Ao invés de haver uma soma de cada estímulo isolado, fatores como colesterol elevado e falta de oxigênio nos tecidos agem em conjunto em genes ligados à obstrução de vasos sanguíneos
Por Júlio Bernardes em Jornal da USP – No Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), pesquisa revela a influência dos fatores de risco cardiovasculares em alterações nas células dos vasos sanguíneos, ligados ao acúmulo de gordura em doenças como a aterosclerose. Análises genéticas demonstraram, de forma inédita, que as células são afetadas de maneira única por uma combinação de fatores, entre eles a elevação do colesterol e a baixa concentração de oxigênio nos tecidos, favorecendo o surgimento de obstruções nos vasos sanguíneos. Os resultados do trabalho, que podem ajudar a desenvolver terapias que previnam problemas arteriais, são descritos em artigo publicado no Scientific Reports, do grupo Nature.
A aterosclerose é uma doença complexa caracterizada pelo acúmulo de gordura na parede das artérias. “O endotélio, um tecido da parede dos vasos sanguíneos, pode iniciar este processo ou ser alvo dele”, descreve o professor José Eduardo Krieger, da FMUSP, que participou do estudo. “Inicialmente, há mudanças em seu funcionamento, como a diminuição da capacidade de produzir vasodilatação, que tem grande influência em casos de hipertensão arterial. Posteriormente ocorrem alterações estruturais.”
“Em seguida, há formação de placas que comprometem o fluxo sanguíneo para o músculo cardíaco, os rins, o cérebro e os músculos dos membros superiores e inferiores”, aponta o professor. “Existem também eventos agudos, mais trágicos, como o rompimento das placas e a formação de trombos que obstruem o fluxo sanguíneo para o músculo cardíaco, resultando em infarto do miocárdio, ou no acidente vascular cerebral (AVC), quando o cérebro é afetado.”
O trabalho determinou a contribuição dos fatores de risco cardiovascular clássicos para a disfunção endotelial, que é uma característica comum a várias doenças cardiovasculares, como aterosclerose, infarto do miocárdio e hipertensão arterial. “Esses fatores de risco são a hipóxia, que é a baixa concentração de oxigênio nos tecidos, a elevação dos níveis de colesterol ou inflamatórios e distúrbios de fluxo sanguíneo”, ressalta. “O estudo foi realizado in vitro, usando células endoteliais humanas, e avaliamos as mudanças de expressão gênica global de cerca de 20 mil genes do nosso genoma em resposta a substitutos dos fatores de risco, individualmente e combinados.”
Fatores de risco
A pesquisa foi feita com células endoteliais primárias, retiradas da parede do vaso, da artéria coronária humana. “Estas células são alvo importante na aterosclerose e participam dos transtornos que afetam o coração. Os experimentos reproduziram alguns dos fatores de risco cardiovascular mais importantes de maneira controlada para quantificar os seus efeitos individuais e combinados, pois aparecem juntos em grande parte dos pacientes acometidos por doenças cardiovasculares”, explica o professor. “As diferenças de expressão gênica global das células endoteliais foram usadas para identificar as redes gênicas e os processos afetados pelos diferentes estímulos gerados pelos fatores de risco.”
Os pesquisadores demonstraram, de maneira não descrita até o momento, que a combinação dos estímulos, observada em pacientes cardiovasculares, não é explicada apenas por meio da soma da ação isolada de cada um dos fatores de risco.
“Os resultados do estudo permitem estabelecer uma hierarquia dos estímulos, por exemplo, com base no número de genes diferencialmente expressos e as vias afetadas por cada um dos estímulos isoladamente nas células”, afirma Krieger. “Detectamos que há redes gênicas e processos biológicos das células que são afetados de maneira única pela combinação de estímulos, como processos proliferativos [multiplicação de células] e trombogênicos – associados à trombose, isto é, formação de obstruções nos vasos, o que não havia sido demonstrado até agora.”
Segundo o professor, os resultados contribuem para melhor definição dos quadros de disfunção endotelial, identificando as redes gênicas e processos biológicos que são afetados por estímulos (fatores de risco) individualmente ou quando combinados.
“Esta visão hierárquica das vias gênicas e dos processos biológicos afetados pode ser explorada agora para determinar assinaturas moleculares mais específicas e identificar alvos terapêuticos candidatos para prevenir ou retardar os efeitos da disfunção endotelial, que é parte da maioria das doenças cardiovasculares”, destaca.
O estudo faz parte de uma linha de pesquisa do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Incor, do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP, que tem a colaboração de pesquisadores e de parceiros de diversas instituições no País e no exterior. O trabalho sobre disfunção endotelial teve a participação do aluno de doutorado Iguaracy Pinheiro de Souza e dos pesquisadores Miriam Fonseca-Alaniz, Samantha Teixeira, Mariliza Rodrigues e José Eduardo Krieger.
Mais informações: e-mail j.krieger@hc.fm.usp.br, com o professor José Eduardo Krieger