Por Sean Mowbray e traduzido por Carol de Marchi, da Mongabay.
Você provavelmente ainda não ouviu falar do sauá-de-vieira, um macaco encontrado apenas na Amazônia brasileira. Até recentemente, mesmo os pesquisadores sabiam tão pouco sobre ele que não podiam determinar seu estado de conservação para a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Contudo, isso mudou este ano, quando uma nova avaliação da espécie Plecturocebus vieirai determinou que ela deveria ser classificada como criticamente em perigo de extinção ou à beira da extinção na natureza. Os pesquisadores observaram que seu habitat ideal foi reduzido a 56% da área original, e que apenas 14% poderiam restar até 2044, devido às pressões combinadas do desmatamento e da mudança climática.
O sauá-de-vieira é um caso em que os perigos levam os primatas para a beira do que é conhecido como Arco do Desmatamento, região nas bordas leste e sul da Amazônia que está apresentando os maiores índices de perda florestal no Brasil. Os autores do estudo apontam a espécie como um “exemplo emblemático” dos desafios da conservação em um hotspot de desmatamento.
Há mais de 50 espécies de primatas vivendo no Arco do Desmatamento, muitas delas ameaçadas de extinção. O zogue-zogue-de-mato-grosso (Plecturocebus grovesi), por exemplo, só foi identificado e descrito em 2019 e recentemente foi incluído na lista dos 25 primatas mais ameaçados do mundo.
Por pior que seja a situação, conservacionistas dizem que o turismo de observação de primatas com foco nestas espécies ameaçadas é uma solução viável para ajudar a conservar áreas de floresta, gerar renda para a população local e, principalmente, proteger os animais.
“A observação de primatas pode ser uma alternativa lucrativa à exploração florestal em terras privadas, públicas ou indígenas no Arco do Desmatamento e é uma forma de mudar a extração tradicional e predatória dos recursos naturais da Amazônia para o uso sustentável da terra com base na conservação da biodiversidade, bem-estar da população local e mitigação da mudança climática”, escreveram os autores da avaliação de status do sauá-de-vieira em seu estudo, publicado na revista Oryx.
O sauá-de-vieira e o zogue-zogue-do-mato-grosso são ambos encontrados no estado do Mato Grosso, onde a rica biodiversidade é frequentemente ofuscada pelas graves ameaças às florestas, segundo o primatologista Gustavo Canale. Alguns dos maiores índices de desmatamento da Amazônia são encontrados aqui.
A soja e a pecuária são os principais motores do desmatamento no estado, sendo a primeira responsável por pelo menos 42 mil hectares de perda florestal desde 2020. Pesquisas publicadas no início deste ano alertaram que a maior floresta tropical do mundo está perigosamente próxima de cruzar um ponto vital de não retorno, impulsionada por tal desmatamento.
Canale está entre um grupo de pessoas que dizem que a observação de primatas poderia desempenhar um papel fundamental na mudança do Mato Grosso de um centro de desmatamento para um hotspot de ecoturismo focado nestas espécies ameaçadas. Os primatas poderiam agir como “espécies emblemáticas”, dizem eles, reunindo apoio e interesse local para proteger outras espécies da biodiversidade no processo.
“O Mato Grosso é um lugar especial. É conhecido em todo o mundo por causa da soja e do desmatamento”, disse Canale, professor da Universidade Federal de Mato Grosso e presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia, em uma entrevista em vídeo para a Mongabay. “Estamos tentando mudar isso, mostrando o outro lado da moeda”.
O outro lado é a biodiversidade dentro da grande fatia da Amazônia no Mato Grosso, lar de várias espécies de primatas, muitas delas ameaçadas: o macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus), o sagui-de-emília (Mico emiliae), o bugio-preto (Alouatta caraya), e o cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus) são apenas alguns deles.
Russell Mittermeier, presidente do Grupo de Especialistas em Primatas da UICN, autoridade mundial de conservação da vida selvagem, é um defensor de longa data da observação de primatas como solução de conservação e concorda que Mato Grosso está em posição privilegiada para se beneficiar dela.
“Combinando as oportunidades de turismo no Pantanal com a observação de primatas e de aves na porção amazônica de Mato Grosso, acho que você tem a base para uma indústria de ecoturismo muito boa”, disse Mittermeier, que também é o diretor de conservação da Re:wild, para a Mongabay em uma entrevista em vídeo.
Ele apontou a já bem estabelecida indústria de observação de aves em todo o estado e em outras partes do Brasil como um modelo de sucesso. “A observação de pássaros é um negócio multimilionário, então por que não primatas?”, disse Mittermeier.
No entanto, nem todos estão tão otimistas sobre as perspectivas e viabilidade do turismo como solução para o desmatamento desenfreado na região.
“Infelizmente, o ecoturismo normalmente não é uma solução que possa proteger grandes áreas”, disse Colin Chapman, antropólogo biológico da Universidade da Ilha de Vancouver, no Canadá, em um e-mail à Mongabay. “Fazer muitas operações de ecoturismo para proteger a grande área provavelmente significaria que os lucros por operação seriam muito baixos para satisfazer o investidor.” Acrescentou, ainda, que estava preocupado que “um foco de ecoturismo falharia em proteger esta grande área”.
A questão de quanta terra o ecoturismo pode proteger é difícil de responder, disse Rodrigo Costa Araújo, que conduziu a avaliação dos sauás-de-vieira e é pesquisador do Laboratório de Genética de Primatas no Centro Alemão de Primatas. “Mas, para nós, especialistas em conservação da Amazônia, é bastante claro que devemos ter um desmatamento zero agora”, disse Araújo à Mongabay por telefone. O habitat do sauá-de-vieira, e de outros primatas, já está fragmentado no sul da Amazônia, levando à uma preocupante perspectiva de conservação da espécie.
Os defensores do ecoturismo reconhecem não ser a salvação para os inúmeros problemas que impulsionam o desmatamento e a perda da biodiversidade em lugares como Mato Grosso. Mas dizem que oferece uma oportunidade de proteger algumas áreas e ajudar a mudar a mentalidade sobre as florestas como terras de desenvolvimento desperdiçadas, promovendo a compreensão e o valor do potencial da biodiversidade.
“Temos que encontrar soluções de base econômica. Precisamos encontrar maneiras para que as pessoas possam lucrar com a terra, sem ter que cortar a floresta”, disse Araújo. O ecoturismo de primatas é apenas parte da equação para resolver os desafios do Arco do Desmatamento, acrescentou. Estabelecer áreas protegidas, demarcar terras indígenas e fazer cumprir as leis ambientais são algumas das outras ações urgentes necessárias.
“Acho que [a observação de primatas] poderia ser um projeto ou proposta muito atraente que poderia ser uma ideia para pelo menos minimizar o problema”, disse Felipe Ennes Silva, primatologista da Instituto Mamirauá. “Eu acho que a solução real é muito mais complexa, mas a observação de primatas poderia ser algo a ser agregado neste conjunto de soluções”.
Mittermeier disse que o foco principal deveria ser a proteção da maior quantidade possível de floresta diante de pressões como a mudança climática: “Encontre as peças-chave da floresta que restam para proteger esses primatas e faça todo o possível para mantê-los e, eventualmente, através do reflorestamento, conecte as peças de volta”, disse ele.
Canale, da Sociedade Brasileira de Primatologia, disse que está ansioso para ver o início da observação de primatas o mais rápido possível em Mato Grosso. Ele apontou o município de Sinop como um potencial centro para essa atividade ecoturística num futuro próximo. As populações de sauás-de-vieira vivem nas proximidades, assim como o endêmico zogue-zogue-de-mato-grosso, ao lado de uma série de outras espécies. Essas populações não enfrentam pressões como a caça, que é o caso de outras espécies de primatas amazônicos.
Juntamente a seus colegas, Canale está desenvolvendo mapas, guias e histórias baseadas nos primatas da região para promover a conscientização destas espécies e promover a agenda do ecoturismo.
Eles também estão em diálogo com políticos, proprietários de terras e comunidades indígenas – partes interessadas que Canale descreve como chave para o sucesso do projeto; muitos já expressaram interesse. Segundo o Código Florestal Brasileiro, os proprietários de terras também devem reter uma porção de suas terras como vegetação nativa – 80% no caso da Amazônia Legal.
“Estamos também tentando nos relacionar com os grandes proprietários, o povo do agronegócio, e estamos tentando mostrar a eles a oportunidade de usar a floresta reservada como um lugar para o turismo”, disse Canale. “Estamos apenas no início deste processo”.
Ele acrescentou que Sinop já possui as redes de transporte e instalações hoteleiras para abrigar uma indústria de observação de primatas. “Estamos tentando ‘hackear’ esta infraestrutura do agronegócio para observação de primatas, porque a infraestrutura já está lá.”
Costa-Araújo, R., Da Silva, L. G., De Melo, F. R., Rossi, R. V., Bottan, J. P., Silva, D. A., … Canale, G. R. (2022). Conservação de primatas no Arco do Desmatamento: Um estudo de caso do macaco titi Plecturocebus vieirai de Vieira. Oryx, 1-9. doi:10.1017/s003060532100171x
Silva, F. E., Pacca, L. G., Lemos, L. P., Gusmão, A. C., Da Silva, O. D., Dalponte, J. C., … El Bizri, H. R. (2022). Usando pesquisas e modelos populacionais para reavaliar o status de conservação de um macaco titi endêmico da Amazônia em um hotspot de desmatamento. Oryx, 1-8. doi:10.1017/s0030605322000655
Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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