Como viabilizar a restauração florestal em larga escala

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Por Roberto S. Waack, Thais Ferraz e Alan Batista em Página 22 | Estamos na Década da Restauração de Ecossistemas, instituída pela Organização das Nações Unidas para apoiar e inspirar governos, sociedade e setor privado para colaborar, desenvolver e catalisar iniciativas de restauração em todo o mundo. Por suas dimensões continentais e condições climáticas, provavelmente o Brasil é o país mais preparado para contribuir globalmente com essa agenda. Até pouco tempo atrás a agenda da restauração florestal era limitada a projetos isolados, mas começa a ser vista como uma oportunidade de negócios, com alto potencial de geração de impacto socioambiental. Além de retornos econômicos bastante aceitáveis, traduz-se em renda e emprego para as comunidades rurais envolvidas, em desenvolvimento regional e em preservação dos recursos hídricos, do solo e da biodiversidade, além do carbono sequestrado.

Mesmo com todo o potencial que se apresenta, é uma indústria ainda em desenvolvimento que enfrenta desafios e incertezas para sua viabilidade, comuns a diversos tipos de bioeconomia. Entre eles estão as políticas públicas, os instrumentos de investimento adequados e, principalmente, a não monetização completa dos seus benefícios sociais e ambientais. O desenvolvimento do mercado de carbono ajuda na viabilidade financeira de diversos modelos de negócios, mas ainda não é suficiente para o amplo desenvolvimento dos negócios de restauração florestal.

A partir desse cenário, foi realizada uma imersão nas modelagens produzidas pelo projeto Verena (Valorização Econômica do Reflorestamento com Espécies Nativas), do World Resources Institute (WRI), com o objetivo de propor um modelo de negócios em larga escala. A revisão foi feita de forma colaborativa envolvendo especialistas das áreas financeira, ambiental e social. Foram consideradas, entre as variáveis, a forma de acesso à terra (concessões públicas, contratos de parceria ou aquisições), os custos de implantação, os custos de manutenção, as estimativas de captura de carbono em função do crescimento florestal e as estimativas de preço de carbono.

A despeito dos desafios existentes, o resultado desse mergulho é animador. O estudo proposto é composto por seis tipologias: regeneração natural passiva, regeneração natural assistida, silvicultura biodiversa, silvicultura de uma espécie, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e Sistemas Agroflorestais (SAF). Não existe uma melhor que a outra. Cada uma apresenta suas vantagens e desvantagens, sendo a complementaridade entre elas o fator que viabiliza o negócio em larga escala, com o devido impacto socioambiental. 

Todos os cálculos foram feitos com base em casos reais nos biomas Amazônia e Mata Atlântica. Para cada tipologia, foram avaliados fatores como: modelo fundiário, taxa de crescimento da floresta, custos de manutenção e implantação, absorção de carbono e número de empregos gerados. Todas as tipologias requerem investimentos de longo prazo, com alto capital inicial, já que a entrada de receitas segue a taxa de crescimento da floresta.

Devido às limitações para acelerar a geração de receita, uma vez que os investimentos estão sujeitos a fatores naturais, o modelo prevê algumas flexibilidades. Com o objetivo de mitigar riscos e reduzir pressões de custo, é essencial um portfólio variado de tipologias e um calendário de implantação ajustado à disponibilidade de recursos. A adoção de diversas tipologias também possibilita diversificar as fontes de receita entre carbono, madeira e produtos não madeireiros (cacau e açaí, por exemplo).

Pontos em comum do modelo de negócios proposto:

  • A restauração florestal em grande escala é uma oportunidade de negócios para empresas
  • A abordagem deve ser socioambiental: inclui os indivíduos diretamente envolvidos e contribui para o desenvolvimento regional onde é implementado o reflorestamento
  • O impacto ambiental não se restringe ao carbono. A restauração também se traduz em manutenção de recursos hídricos, do solo e da biodiversidade
  • Diferentes modelos podem ser combinados, com intensidades distintas

Diversidade de custos e resultados

Na regeneração natural passiva, como o próprio nome sugere, a restauração ocorre de forma espontânea, com intervenção restrita à proteção florestal. Considerando-se modelos de concessão de terras públicas e custos de implantação de cerca de R$ 2 mil por hectare e de R$ 250 por hectare ao ano em manutenção, atingiu-se uma Taxa Interna de Retorno (TIR) em torno de 5%.

Já na regeneração natural assistida, os custos de manutenção são superiores, já que demanda intervenção, como o plantio adicional ou o enriquecimento de mudas ou sementes. Em contrapartida, o impacto social é maior, com previsão de geração de 13 mil empregos em toda a cadeia. A TIR, nesse caso, é da ordem de 3%, considerando-se modelos de concessão de terras públicas e custos de implantação de cerca de R$2 mil/ha e de R$ 600/ha/ano em manutenção.

A silvicultura biodiversa prevê o plantio de mais de uma variedade de espécie nativa para o uso econômico no segmento da madeira para industrialização. Para o modelo proposto, que considera compra de áreas privadas, o resultado é uma TIR da ordem de 9%; com 46 mil empregos gerados em toda a cadeia. Considerou-se investimento em implantação da ordem de R$20 mil/ha e custos anuais de manutenção de cerca de R$ 1 mil/ha/ano.

A silvicultura de monocultura prevê o plantio de apenas uma variedade de espécie nativa para o uso econômico no segmento de madeira para industrialização. Para o modelo proposto, que também considera compra de áreas privadas, o resultado é uma TIR da ordem de 8% e 46 mil empregos gerados em toda a cadeia. Considerou-se investimento em implantação da ordem de R$10 mil/ha e custos anuais de manutenção de cerca de R$500/ha/ano.

O ILPF mescla o plantio de espécies nativas para aproveitamento econômico de frutas e/ou madeira em áreas de pastagens, enquanto o SAF conta com a participação ativa de comunidades familiares rurais no plantio de culturas agrícolas de curto prazo (arroz, feijão, milho, mandioca), perenes (café, cacau, pupunha, açaí, cítricos, banana etc.) e de espécies florestais nativas. 

No modelo desenhado para o ILPF, foi avaliado o plantio de uma espécie oleaginosa em área arrendada, gerando quase 6 mil empregos, um custo de implementação de R$10 mil/ha, manutenção de R$250/ha/ano, atingindo-se uma TIR da ordem de 14%.

No SAF, considerou-se o plantio de cacau, banana, jequitibá, mandioca e açaí no modelo fundiário de arrendamento. O resultado apresenta a maior TIR, de aproximadamente 18%, e é a tipologia de maior impacto social, já que gera aumento de renda e mais segurança alimentar às famílias envolvidas. No entanto, sua escala é limitada dada a complexidade de implantação, manutenção e comercialização de seus produtos. O investimento na implementação considerado foi da ordem de R$38 mil/ha e manutenção de cerca de R$ 1 mil/ha/ano.

Em todos os casos, considerou-se carbono comercializado a US$15 toneladas/ano (e crescimento anual do preço da ordem de 1,5% ao ano), com cerca de 8-10 toneladas de carbono capturados por hectare a cada ano. Os ciclos de produção, dependendo do caso, variam de 30 a 40 anos. Os investimentos em compra de terra consideraram valores entre R$ 8 mil/ha e R$15 mil/ha, os arrendamentos, valores em torno de R$ 400/ha/ano e, no caso das concessões, valores em torno de R$250/ha/ano.

Também em todos os casos, contemplaram-se custos de gestão entre R$ 50/ha/ano e R$ 700/ha/ano, dependendo da complexidade da operação (sendo regeneração natural as menos complexas e SAF, as mais). Considerou-se também a repartição de benefícios, com valores entre 5% e 30%, dependendo do modelo fundiário considerado (menores valores em terras próprias e maiores em arrendamentos). Análises de sensibilidade com variação de 20% para baixo ou para cima, de preços de carbono, custos de implementação e manutenção (formação florestal) e receitas indicaram que as taxas de retorno podem variar de 2 a 3 pontos percentuais, para baixo ou para cima, nos valores apresentados para cada caso descrito acima.

Desafios inéditos

O modelo analisado tem uma escala significativa: em torno de 1 milhão de hectares compostos por um mosaico das seis tipologias apresentadas, sendo mais de 50% de regeneração natural. A viabilização de um negócio com impacto social, ambiental e financeiro dessa magnitude traz desafios inéditos. 

Em termos operacionais, é preciso tornar viável a produção de mudas em grande escala e desenvolver a ciência aplicada à produção de sementes com boa genética. Há ainda o desafio de pesquisar e chegar a modelagens silviculturais adequadas para o plantio e dinâmica de crescimento das árvores. 

No tema fundiário, a segurança jurídica é fundamental para mitigar riscos associados à garantia da permanência em terras por períodos longos, aos modelos contratuais em terras públicas e à remuneração dos proprietários privados. 

Ainda há grandes incertezas quanto à regulamentação do mercado de carbono, especialmente em como as três vertentes possíveis (mercado voluntário, regulamentação nacional ou internacional) interagem com as principais premissas de negócios associados ao carbono.

Diante do papel das florestas na mitigação das mudanças climáticas – com oportunidade de geração de negócios, emprego e renda –, a restauração da paisagem florestal é central para o Brasil. Além de recuperar a biodiversidade, a função ecológica, o solo e outros capitais naturais, a restauração, feita com uma abordagem socioambiental, pode colocar o país na liderança da necessária transição para uma economia de baixo carbono. 

Este texto, portanto, propõe-se a contribuir para um olhar econômico que contemple as diversas tipologias de restauração e principais variáveis de custos e receitas. Os resultados de taxas de retorno devem ser considerados indicativos, dependentes de condições fundiárias e operacionais específicas. O potencial de negócios nesse campo certamente gerará, nos próximos anos, dados econômicos mais precisos e generalizáveis, mas a boa notícia é que todos as tipologias analisadas são passíveis de upsides relevantes, alinhados com as tendências de valorização da economia climática associada à biodiversidade.

Roberto S. Waack é presidente do Conselho do Instituto Arapyaú; Thais Ferraz é diretora-executiva; e Alan Batista é engenheiro florestal e CFA (Chartered Financial Analyst)

Este texto foi originalmente publicado por Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Equipe eCycle

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