Edifício fechado abriga diversos perigos para a saúde. Alergias, dores de cabeça e piora de condições pré-existentes como asma
A síndrome do edifício doente (SED) foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1982, após a comprovação de que a morte de 34 pessoas e a constatação de que 182 casos de contágio com a bactéria denominada Legionella pneumophila foram ocasionados pela contaminação do ar interno de um hotel na Filadélfia.
Diversas doenças podem ser desencadeadas pelo ambiente em que você vive, seja em sua casa ou no local de trabalho. Você já sentiu que, ao entrar em um edifício, seus olhos e nariz ficaram irritados, apresentou dores de cabeça, falta de concentração ou fadiga? É possível que o local em questão se tratasse de um “edifício doente“.
Mas afinal, o que é um edifício doente?
A síndrome do edifício doente se refere à relação de causa e efeito das condições de um ambiente interno e a agressão à saúde dos ocupantes, com fontes poluentes de origem física, química ou biológica. Um edifício é considerado doente quando cerca de 20% de seus ocupantes apresentam problemas de saúde associados à permanência em seu interior. Sintomas relacionados com a construção podem ter um impacto substancial sobre a saúde.
Em alguns casos, a simples saída do local já é suficiente para que os sintomas desapareçam, mas o problema pode ocasionar distúrbios mais graves quando o indivíduo tem predisposição ou a exposição é prolongada, provocando as doenças relacionadas ao edifício (building-related illnesses – BRIs, em inglês).
A contaminação do ambiente pode ocasionar novos distúrbios, exacerbar doenças pré-existentes (como rinite e asma) e desencadear distúrbios causados pela exposição no local de trabalho (como asma ocupacional, pneumonite de hipersensibilidade). De acordo com dados da revista Environmental Health, cerca de 60% das pessoas que vivem nesses ambientes doentes podem apresentar complicações com origem na síndrome. Esses locais facilitam o aumento da taxa de absenteísmo (trabalhadores que faltam no trabalho).
A qualidade do ar tem influência direta na saúde ocupacional, pois, em um ambiente comprometido, a produtividade e qualidade de vida dos trabalhadores são prejudicadas.
Nos países industrializados, as pessoas passam grande parte de suas vidas dentro de ambientes fechados, seja em casa, em escritórios ou ambientes semelhantes. Mas, mesmo assim, pouco – ou quase nada – se fala sobre a poluição do ar interno. Considerando nosso tempo de permanência dentro desses locais, é de se imaginar que o impacto na saúde seja maior do que a poluição externa.
De acordo com classificação da OMS, existem dois tipos de edifício doente: edifícios temporariamente doentes e edifícios permanentemente doentes. A síndrome do edifício doente temporária se refere a edifícios recém-construídos, ou com remodelação recente, que apresentam irregularidades que desaparecem com o tempo (aproximadamente seis meses). Já edifícios permanentemente doentes podem apresentar erros de projeto, falta de manutenção, ou outros fatores que ocasionaram dano permanente.
Edifícios novos, projetados sem a utilização de materiais seguros, possuem altas concentrações de VOCs e material particulado, provenientes dos materiais de construção e do mobiliário. Mas, edifícios antigos, com o envelhecimento dos equipamentos, acumulação de poeira, bolor, umidade nas paredes, acumulação de contaminantes químicos e biológicos nos sistemas de refrigeração também podem oferecer ambientes com risco à saúde.
É de sabedoria popular que devemos deixar o ambiente ventilar para que o ar se renove, mas os edifícios modernos, principalmente comerciais, têm um sistema de ventilação integrado, que nem sempre recebe manutenção adequada. Entre outros motivos, ele pode estar contaminado com bactérias e vírus, e acabar desencadeando diversas condições indesejadas. Isso sem falar dos contaminantes químicos.
Arquitetura moderna e saúde
Nos anos 70 houve uma mudança nos projetos de construção civil para prédios comerciais em decorrência da crise energética mundial. A tendência foi a criação de ambientes cada vez mais fechados. Eles apresentam mínimas aberturas para ventilação e pouca troca de ar com o ambiente externo, para, assim, reduzir o gasto de energia na manutenção da circulação e refrigeração do ar.
Edifícios “hermeticamente” fechados auxiliaram na redução do consumo de energia, contudo, a redução radical da captação do ar externo significou em uma taxa insuficiente de renovação do ar. Com isso, houve a queda na qualidade do ar e o aumento da concentração de poluentes químicos e biológicos, que ameaçam a saúde dos ocupantes.
As enormes fachadas de vidro (ou espelhadas) substituíram janelas. Aparelhos de ar condicionado independentes deram lugar a ambientes fechados, com dutos de ar resfriados ou aquecidos por uma central. A automatização dos sistemas de ar condicionado, inicialmente, prezava apenas pelo controle das variáveis temperaturas e umidade relativa do ar interno, e ignorava parâmetros de qualidade do ar. Por esse motivo, a síndrome do edifício doente, muitas vezes, é chamada de síndrome do edifício espelhado.
Os avanços na química, e a utilização crescente do petróleo, tornaram possível a utilização de novos materiais, em busca de uma melhor qualidade estética e funcional. Cada vez mais compensados, vernizes, adesivos, papéis de parede, tapetes, removedores, entre outros materiais que são fontes de poluição passaram a ser utilizados.
Também cresceu o uso de resinas de formaldeído empregadas, principalmente, em móveis de madeira aglomerada, divisórias e material colante para fixar carpetes. Carpetes higienizados com xampus e outros produtos químicos de porte industrial, altamente tóxicos, diga-se de passagem. Equipamentos para dar mais agilidade aos serviços (com geração de ozônio e amoníacos) aumentaram ainda mais a contaminação do ambiente interno. Em suma, os edifícios modernos, fechados, são um nicho ecológico complexo, fonte de inúmeras doenças para a humanidade.
Quais são suas causas?
Químicos
Os principais contaminantes do ambiente interno aparecem na forma química. Entre os contaminantes químicos estão: monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio, ozônio, formaldeído, dióxido de enxofre, amônia e radônio 222 (oriundo do decaimento radioativo do rádio 226), presente nos solos, lençóis freáticos e materiais como pedras, tijolos e concreto. Os materiais sintéticos de revestimento, aglomerados de madeira, alcatifas, papéis de parede, colas, removedores, cera, espumas de isolamento, solventes, tintas, vernizes, além de equipamentos como impressoras e fotocopiadoras e produtos de limpeza, são potenciais fontes de contaminação.
Os móveis e utensílios podem liberar substâncias danosas em pequenas quantidades durante anos. As substâncias químicas liberadas por esses produtos são dispersadas no ar, os compostos orgânicos voláteis têm destaque nessa contaminação. O nível de poluentes no ar interno pode ser até superior ao ar exterior. Os compostos orgânicos voláteis têm propriedades irritantes e odor desagradável, e podem desencadear sintomas de irritação, como espirros, tosse, rouquidão, olhos irritados, reações de hipersensibilidade, vômitos etc.
Biológicos
Fatores biológicos também podem ser perigosos para a saúde dos ocupantes. Bactérias, fungos, protozoários, artrópodes, vírus e excrementos de animais em geral, são elementos que podem contaminar o ambiente. Partículas de origem biológica, suspensas no ar do ambiente, são chamadas de bioaerosóis.
A inalação dessas partículas pode provocar muitas complicações, e diversos fatores influenciam no nível do distúrbio: as propriedades biológicas e químicas das partículas, a quantidade inalada, o local onde se depositam no sistema respiratório e a sensibilidade do indivíduo. Os fungos mais comuns são: Penicillium, Cladosporium, Alternaria e Aspergillus, e as principais bactérias: Bacillus Staphylococus, Micrococus e Legionella Pneumophila.
Reservatórios com água estagnada, torres de resfriamento, bandejas de condensado, desumidificadores, umidificadores, serpentinas de ar condicionado, são locais que podem ser foco de agentes biológicos. É essencial manter a manutenção e limpeza adequada dos aparelhos.
Infiltrações e vazamentos devem ser eliminados, ambientes úmidos e materiais porosos, como forros, paredes e isolamentos, merecem atenção diferenciada para não se tornarem foco de contaminantes. As superfícies fixas e mobiliário devem ser higienizadas frequentemente. O uso de tecidos e tapetes deve ser minimizado, eles necessitam de cuidado especial na hora da limpeza. Além disso, deve-se restringir o acesso e controlar roedores, morcegos, ninhos de aves e respectivos excrementos.
Físicos
Os fatores físicos que influenciam na saúde do ambiente vão da iluminação, nível de ruídos, campos eletromagnéticos, temperatura e umidade do ambiente. Tudo isso pode ocasionar complicações aos ocupantes, se não estiverem em níveis adequados.
A iluminação excessiva, bem como deficiente, pode causar fadiga visual, dores de cabeça, tensão, queda de rendimento, acidentes e até desregulação do ritmo circadiano e danos na mácula. Entenda melhor esse tema na matéria:
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o ruído acima de 50 decibéis acústicos tem impacto negativo no organismo humano. A poluição sonora provoca estresse e desconforto, e, em altos níveis, pode provocar desequilíbrio bioquímico, elevando o risco de enfarte, derrame cerebral, infecções, osteoporose e outros.
O excesso de ondas eletromagnéticas é outro fator de risco. Elas são emitidas por equipamentos eletrônicos, e sua poluição é imperceptível, mas têm efeito em todas as matérias vivas ou inorgânicas, podendo influenciar no comportamento celular humano e desorientar o voo de algumas aves. Alta temperatura no ambiente pode provocar cefaleias, letargia e cansaço, e a umidade relativa do ar deve ser controlada. Abaixo de 40%, ela pode gerar sintomas de incômodo nas mucosas e vias respiratórios e, acima 60%, pode contribuir para a condensação de água e o crescimento de micro-organismos patogênicos.
Sintomas
Trabalhadores de centenas de edifícios modernos fechados na América do Norte e na Europa ocidental relatam, desde o início da década de 70, diversas queixas em relação à saúde e ao conforto. Esses edifícios são os principais locais acometidos pela síndrome do edifício doente. Os sintomas podem aparecer isoladamente ou em combinação e, em muitos casos, eles não são associados com a síndrome por serem confundidos com uma doença respiratória comum. Nem todos os ocupantes de um edifício doente necessariamente apresentarão sintomas, mas a investigação do ambiente é fundamental para um diagnóstico correto.
Odores e a irritação de mucosas ocasionam estresse e respostas comportamentais, como abrir uma janela ou abandonar o edifício. Esses são sinais de que o ambiente pode apresentar uma qualidade de ar insuficiente. Mesmo que análises de amostras do ar não indiquem concentrações significativas de nenhum dos poluentes presentes, a combinação dos efeitos de diferentes poluentes, presentes em baixas concentrações, pode ser suficiente para gerar desconforto. Em geral, as doenças relacionadas ao edifício têm seus sintomas agravados ao longo dos dias úteis, e melhoram de noite, após a saída do edifício, e nos finais de semana.
A questão é da ordem de saúde ocupacional, considerando a relação de causa e efeito entre o local de trabalho e os sintomas decorrentes das agressões ao bem-estar desses ambientes. O Comitê Técnico da OMS definiu, em 1982, o conjunto dos principais sintomas para reconhecer a síndrome do edifício doente: dor de cabeça, fadiga, letargia, prurido e ardor nos olhos, irritação do nariz e garganta, problemas cutâneos e dificuldade de concentração.
Os sintomas são divididos em alguns grupos principais: problemas nos olhos, manifestações respiratórias, manifestações cutâneas e problemas gerais. Os problemas nos olhos incluem irritação, sensibilidade, dor, secura, coceira ou constante lacrimejamento.
As manifestações nasais são irritação nasal, constipação nasal, coriza, rinorreia, sensação de opressão e dificuldade respiratória, agravamento de sintomas de asma, rinite e outras doenças respiratórias, sensação de secura, dor e irritação da garganta.
As anormalidades na pele envolvem secura, coceira, irritação, alergia e dermatose em geral. Já os problemas gerais vão, desde enxaquecas graves e moderadas a vertigem, fadiga generalizada, tonturas, letargia (sonolência e debilidade), dificuldade de concentração, náusea, mal-estar e estresse. O estresse pode desencadear uma série de outras enfermidades, como distúrbios de sono, alimentação, ansiedade, etc. As queixas em edifícios fechados chegam ao dobro das ocorridas em edifícios ventilados de forma natural.
Brasil
Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) em 78 estabelecimentos de uso privado e coletivo, entre eles supermercados, cinemas e shoppings, climatizados artificialmente, revelou que, cerca de 42,3% desses locais apresentam contaminação por poluentes químicos, como elevada concentração de CO2. Além disso, 56,4% dos edifícios apresentaram problemas de baixa temperatura e umidade.
A primeira legislação voltada para a garantia da qualidade do ar em ambientes climatizados foi a Portaria 3.523/98, do Ministério da Saúde, que estabeleceu uma rotina de procedimentos de limpeza em sistemas de refrigeração de grande porte. Ela foi atualizada em 2000 e em 2002.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina padrões referenciais de qualidade de ar interior para ambientes de uso público e coletivo, climatizados artificialmente. Na resolução, você pode conferir os índices máximos de poluentes de contaminação biológica e química, além de parâmetros físicos do ar interior. O documento apresenta, também, recomendações para controle e correção, caso os padrões de ar sejam considerados regulares ou ruins. A atenção deve ser redobrada em locais onde o risco de contaminação pode ser fatal para pessoas com organismo debilitado, como hospitais e locais com idosos e crianças.
Ambiente saudável
Agora que você sabe o que é um edifício doente, deve estar se perguntando como descobrir se os materiais que serão utilizados em seu projeto arquitetônico ou se o ambiente em que você mora são saudáveis, certo?
Para entender como construir um ambiente saudável conheça a geobiologia, área do conhecimento que estuda o impacto da arquitetura dos ambientes sobre a saúde humana:.
Viver e trabalhar em ambientes saudáveis aumenta muito a qualidade de vida, melhora a saúde e a disposição, diminui a exposição a doenças oportunistas e o absenteísmo no trabalho. Um ambiente seguro é bom para o bolso e para o bem-estar.