Financiamento verde e climático representa oportunidade para que cidades invistam em projetos urbanos de baixo carbono
Enquanto buscam caminhos para a recuperação econômica, as cidades brasileiras se veem diante de um problema histórico que a pandemia tornou ainda mais evidente: a lacuna de infraestruturas para atender à crescente população urbana e permitir que ela prospere. O cenário já seria desafiador se não estivéssemos diante da emergência climática, que tem tornado cada vez mais frequentes eventos extremos e exige medidas de mitigação e adaptação. Precisamos de uma retomada verde da economia nas cidades.
A boa notícia é que atacar o problema com projetos de baixo carbono pode ajudar as cidades a vencer um dos principais entraves para a redução do passivo de infraestrutura: a falta de recursos. Tem crescido, nos últimos anos, o fluxo do chamado financiamento verde e climático, que é o investimento direcionado a projetos e iniciativas com foco na mitigação e adaptação à mudança do clima e na sustentabilidade ambiental.
Impulsionado pela assinatura do Acordo de Paris, em que países desenvolvidos comprometeram-se a destinar recursos para que nações em desenvolvimento possam investir em mitigação e adaptação, o financiamento verde e climático desponta como alternativa para cidades restaurarem a economia implementando projetos que as tornem mais resilientes e inclusivas.
Entre 2017 e 2018, US$ 384 bilhões em financiamento foram destinados globalmente a projetos e iniciativas climáticas nas cidades, segundo dados da Cities Climate Finance Leadership Alliance. No Brasil, a notícia não tão boa é que existem gargalos que impedem grande parte desse financiamento de aterrissar nas cidades, lar de 85% da população. Os entraves vão da falta de capacidade técnica para elaborar bons projetos a desalinhamentos entre políticas públicas nos diferentes níveis.
Como impulsionar esse fluxo nas cidades? É o que busca responder o relatório Financiamento de Infraestrutura de Baixo Carbono nas Áreas Urbanas no Brasil. Fruto de uma parceria do WRI Brasil com o Ministério de Minas e Energia e a GIZ, agência alemã de cooperação internacional, é o primeiro estudo amplo sobre o financiamento verde e climático de infraestruturas urbanas no país. Desenvolvido no âmbito da iniciativa Felicity, identifica gargalos e aponta caminhos para impulsionar o financiamento verde e climático a projetos urbanos.
Estudo reúne barreiras e recomendações
As barreiras ao financiamento verde urbano envolvem cidades, estados, governo federal e instituições financeiras. Foram identificadas a partir de análises de dados e revisões de literatura, além de discussões técnicas na Rede para Financiamento de Infraestrutura Sustentável em Cidades (Rede FISC). Para superá-las, o relatório inclui nove recomendações, contendo 40 ações de curto, médio e longo prazos, que estão sintetizadas a seguir.
Governo Federal deve assegurar condições para investimentos
No nível institucional nacional, há pouca clareza sobre as prioridades de desenvolvimento urbano de baixo carbono, e baixo alinhamento entre as políticas e incentivos fiscais e regulatórios dos diferentes setores e níveis de governo, o que gera divergências. O governo federal deve priorizar esse alinhamento.
Do ponto de vista legal, há pouca clareza sobre papéis, garantias e riscos provenientes de contratos em projetos urbanos de baixo carbono que, em geral, são inovadores e requerem novos modelos de negócios e de contratos. Recomenda-se adaptar regulações para absorver as inovações necessárias e as especificidades setoriais do investimento urbano de baixo carbono. Um exemplo de estratégia é a criação de alternativas para agregação de municípios, como os consórcios previstos pela Política Nacional de Resíduos. Assim, pode-se promover a escalabilidade, um dos pontos-chave para se viabilizar projetos capazes de responder à emergência climática.
Ainda, sugere-se facilitar a implementação de infraestrutura urbana de baixo carbono através de parcerias com o setor privado, permitindo acesso a mecanismos de financiamento climático como títulos verdes, que cidades não podem acessar diretamente. O governo federal já vem incentivando projetos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) pelo Programa de Parcerias de Investimento (PPI), que apoia projetos de infraestrutura mais pesada. Projetos como esse podem ser adequados incorporando o foco em baixo carbono e áreas urbanas.
Cidades devem buscar capacidade de pagamento e planejamento
Cidades têm dificuldade em alinhar o planejamento com os projetos e planos setoriais de curto, médio e longo prazos, e têm baixa capacidade técnica para a estruturação de projetos robustos. Resulta disso a dificuldade de escolher investimentos com base em análises adequadas e de atender aos complexos processos de obtenção de recursos em instituições financeiras de desenvolvimento (IFDs). A situação fiscal adversa pela qual passam os municípios também dificulta a captação de recursos para viabilizar o financiamento de infraestrutura sustentável.
Ou seja: cidades devem priorizar a obtenção dos fundamentos básicos para captação de recursos – em especial a capacidade de pagamento. Para melhorar a situação fiscal local, recomenda-se reforçar receitas com a implementação ou a melhoria de instrumentos fiscais baseados no solo, como Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e outros instrumentos de recuperação da valorização imobiliária, já previstos no Estatuto da Cidade.
Para garantir a execução dos investimentos municipais de baixo carbono, cidades devem contar com instâncias que coordenem programas e planos setoriais e orçamentários, concentrando a geração e o registro de projetos. Pode-se buscar inspiração em boas práticas existentes, como o Sistema de Financiamento de Ações nos Municípios do Estado do Parará (SFM), que faz o alinhamento entre planos municipais e estadual, projetos urbanos e provisão de financiamento com foco no desenvolvimento urbano.
Sistema financeiro deve adequar mecanismos para o verde
No setor financeiro, os mecanismos – tais como operações de crédito, títulos e fundos – são pouco adequados às necessidades das cidades e às especificidades dos projetos de baixo carbono. Deve-se criar mecanismos novos ou adequar os existentes, compatibilizando-os com projetos verdes e facilitando o acesso das cidades.
Bancos bilaterais e multilaterais de desenvolvimento, apesar de serem um dos principais canais de acesso ao financiamento verde, têm baixa capilaridade de empréstimos em nível municipal. Essa capilaridade pode ser ampliada por meio de parcerias com instituições nacionais – nas chamadas operações trianguladas, que já vêm sendo feitas por algumas instituições.
Apesar de terem maior atuação local, as instituições financeiras de desenvolvimento (IFDs) nacionais e regionais incorporam de maneira tímida as diretrizes de baixo carbono em seus produtos de financiamento à infraestrutura urbana. Devem ter essa incorporação como um primeiro passo.
Para lidar com as incertezas e riscos que são um dos entraves ao financiamento verde, recomenda-se ao setor financeiro a criação de instrumentos de garantia para investimentos urbanos de baixo carbono bebendo de alternativas existentes, como o Fundo Garantidor de Infraestrutura (FGIE), que tem foco em infraestrutura pesada e PPPs.
Também é importante que instituições financeiras criem incentivos e comuniquem de forma efetiva processos de captação de recursos para projetos urbanos sustentáveis, assegurando que as informações cheguem às cidades.
Promover a criação de projetos de qualidade é desafio comum
Melhorar a capacidade de criação e preparação de projetos bancáveis requer esforço de todos os atores. Já existem diversas iniciativas pontuais e de pequena escala. Pode-se ampliar a escala e garantir a continuidade dessas ações por meio de um programa nacional que conecte os esforços existentes. Essa rede de cooperação teria o potencial de ampliar o apoio direto a projetos e promover a replicação de boas práticas de projetos de baixo carbono bem-sucedidos.
Também é preciso garantir recursos para preparação de projetos, através da criação ou adaptação de fundos específicos para financiamento à preparação de projetos urbanos de baixo carbono. Pode-se buscar inspiração em iniciativas como o programa FEP CAIXA, que financia e provê apoio técnico a projetos de PPPs e concessões.
Chamado à ação pelo financiamento verde e climático
O financiamento verde e climático é uma oportunidade de transformar áreas urbanas brasileiras e ajudar o Brasil a direcionar-se a uma trajetória de desenvolvimento verde, que guarda um imenso potencial de desenvolvimento econômico, social e ambiental. O Brasil tem as condições institucionais e regulatórias iniciais para aproveitar essa oportunidade.
O caminho para avançar passa por coordenação – de planos e políticas entre setores e níveis de governos em prol do desenvolvimento urbano de baixo carbono. Também por adaptar e direcionar marcos regulatórios e mecanismos financeiros verdes, incluindo aspectos de mitigação e resiliência adequados às especificidades urbanas. E, finalmente, por escalar: ampliar iniciativas de apoio e a capilaridade de instituições financeiras de desenvolvimento.