Como implementar ônibus elétricos: um guia de eletromobilidade para cidades brasileiras

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Por  Cristina AlbuquerqueVirginia TavaresEduardo Siqueira e Fernando Corrêa em WRI BrasilA urgência da transição para um transporte coletivo limpo nas cidades brasileiras é evidente. Há cerca de 117 mil ônibus municipais e metropolitanos em operação no país, mas menos de 1% são veículos de baixa ou zero emissão. Por que as cidades têm dificuldade em acelerar essa mudança, enquanto países próximos, como Chile e Colômbia, avançam a passos largos na eletrificação das frotas?

Muitas dúvidas rondam os planos de eletrificação do transporte coletivo por ônibus. Como iniciar o planejamento da eletrificação? Quais os tipos de ônibus elétricos disponíveis são a melhor escolha para cada cidade? Como transformar contratos de licitação para vencer o alto custo inicial da tecnologia? Que novos arranjos têm sido testados para lidar com as necessidades energéticas do processo?

A eletromobilidade traz outros desafios, como o de trabalhar com novos atores, como as empresas de energia elétrica, e adaptar os processos de manutenção e as garagens. Mas o campo de oportunidades é ainda mais vasto e abundante.

Ao reduzir drasticamente as emissões de carbono e poluentes locais, a transição para a eletromobilidade contribui para o esforço global de enfrentamento às mudanças climática e traz ganhos saúde significativos. É uma oportunidade de desenvolvimento econômico para o país, que pode fomentar a inovação na indústria e a qualificação de mão de obra. Além disso, é um caminho de renovação para o transporte coletivo, dos modelos de contrato à qualidade do serviço, em um momento em que o setor precisa reverter a queda progressiva da demanda.

O “Guia de Eletromobilidade: Orientações para estruturação de projetos no transporte coletivo por ônibus” busca facilitar esse caminho. Elaborada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o WRI Brasil, a publicação é um instrumento de capacitação técnica para a concepção, estruturação e implementação de projetos de eletrificação do transporte coletivo por ônibus.

O guia foi lançado em um webinar conjunto do WRI Brasil com o BID e o MDR (vídeo abaixo). Com participação de representantes de secretarias e órgãos de transporte e mobilidade do Rio de Janeiro, Salvador, Curitiba e São José dos Campos – cidades em diferentes estágios do processo de eletrificação –, o evento de lançamento permitiu a esses e outros municípios brasileiros trocarem dúvidas, planos, experiências e lições aprendidas.

Um passo a passo para projetos de eletromobilidade

O guia dá orientações passo a passo para as diversas etapas da eletrificação e inclui sete casos de cidades que têm tido sucesso em efetivar a transição, como fontes de informação e boas práticas. Os dois capítulos iniciais apresentam os benefícios, desafios e oportunidades do setor e aspectos técnicos e tecnológicos, como os tipos de veículos e baterias, a infraestrutura de recarga e a operação dos ônibus elétricos.

Para cidades que já têm o conhecimento básico sobre a tecnologia e seus benefícios, o guia traz orientações para o planejamento e a implementação de projetos de ônibus elétricos. São descritas as principais etapas, da preparação à expansão.

1) Preparação: levantamentos prévios para projetos assertivos

Antes de iniciarem a elaboração dos projetos, cidades precisam elucidar pontos cruciais, como os atores públicos e privados que podem contribuir para o projeto, as políticas e leis existentes que podem facilitar o processo e as rotas prioritárias e mais apropriadas para a eletrificação. Um diagnóstico abrangente qualifica a tomada de decisão e permite identificar fatores cruciais para o sucesso do projeto.

A preparação é concluída com um estudo de pré-viabilidade, por meio do qual cidades podem fazer escolhas tecnológicas e operacionais assertivas. O guia traz orientações para as várias etapas: quantificar os benefícios ambientais do projeto, realizar estudos de mercado de ônibus elétricos, simular rotas, calcular o impacto do projeto na rede elétrica e o custo total de propriedade dos veículos, entre outros aspectos.

2) Definição do escopo: visão compartilhada para avançar

Uma vez que a cidade tenha tomado conhecimento das oportunidades e das linhas gerais do projeto, é preciso firmar uma visão comum que oriente o planejamento estratégico. Como projetos de eletromobilidade envolvem múltiplos atores e setores, pactuar a visão é importante para que os envolvidos trabalhem alinhados na mesma direção. A etapa de definição do escopo ajuda as cidades a elaborar essa visão e traduzi-la em objetivos e em metas de curto, médio e longo prazos.

3) Elaboração: do plano de trabalho ao modelo de negócio

A etapa de elaborar de projetos de eletromobilidade envolve três grupos de atividades principais, que são detalhadas no guia.

Os processos gerenciais tratam de ações para garantir as condições para que o projeto avance, como gerir e manter engajados os atores, criar planos de trabalho e comunicação com atividades e atribuições claras, mapear riscos.

planejamento técnico e operacional permite aos gestores compreender o impacto dos veículos elétricos na operação e – tendo realizado uma boa preparação – considerar os modelos de veículos disponíveis e as estratégias de recarga para fazer as melhores escolhas tecnológicas e planejar a infraestrutura de forma adequada.

Os modelos de negócio são um dos grandes desafios e oportunidades da eletrificação. Cidades que têm tido sucesso em acomodar o alto custo inicial de veículos elétricos e suas especificidades operacionais adotaram estratégias similares e inovadoras. É o caso de Bogotá e Santiago, que separaram os serviços de provisão e operação da frota (os chamados CapEx e OpEx) em contratos e processos licitatórios distintos, possibilitando a redução dos prazos de concessão. As duas cidades, que lideram a eletrificação na América Latina, também envolveram novos players, como as empresas de energia, tanto no processo de planejamento quanto no próprio financiamento da transição.

4) Execução: como iniciar, operar e expandir

As cidades que seguirem todos os passos terão chegado ao dia de início da operação com tudo encaminhado: a infraestrutura verificada, os riscos gerenciados, as equipes treinadas, o plano de comunicação implementado. O guia trata desse ckeck list final na seção Execução. O ciclo se fecha com um olhar para as lições aprendidas e, quando previsto no planejamento, com a expansão do projeto.

Cidades brasileiras compartilham lições da transição

O diálogo das quatro cidades que participaram do lançamento junto a WRI Brasil, BID e MDR, evidenciam que este é um momento oportuno para vencer desafios e acelerar a eletrificação do transporte coletivo por ônibus. As cidades têm projetos a implementar, o MDR trabalha em um novo marco regulatório para o transporte coletivo que contemple necessidades da eletromobilidade, e o setor financeiro sinaliza a priorização crescente de projetos de baixo carbono.

São José dos Campos iniciou a eletrificação com uma inovação: a cidade assumiu o investimento de frota para a nova Linha Verde, primeiro corredor 100% elétrico do país. A compra dos 12 veículos a bateria foi viabilizada com recursos da outorga do novo estacionamento rotativo. O corredor já está em “operação branca”, rodando sem cobrança de tarifa. Após rescindir contrato com a empresa operadora vencedora da mais recente licitação do sistema de transporte coletivo da cidade, em fase de elaboração do edital, a cidade estuda incluir a obrigatoriedade de mais veículos elétricos. “Queremos fazer do limão uma limonada”, sintetizou o secretário de Mobilidade, Paulo Guimarães.

Curitiba tem realizado estudos preliminares para a eletrificação dos corredores Inter 2 e BRT Leste-Oeste, com previsão de aproximadamente 150 veículos elétricos a bateria operando em 2024. A cidade realizou, com o WRI Brasil, um levantamento sobre os modelos de veículos disponíveis no mercado. Entre as dificuldades encontradas está a indisponibilidade de veículos biarticulados necessários para o corredor BRT e o planejamento de linhas em que um mesmo veículo opera mais de 400 km por dia. Mas a cidade segue avançando. “Até o meio do ano, vamos realizar um estudo de pré-viabilidade que deve trazer mais certeza”, afirmou Clever Almeida, assessor de Projetos Estratégicos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).

Após realizar testes com ônibus elétricos a bateria, Salvador está prestes a inaugurar os primeiros trechos de seu sistema BRT, que já nasce 30% elétrico, com ao menos oito veículos elétricos a bateria previstos para entrar em operação até o segundo semestre. Segundo o secretário de Mobilidade, Fabrizzio Muller, a ideia é que o percentual se mantenha na aquisição de veículos à medida que novos trechos forem inaugurados. Muller conta que a principal dificuldade tem sido contratual, já que a atual concessão iniciou em 2015, quando “não se pensava tanto em eletromobilidade”. “Através de aditivos, entendemos que poderíamos fazer algumas mudanças”, explica.

Novos contratos são uma grande oportunidade, e por isso é importante contar com corpo técnico capacitado e estudos de pré-viabilidade em dia. O Rio de Janeiro está inovando ao separar a operação da provisão de frota no novo edital do BRT para viabilizar a aquisição de 550 veículos, sendo 69 elétricos, a serem entregues em 2022 e 2023. A intenção inicial da cidade era seguir modelo em que a frota seria locada dos fabricantes ou de investidores, mas a secretária de Transportes, Maína Celidonio, explica que o modelo de negócio inovador ainda esbarrou no marco legal obsoleto, que não compreende a licitação para locação como um serviço público. A saída encontrada para a cidade foi comprar a frota, financiada por cerca de R$ 1 bilhão – arranjo também inovador, por separar a operação da provisão.

Durante o evento, Fernando Araldi, coordenador da Coordenação-Geral de Gestão Integrada do MDR, falou sobre o marco legal e regulatório do transporte coletivo atualmente em preparação pelo ministério, e sinalizou que o governo discute incentivos para facilitar a aquisição das frotas limpas. Segundo Araldi, o texto deve contribuir para sanar muitos dos entraves legais e regulatórios a inovações contratuais, como a dissociação das concessões do transporte coletivo em diferentes componentes – como operação, provisão e bilhetagem. “Também estamos discutindo com o Ministério da Economia a redução desses custos [iniciais altos para aquisição de frotas elétricas]”, afirmou. “É muito importante, porque temos redução de emissões, questões ambientais e de saúde e é muito importante ter financiamento diferenciado para um processo desses.”

Além do fomento por parte do governo federal, o público e os painelistas do webinar de lançamento do Guia fizeram questionamentos sobre o papel do setor financeiro no impulsionamento à descarbonização do transporte e no desincentivo aos veículos a diesel. “O financiamento de veículos a diesel vai ficar mais caro, já é uma tendência. A oferta de financiamentos já é mais abundante para tecnologias limpas”, afirmou Ana Beatriz Monteiro, especialista líder de Transportes do BID. Segundo Monteiro, o avanço do marco regulatório também é um facilitador para o desenvolvimento de novos produtos financeiros voltados para tecnologias limpas.

“É bastante importante que o Brasil retome o protagonismo em inovações em mobilidade urbana na América Latina. Quem está no setor há algumas décadas sabe bem desse protagonismo e como a gente influenciou ‘o outro lado dos Andes’. Chile e Colômbia hoje lideram a operação de ônibus elétricos na América Latina”, lembrou Luis Antonio Lindau, diretor do programa de Cidades do WRI Brasil. Com o novo guia, as cidades brasileiras contam com um facilitador para essa retomada.

Inspiração para vencer barreiras

Ônibus elétricos são parte fundamental da descarbonização nas cidades. O “Guia de Eletromobilidade” ilumina o caminho para que essa transição ocorra no Brasil. Os sistemas de transporte coletivo por ônibus no país enfrentam uma crise, aprofundada pela pandemia da Covid-19. É preciso construir um novo círculo virtuoso, com renovação do transporte coletivo voltada à melhoria da qualidade do serviço e à necessária transição para uma economia de baixo carbono. A adoção de frotas mais limpas, eficientes e confortáveis é parte desse processo.


Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.

Equipe eCycle

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