Reator biológico tem bactérias que consomem poluentes ao respirar e podem transferir os elétrons gerados para fora da célula
Os tratamentos tradicionais dos efluentes de processos industriais, ou seja, dos resíduos líquidos resultantes, ocorrem principalmente por meio da remoção de poluentes para, em seguida, despejá-los em cursos de água. A busca por alternativas mais sustentáveis que essa, lançando mão de avanços tecnológicos, é o foco do trabalho de Vitor Cano, doutorando da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Mais do que simplesmente tratar os resíduos, sua pesquisa pretende obter energia a partir deles.
Graduado em Gestão Ambiental, Vitor tem seu projeto de doutorado voltado para a concepção e operação de um sistema bioeletroquímico denominado Célula a Combustível Microbiana (CCM), conhecida na literatura internacional como microbial fuel cell. Pode-se dizer, basicamente, que se trata de um reator biológico composto por bactérias capazes de consumir a matéria orgânica em sua respiração, mas com a diferença de que elas podem transferir os elétrons gerados no processo para fora da célula. Dessa forma, é possível capturar esses elétrons em um eletrodo, gerando assim uma corrente elétrica.
Imagem: Vitor Cano junto de seu experimento. Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução.
“É uma tecnologia muito recente e promissora, pois permite a geração direta de eletricidade a partir de resíduos orgânicos, como efluentes industriais. Em outras palavras, é possível tratar efluentes industriais e, em vez de gastar energia, gerar eletricidade”, explica o estudante, que está no Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade de Columbia, em Nova York, desde outubro de 2017, no grupo de pesquisa coordenado pelo professor Kartik Chandran.
Segundo Vitor, a etapa da pesquisa que ele realiza na Universidade de Columbia busca aprimorar ainda mais as possibilidades dessa tecnologia. “Estou adaptando a célula a combustível microbiana para usar não apenas a matéria orgânica como combustível, mas também utilizar o nitrogênio presente nas águas residuárias. Com isso, reduzimos a carga orgânica dos efluentes industriais e possibilitamos um novo método para o tratamento em termos de carga de nitrogênio com a vantagem de gerar energia renovável.”
Além de ser uma tecnologia promissora no tratamento de águas residuárias, protegendo a qualidade das águas superficiais e subterrâneas, esse processo permitirá também o tratamento de águas residuárias com alta carga de nitrogênio, como lixiviados de aterro sanitário, efluentes industriais e agroindustriais, com geração de energia. De acordo com Vitor, atualmente todos os processos conhecidos para o tratamento ou recuperação de nitrogênio apresentam um custo energético considerável.
Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução
Dessa forma, o estudante de doutorado avalia a aplicação de um protótipo inovador de célula a combustível microbiana (CCM), concebido no laboratório de saneamento da EACH com materiais de baixo custo, para geração de energia utilizando a matéria orgânica e nitrogênio como combustíveis. “Eu trouxe praticamente todo o meu experimento comigo, o que inclui reatores biológicos e um sistema eletrônico de monitoramento online. Por conta da complexidade do experimento, a instalação em um novo ambiente foi um grande desafio para mim”, destaca ele. O aluno é orientando do professor Marcelo Antunes Nolasco e integra o Grupo de Estudo e Pesquisa em Água, Saneamento e Sustentabilidade, coordenado pelo mesmo professor na EACH. A construção dos reatores biológicos do projeto teve grande apoio técnico do especialista Kelliton Francisco, que trabalha no grupo de pesquisa do professor Nolasco.
Os resultados preliminares obtidos no Brasil demonstram a capacidade de tratamento e geração de energia do sistema. Os resultados alcançados nos Estados Unidos ainda são muito preliminares, mas indicam a confirmação da possibilidade de utilização do nitrogênio como combustível na CCM. “No momento a CCM apresenta-se em fase de adaptação com aumento contínuo da geração de corrente elétrica, o que pode estar associado ao desenvolvimento de uma comunidade microbiana eletrogênica capaz de utilizar o nitrogênio como fonte de energia”, avalia o estudante.
Após o mês de maio, Vitor retornará à EACH para executar a última fase experimental do projeto, na qual serão explorados outros processos bioeletroquímicos da célula a combustível microbiana. “Espero ampliar as possibilidades de aplicação da tecnologia, tornando-a mais versátil e, portanto, viável em escala real para diferentes contextos e objetivos.”
O doutorado está previsto para se encerrar em julho de 2019. Após defender a tese, Vitor pretende seguir carreira acadêmica, atuando em projetos de pesquisa que desenvolvam estudos relacionados com saneamento e sustentabilidade.