O potencial que a biodiversidade amazônica apresenta para a economia e a exploração sustentável foi avaliado no pré-estudo para a criação de um Instituto de Tecnologia da Amazônia (AmIT)
Por Beatriz Herminio em IEA USP | O projeto foi apresentado em evento do IEA no dia 13 de julho e faz parte do programa Terceira Via Amazônica – Amazônia 4.0, sediado no instituto e financiado pelo Arapyaú, uma instituição privada sem fins lucrativos que direciona recursos financeiros para iniciativas que trabalham pelo desenvolvimento sustentável.
“Não existe nenhum país tropical que desenvolveu uma bioeconomia baseada nos seus recursos naturais, nas suas florestas e na sua biodiversidade”, disse Carlos Nobre, pesquisador colaborador do IEA e que lidera o Amazônia 4.0. Ao avaliar a oportunidade que tem o Brasil, ele afirma que além de apontar os riscos das mudanças climáticas para a Amazônia, é preciso buscar soluções.
O Amazônia 4.0 investiga o caminho dessas soluções a partir de três iniciativas: o trabalho de campo com laboratórios criativos na Amazônia, a Amazonia Rainforest Business School e a criação de um instituto “como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)” para a Amazônia: o AmIT.
Um instituto de tecnologia da Amazônia
O objetivo do projeto é transformar o conjunto de informações disponíveis em ações práticas que possibilitem a conservação ambiental, a inclusão social e a geração de renda. É antes de tudo uma chamada para uma cooperação nacional, afirmou Adalberto Luis Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI).
A AmIT será uma instituição público-privada de alcance Pan-Amazônico. Com características supranacionais, o projeto está envolvido com as agendas globais e alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Sua estratégia de atuação passa por uma coalizão de redes criativas entre empresas, academia e governos para consolidar saberes regionais, produzir e transformar informações robustas e adequá-las às especificidades da diversidade amazônica.
A Pan-Amazônia possui hoje uma população estimada em 50 milhões de pessoas que devem ser incluídas nos estudos. “Não encontramos incompatibilidade entre o conhecimento tradicional dos povos originários da Amazônia e o conhecimento científico”, disse Val.
O projeto
Entre os desafios do AmIT estão a sociobiodiversidade, a geopolítica regional, o uso do conhecimento e do volume de informações disponíveis, a decodificação da informação, a inclusão social e a geração de renda.
O instituto pretende ser uma referência mundial em educação, ciência, tecnologia e inovação. Seu intuito é promover de forma efetiva a economia sustentável e socialmente inclusiva, permitindo a conservação ambiental por meio do uso da informação contida na floresta amazônica.
Como missão, Val apontou o desenvolvimento socioeconômico e a melhoria da qualidade de vida da população amazônica. Isso se dará por meio da transformação do conhecimento científico e tradicional em inovação tecnológica a serviço da Amazônia e do mundo.
“Em função das experiências que temos até aqui, não é possível importar soluções para a Amazônia. Precisamos pensar como fazer, seguindo as características da região.”
O instituto contempla a criação de cinco Centros de Desenvolvimento e Estudo dedicados às questões prioritárias para a região: Águas da Amazônia, Floresta, Paisagens alteradas, Amazônia urbana e Mineração inteligente. Os centros serão permeados por nove componentes estruturantes e seus desafios.
Os componentes seguem as metodologias de pensamento orientadas à solução de problemas, a partir de uma visão crítica e criativa. Os componentes são:
- Saúde Integral e Medicina Tropical
- Economias e materiais sustentáveis
- Manufatura distribuída
- Tecnologia para paisagens alteradas
- Modelos educacionais
- Recrutamento de pessoal
- Outreach
- Negócios e economia suportada por CTI
- Direitos do bioma amazônico
O rio Amazonas deve ser usado como “artéria de desenvolvimento regional”. Com laboratórios flutuantes que circulam em seu curso, pesquisadores irão levar para a bancada os problemas e demandas da região, propondo soluções. Os desenvolvedores pensaram em cinco laboratórios que fariam interlocução com as comunidades ribeirinhas.
Três linhas de negócio foram pensadas para o instituto. No âmbito da geração de projetos, o objetivo é identificar oportunidades e orientar o desenvolvimento de pesquisa e obtenção de patentes. Além disso, buscar financiamento de fundações internacionais junto a equipes especializadas. Na consultoria, o instituto oferecerá soluções inovadoras e pacotes tecnológicos aos segmentos socioeconômicos dos países amazônicos. Também implantará uma plataforma digital aberta de apoio a bionegócios.
Já no campo da educação, planeja-se um conjunto de programas de treinamentos técnicos, desde a graduação até o nível de pós-doutorado. Alguns exemplos de programas são: tecnologias avançadas para Amazônia, desenvolvimento para a Amazônia, sustentabilidade para o bioma amazônico, serviços ambientais amazônicos e ciências biológicas aplicadas para o desenvolvimento da Amazônia.
O intuito é receber estudantes que busquem visitar a região e que possam usar as bases flutuantes e as unidades de inteligência instaladas ali. Segundo Val, pretende-se criar uma rede com a participação de todas as instituições que trabalham com o tema nacional e internacionalmente.
Começando em 2023, espera-se que em 10 anos se tenha os primeiros resultados para inclusão social e geração de renda a partir do projeto.
“Quando deixamos que a ciência e tecnologia da Amazônia sejam desenvolvidas fora da Amazônia, na verdade estamos rifando o território amazônico, porque não temos acesso a isso.” Val ressaltou que não há, em nenhum país amazônico, um banco de dados sobre a região. “Hoje, se a gente quiser saber sobre águas na Amazônia, precisa consultar o instituto Max-Planck, da Alemanha”, concluiu.
“Nossa perspectiva é também uma perspectiva global.” Para John Fernández, do Environmental Solutions Initiative do MIT, o trabalho a ser feito na Amazônia não será apenas relevante para o futuro da região. Também será importante para as florestas tropicais e para os hotspots de biodiversidade mundiais, em particular no Congo e no sudeste asiático.
Uma organização como a AmIT deve ser apenas a primeira de muitas, posicionando as universidades de pesquisa em direção a um futuro positivo para o antropoceno, acredita Fernández.
Para os próximos meses, Maritta Koch-Weser expressou o desejo de que ocorram consultas científicas a todas as instituições acadêmicas, de ensino e de pesquisa, trazendo temas concretos para o esquema apresentado.
“Eu acho que sempre existe esse perigo, quando se cria sistemas novos, de ficar muito tempo somente no planejamento”, afirmou. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Amazônia em Transformação: História e Perspectivas, onde nasceu a ideia do Amazônia 4.0, ela enxerga a necessidade de combinar as projeções de médio e longo prazo da instituição com o desenho de um programa operacional programático que pode começar a fazer diferença a partir do próximo ano.
“O envolvimento da USP, em particular do IEA, com o tema da Amazônia vem de muito tempo”, disse o diretor do IEA, Guilherme Ary Plonski. Ele citou a atenção de José Goldemberg às questões da Amazônia em 1989, quando era reitor. Na época, criou-se o Projeto Floram, um plano de reflorestamento do Brasil que tem seus resultados registrados na revista Estudos Avançados 4.
Também participaram do evento Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP, e Renata Piazzon, da Fundação Arapyaú.
Este texto foi originalmente publicado pela IEA USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.