Agência identifica presença de CFC-11 em fábricas irregulares que produzem espumas de poliuretano na China
O alerta de que as emissões de CFC-11, o segundo gás mais abundante que destrói a camada de ozônio, subiram inesperadamente nos últimos anos chocou a ONU e ambientalistas do mundo todo nos últimos meses. A partir da revelação, publicada na Revista Nature, organizações independentes e jornalistas começaram a investigar a origem dessas emissões. Os resultados apontam para a indústria chinesa de espumas de isolamento térmico.
O CFC-11 (clorofluorocarbono-11) está banido desde 2010, como parte do Protocolo de Montreal, que é considerado o mais bem-sucedido acordo ambiental internacional já promulgado. Proibir o gás em todo o mundo faz parte dos esforços para a completa recuperação da camada de ozônio até o meio do século. O aumento dessas emissões ameaça esse progresso, podendo atrasar a recuperação em até 10 anos.
Dados coletados pela Agência de Investigação Ambiental (EIA, na sigla em inglês), uma ONG com sede no Reino Unido que investiga e combate crimes e abusos ambientais, e pelo jornal norte-americano The New York Times indicam que a fabricação irregular de espumas de isolamento término na China pode ser uma das grandes responsáveis por esse aumento nas emissões de CFC-11.
A EIA publicou um relatório em que aponta a construção de casas na China como um das fontes de emissões atípicas de gases. O governo chinês passou a exigir da construção civil um melhor isolamento térmico, para que os prédios e casas desperdicem menos energia, o que exige o uso de mais espuma de poliuretano. Para produzir esse material isolante, muitas fábricas utilizam o CFC-11 no processo, já que o gás é mais barato e considerado mais eficiente que as alternativas ambientalmente adequadas.
Entrevistas realizadas pelo The New York Times confirmam a existência de fábricas chinesas que ignoram a proibição global e continuam fazendo ou usando o produto químico, CFC-11, principalmente para produzir espuma de isolamento para refrigeradores e edifícios.
“Você tinha duas opções: o agente da espuma mais barato que não é lá muito bom para o ambiente, ou o mais caro que faz menos mal”, disse ao The New York Times Zhang Wenbo, proprietário de uma fábrica de geladeiras em Xingfu, na província de Shandong, onde ele e muitos outros pequenos fabricantes declararam que até recentemente haviam usado amplamente o CFC-11 na produção da espuma.
“É claro que escolhemos o agente mais barato. Foi assim que sobrevivemos”, afirmou Zhang durante entrevista em seu escritório. Enquanto falava, uma operação repressiva acontecia na cidade. Momentos depois, quatro funcionários entraram na fábrica de Zhang, entregaram-lhe um aviso em um folheto contra uma série de violações ambientais, incluindo o uso de CFC-11 e ordenaram que a fábrica fosse fechada.
“Eles só nos disseram no ano passado que isso danificava a atmosfera. Ninguém veio verificar o que estávamos usando, então pensamos que tudo estava ok”, disse Zhang. A China tem o maior mercado de espuma de poliuretano do mundo, somando cerca de 40 por cento do consumo global, além de ser responsável por quase toda a produção de CFC-11 e de produtos químicos similares no Leste Asiático antes que fossem banidos.
A luta do país para erradicar o CFC-11 é um dos obstáculos que a China enfrenta para limpar sua produção após décadas de expansão industrial frenética – o governo muitas vezes tratou a poluição como o preço necessário para a prosperidade. Mas também traz consequências para muito além das fronteiras da nação.
Os comerciantes e os peritos chineses descreveram como fábricas químicas pequenas e rudimentares mantiveram a produção de CFC-11, apesar da proibição. As declarações são fundamentadas com documentos do governo. “Atualmente, ainda há um grande volume de produção ilegal de CFC-11 sendo usado na indústria da espuma”, Shao Changying, funcionário do setor de meio ambiente em Shandong, escreveu em um relatório publicado no ano passado. Outro relatório do setor ambiental de Shandong descreveu em 2016 uma “produção ilegal vigorosa de CFC-11”, que declarou “trazer riscos ao mercado e ao meio ambiente”. Mesmo quando Shandong e outras províncias conseguiram derrubar o produto químico, os comerciantes chineses ainda o vendiam on-line.
Stephen O. Andersen, ex-funcionário da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, que atuou em um dos comitês consultivos do Protocolo de Montreal, disse que alternativas legais e mais baratas ao CFC-11 estavam disponíveis. Porém, durante as entrevistas, os pequenos fabricantes chineses pareceram não conhecer tais alternativas ou pelo menos não pareciam querer pagar os custos de converter seu equipamento para usá-las.
Liu Le, especialista de refrigeração em Shandong, declarou que ainda havia empresas prontas para fornecer o CFC-11. “Quando ninguém está monitorando, eles conseguem produzi-lo. Ou quando recebem uma encomenda ilegal, que não deixa de ser uma encomenda, também o produzem. Fabricam por um tempo, até que sejam descobertos, e depois seguem em frente”, disse Liu.
Um grupo independente, a Agência de Investigação Ambiental, disse que tinha identificado oito fábricas em quatro províncias chinesas onde o produto químico estava sendo usado no processo de fabricação de espuma. A organização, baseada em Washington, disse que esta e outras evidências, incluindo conversas com vendedores que confirmam o uso do CFC-11, apontaram para a indústria da espuma chinesa como a principal fonte das novas emissões.
“A escala desse crime ambiental é devastadora, com impacto potencial maciço no clima e na camada de ozônio”, afirmou Alexander von Bismarck, diretor executivo do grupo. Ele também disse que a Agência tinha apresentado suas descobertas iniciais ao governo chinês e ao Secretariado do Protocolo de Montreal e que publicaria um relatório completo este mês. “Estamos aguardando uma resposta firme”, disse von Bismarck.
Ciente das pesquisas e descobertas do The New York Times e da Agência de Investigação Ambiental, Erik Solheim, chefe do programa para o meio-ambiente das Nações Unidas, que supervisiona o protocolo, chamou a produção ilegal de CFC-11 de “nada menos que um crime ambiental que exige uma ação”.
“Ao mesmo tempo, temos que investigar mais a fundo”, disse Solheim em uma declaração. “Com base na escala de emissões detectadas, há boas razões para se acreditar que o problema vai além desses casos descobertos”.
O ministério chinês da Ecologia e do Meio Ambiente não respondeu às perguntas sobre a regulação de produtos químicos prejudiciais à camada de ozônio ou sobre sua produção ilegal. Apenas declarou que estavam preparando uma ação. Hu Jianxin, professor na Universidade de Pequim que estuda esses produtos químicos e presta assistência na formulação de políticas públicas, disse que ele e outros peritos precisavam de mais tempo para verificar as descobertas e encontrar fontes possíveis na China e em outras partes.
“A produção ilegal e o uso de CFC podem certamente contribuir para a concentração atmosférica”, disse Hu. Mas, acrescentou, o aumento das emissões indicado pelo estudo mais recente também significava que novas fontes, não consideradas antes, poderiam existir.
Durante a década passada, os líderes do Partido Comunista Chinês começaram a enxergar a poluição atmosférica, a contaminação das águas e outros tipos de poluição como ameaças sérias à confiança no governo, que tem feito avanços na redução da poluição atmosférica e retardou o crescimento das emissões de dióxido de carbono e outros gases responsáveis pelo aquecimento do planeta. Do mesmo modo, desde o anúncio da proibição de CFC-11, a China exigiu que as empresas o substituíssem por produtos químicos menos prejudiciais.
Mas autoridades governamentais e comerciantes disseram que era uma batalha desequilibrada. Muitos poluidores são pequenas fábricas que escapam da rede de inspeções ou que encaram multas e fechamentos temporários como o preço para manter seu negócio. “O CFC-11 é mais barato, além de seu efeito na espuma ser melhor”, disse Ge Changqing, gerente de uma empresa química legitimada.