Por Elizabeth Oliveira, da Mongabay.
Em vez de elos construídos com o restante do país pelas potencialidades de seu patrimônio natural e cultural de valor inestimável, são os crimes ambientais que conectam quase todo o Brasil à Amazônia.
Uma análise realizada pelo Instituto Igarapé constatou que, em 24 dos 27 estados brasileiros, existem ramificações ligadas ao desmatamento como motor impulsionador de atividades econômicas ilegais na Amazônia. As exceções são Alagoas, Paraíba e Pernambuco.
Práticas como o roubo de madeira, o garimpo (principalmente de ouro) e a grilagem de terras públicas, estão, segundo a análise, diretamente conectadas a crimes que se espalham por todo o país, entre eles sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, corrupção, associação criminosa, estelionato e tráfico de animais silvestres.
Um total de 254 municípios brasileiros e oito cidades da América do Sul integra essa teia de negócios ilícitos que contribui direta e indiretamente para a degradação da maior floresta tropical do mundo.
Na Amazônia, o Pará é o estado que lidera com mais aparições no mapeamento, com 161 localidades em 46 municípios envolvidos. Na sequência estão Rondônia (122 localidades em 29 municípios) e Amapá (101 localidades em 10 municípios). Fora da região, o destaque é o estado de São Paulo (36 localidades), seguido de Paraná (14) e Goiás (10).
Analisando informações geradas por mais de 300 operações da Polícia Federal (PF), realizadas entre 2016 e 2021 na região, pesquisadores constataram que a economia ilegal da madeira é a que está mais espalhada pelo país. São 23 estados e 166 municípios conectados.
Já o garimpo envolve 125 cidades de 20 estados brasileiros. Além de crimes ambientais, essa cadeia que se vincula, principalmente, à extração de ouro, está associada a outras ilegalidades como fraude, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro.
Os dados analisados indicaram que as Terras Indígenas (TIs) foram alguns dos principais alvos das ilegalidades praticadas por organizações criminosas que atuam na Amazônia a partir de redes nacionais e internacionais.
No topo do ranking de operações policiais para o combate às atividades ilegais — sobretudo garimpo e extração de madeira — está a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, com 26 registros, seguida das TIs Munduruku, no Pará, e Sete de Setembro, em Rondônia, com oito, cada. Investigações envolvendo algum tipo de violência foram mapeadas em 19 TIs da região.
Melina Risso, diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé, explica que o relatório é parte da série de pesquisas “Mapeando o crime ambiental na Bacia Amazônica”, que integra o Programa de Segurança Climática da instituição. Nesse contexto, a proposta é ir além das fronteiras brasileiras para compreender como opera o que denominam de “ecossistema dos crimes ambientais” e apresentar recomendações de enfrentamento dessas interconexões entre redes e organizações.
A primeira publicação com esse enfoque foi lançada em fevereiro. Outro estudo comparativo entre os países que compõem a Bacia Amazônia será o próximo. Os pesquisadores querem entender, cada vez mais, como os fluxos financeiros estão operando como condutores de atividades econômicas ilícitas na região, onde a diretora ressalta que “existe uma mescla de legalidade e ilegalidade”.
Melina exemplifica que mercados como o do ouro se beneficiam da ausência de informações que permitam rastrear toda a sua cadeia produtiva. “Como se desmonta uma organização criminosa que tem parte financeira operando em São Paulo?”, questiona.
Por essas e outras inquietações, a diretora adianta que o Instituto Igarapé pretende lançar, em breve, uma agenda de segurança multidimensional para a Amazônia que contribua para ações de planejamento integrado, considerando a complexidade regional. “Tem um conjunto da sociedade interessado em saber como se avança nesse debate, e o cenário atual serve de alerta”, observa.
Ela defende que parte das soluções para essa problemática depende de prioridade política. “O tema tem que estar no centro da agenda pública, já que o crime ambiental ainda é visto como crime de segunda categoria pelos que não conseguem compreender o seu impacto e alcance”, conclui.
Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), considera que o relatório expressa o cenário preocupante de violência contra os povos indígenas e seus territórios na Amazônia.
Para ele, a situação tem se agravado diante dos esforços de flexibilização da legislação socioambiental pelos poderes Executivo e Legislativo. “Os discursos dos governantes e os projetos de lei anunciados como prioritários no Congresso incentivam as invasões às Terras Indígenas que estão à mercê de milícias armadas”, alerta.
Oliveira menciona como exemplo o PL 191/2020, que propõe a abertura de TIs a projetos de mineração, dentre outras atividades incompatíveis com a salvaguarda do patrimônio natural e cultural de seus povos.
O secretário-executivo do Cimi ressalta também que pareceres, portarias e instruções normativas da própria Fundação Nacional do Índio (Funai) têm contribuído para o enfraquecimento da estrutura institucional de proteção dos territórios indígenas. “Esses povos têm se mantido mobilizados e buscado apoio da Justiça e da sociedade civil nacional e internacional, já que o governo é insensível e não está preocupado com as questões socioambientais no Brasil”, opina.
Adriana Ramos, assessora política e de Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), compartilha da mesma opinião quanto ao potencial de estímulo à criminalidade dos discursos governamentais e tomadas de decisão no Legislativo.
Como resultado importante revelado pelo relatório, ela aponta a resistência e a capilaridade da cadeia da madeira extraída ilegalmente na Amazônia. Destaca, também, a recomendação sobre a necessidade de destinação de terras públicas para fins de proteção socioambiental, “estratégia que tem sido minada no Congresso Nacional”. Mas para além da criação de áreas protegidas, a especialista defende esforços reais de proteção desses territórios.
Da mesma forma, Ramos entende ser fundamental que a avaliação dos bancos passe a considerar “a presença de ilegalidade em si como risco aos investimentos”, já que os mecanismos de responsabilização têm sido fragilizados no atual cenário nacional.
Além disso, a assessora do ISA aponta como crucial a necessidade de ampliação de mecanismos de apoio às comunidades tradicionais que têm atuado em resistência e não são responsáveis pelos crimes ambientais que estão ocorrendo na Amazônia. “Elas precisam de apoio para se fortalecer ainda mais como guardiãs da natureza”, conclui.
Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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