto entre produtores rurais, organizações não governamentais e órgãos do governo, que ganhou o nome de Moratória da Soja, a produtividade agrícola aumentou, sem ocupar novas áreas. “O mercado internacional bloqueou a soja vinda das novas áreas desmatadas e houve também o aumento da fiscalização sobre o Código Florestal”, diz. Como mostrado no artigo na Scientific Reports, a expansão de áreas protegidas de vegetação nativa, o registro de terras, o aumento do monitoramento ambiental por satélite, as restrições ao crédito contribuíram para o sucesso dessa iniciativa, renovada em 2016 indefinidamente.
O cenário atual, no entanto, não é animador. A taxa de desmatamento na Amazônia Legal aumentou 30%, com a derrubada de 9.762 quilômetros quadrados de floresta, entre agosto de 2018 e julho de 2019, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Não basta existirem leis; é preciso capacidade técnica de visualização e acompanhamento com agilidade do que acontece no dia a dia. Mais: é preciso que o Estado tenha vontade política para instalar esses aparatos, que podem impedir a grilagem de terras”, recomenda Costa.
Até o final de abril, Costa coordenou o Sistema Geográfico de Informação Fundiário (SIG Fundiário), plataforma que integra dados de cartórios e órgãos públicos do Pará e mostrou que 22,7 milhões de hectares (ha) de terras privadas e 18,5 milhões de ha de terras públicas na verdade não existem, por terem sido registradas mais de uma vez. Segundo ele, os resultados iniciais do SIG-F indicam que as práticas de poupança de terra combinando produtividade com preservação encontram grandes obstáculos.
Para cada município, os itens receberam nota de 1 a 6
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